Povo contesta regime e exige democracia
Milhares de iranianos protestaram em Teerão contra o regime despótico, exigiram liberdade e democracia e contestaram a reeleição de Mahmud Amadinejad. O Partido Tudeh do Irão classifica o sufrágio de fraudulento e apela às forças reformistas, aos sectores progressistas e às massas populares para que contestem, por todos os meios, os resultados oficiais.
O imperialismo aproveita para zurzir contra o Irão
Depois de uma afluência recorde às urnas nas presidenciais de sexta-feira, 12, no Irão – cerca de 85 por cento de participação –, e do actual presidente e candidato das forças conservadoras, Amadinejad, ter sido declarado vencedor com cerca de 63 por cento dos votos contra 34 por cento do seu opositor, Mir Hossein Mousavi, o país mergulhou numa crise política.
Logo a seguir ao encerramento das urnas, Mousavi proclamou-se vencedor e declarou que não aceitaria qualquer outro resultado tendo em conta as denúncias de irregularidades durante a consulta, tais como a falta de boletins de voto, apesar de terem sido impressos mais cinco milhões que os necessários, a ausência de observadores de todas as candidaturas nas assembleias de voto, ou, segundo denuncia o Comité Central do Tudeh em comunicado divulgado sábado, dia 13, a montagem de uma farsa eleitoral para ocultar a derrota do candidato favorito do regime. Derrota ainda maior, acresce o Partido do Povo do Irão, que a registada aquando da primeira vitória do «reformador» Khatami, em 1997.
Durante o fim-de-semana, as manifestações realizadas não podem ser consideradas de massas. Milhares de polícias e milicianos fiéis ao Conselho dos Guardiães da Revolução ocuparam as ruas e detiveram centenas de populares, sobretudo jovens, numa acção que o Tudeh considera um autêntico golpe de Estado contra a vontade expressa pelos iranianos nas urnas. Grupos dispersos insistiram nos protestos, apesar da vaga de prisões. Alguns alegadamente contestatários do regime resvalaram para acções de destruição indiscriminada, mas a maioria dos que foi saindo à rua fê-lo para contestar pacífica mas energicamente o líder espiritual Khamenei e os seus fantoches no governo, animando, assim, milhares que foram vencendo o medo e a repressão.
As autoridades foram obrigadas a libertar a maioria dos detidos, embora ainda mantenham à sua guarda dezenas de pessoas que apelidam de «organizadores dos protestos». Equipas de reportagem foram expulsas por filmarem as primeiras concentrações de protesto e, posteriormente, foram autorizadas a permanecer no país, embora aconselhadas a não registarem a contestação. Só os escritórios da televisão Al Arabya em Teerão continuam encerrados.
Face à multiplicação dos protestos, o Conselho dos Guardiães não teve outra hipótese senão acolher a queixa de Musavi e garantir, domingo à noite, que iria avaliar as supostas irregularidades, numa atitude sem precedentes por parte do órgão que, no sistema eleitoral iraniano, equivale ao Tribunal Constitucional de Portugal. Já anteontem, o Conselho ordenou a recontagem dos votos.
Protesto vigoroso
Segunda-feira, a oposição convocou para a Praça Azadi (liberdade) e para a frente do edifício-sede da milícia fundamentalista uma nova manifestação popular. Musavi – ex-primeiro-ministro e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, que conseguiu reunir à sua volta muitas das figuras do anterior governo liderado por Khatami (1997-2005); um «crítico interno», como o considera o Tudeh (isto apesar do partido ter apelado ao voto nos candidatos reformistas, não como apoio ao seu projecto político, mas como rejeição da direita reaccionária no poder) –, procurou capitalizar a seu favor a mobilização de milhares de pessoas.
Mas a verdade é que muitos, talvez mesmo a maioria, como refere um jornalista presente no local citado pela Al Jazeera, não compareceu para apoiar Musavi, mas para contestar o regime e os resultados, exigir liberdade e democracia no país.
Um manifestante acabou por ser morto por tiros disparados a partir da sede da milícia Basij. A polícia repetiu o cenário de sábado na Universidade de Teerão e carregou à bastonada e com recurso a gás lacrimogénio, mas de acordo com a Al Jazeera a multidão, na sua esmagadora maioria, manteve-se tão pacífica e determinada quanto no início da marcha, conscientes de que esta é uma oportunidade que não se pode desperdiçar na contestação a um regime despótico, que internamente promoveu privatizações em sectores essenciais (embora não tenha ido tão longe quanto propunha, por exemplo, o candidato presidencial «reformista» igualmente derrotado, Mehdi Karroubi), atacou direitos laborais e sociais, destruiu a pequena e a média industria manufactureira e arrastou para a pobreza milhões de trabalhadores fazendo recair sobre estes a factura da política antipopular.
Imperialismo aproveita
Entretanto, os acontecimentos políticos estão a ser usados pelo imperialismo para zurzir acusações contra o Irão. Londres, Paris, Washington, Bruxelas e Otawa aproveitam para atacar um regime que, em termos de política externa, é um sério obstáculo às pretensões hegemónicas do eixo euro-atlântico.
Recorde-se que o Irão não só insiste em desenvolver tecnologia nuclear para fins pacíficos - por uma questão de soberania energética, reiteram –, como estabeleceu com vários países emergentes, da América Latina, por exemplo, programas de cooperação, entre outras, na área dos hidrocarbonetos.
Com a Rússia, a China e a Índia procura parcerias na exploração de petróleo e gás natural no Cáspio. Propôs o fim do dólar como moeda de referência nas trocas comerciais mundiais e negoceia com diversos estados-membro da UE contratos milionários relegando para segundo plano os EUA nesses acordos. Controla o estreito de Ormuz, por onde passam diariamente toneladas de crude rumo aos países mais industrializados.
Tudo isto irrita profundamente o capital multinacional e os seus serventuários nos governos das principais potências, que sabem que qualquer precedente, qualquer exemplo de insubmissão, é mau para os seus interesses. Não admira que nos principais meios de comunicação ocidentais a situação no Irão esteja a ser noticiada como próxima do caos; que Musavi esteja a ser promovido como o grande mobilizador em vez de se reportar com objectividade a acção das massas populares e o conteúdo das suas reivindicações; e que até o filho do último Xá da Pérsia, Reza Pahlavi, tenha tempo de antena para apelar ao apoio internacional à desobediência civil.
Ocultam que Pahlavi é o herdeiro de um dos regimes mais hediondos do século XX. Corrupto até ao tutano, onde a ostentação e a luxúria das classes dominantes contrastava com a miséria generalizada do povo persa. Que o Xá e os EUA foram responsáveis pelo derrube do governo patriota e progressista de Mohammad Mossadegh, e que a continuação da monarquia abriu caminho, em 1979, aos demagogos da República Islâmica.
Que ambos, absolutistas pró-imperialistas e republicanos islâmicos, são responsáveis pela repressão, morte e exílio de milhares de comunistas, socialistas e democratas iranianos, que hoje olham com esperança para o povo que volta a erguer-se na sua pátria.
Logo a seguir ao encerramento das urnas, Mousavi proclamou-se vencedor e declarou que não aceitaria qualquer outro resultado tendo em conta as denúncias de irregularidades durante a consulta, tais como a falta de boletins de voto, apesar de terem sido impressos mais cinco milhões que os necessários, a ausência de observadores de todas as candidaturas nas assembleias de voto, ou, segundo denuncia o Comité Central do Tudeh em comunicado divulgado sábado, dia 13, a montagem de uma farsa eleitoral para ocultar a derrota do candidato favorito do regime. Derrota ainda maior, acresce o Partido do Povo do Irão, que a registada aquando da primeira vitória do «reformador» Khatami, em 1997.
Durante o fim-de-semana, as manifestações realizadas não podem ser consideradas de massas. Milhares de polícias e milicianos fiéis ao Conselho dos Guardiães da Revolução ocuparam as ruas e detiveram centenas de populares, sobretudo jovens, numa acção que o Tudeh considera um autêntico golpe de Estado contra a vontade expressa pelos iranianos nas urnas. Grupos dispersos insistiram nos protestos, apesar da vaga de prisões. Alguns alegadamente contestatários do regime resvalaram para acções de destruição indiscriminada, mas a maioria dos que foi saindo à rua fê-lo para contestar pacífica mas energicamente o líder espiritual Khamenei e os seus fantoches no governo, animando, assim, milhares que foram vencendo o medo e a repressão.
As autoridades foram obrigadas a libertar a maioria dos detidos, embora ainda mantenham à sua guarda dezenas de pessoas que apelidam de «organizadores dos protestos». Equipas de reportagem foram expulsas por filmarem as primeiras concentrações de protesto e, posteriormente, foram autorizadas a permanecer no país, embora aconselhadas a não registarem a contestação. Só os escritórios da televisão Al Arabya em Teerão continuam encerrados.
Face à multiplicação dos protestos, o Conselho dos Guardiães não teve outra hipótese senão acolher a queixa de Musavi e garantir, domingo à noite, que iria avaliar as supostas irregularidades, numa atitude sem precedentes por parte do órgão que, no sistema eleitoral iraniano, equivale ao Tribunal Constitucional de Portugal. Já anteontem, o Conselho ordenou a recontagem dos votos.
Protesto vigoroso
Segunda-feira, a oposição convocou para a Praça Azadi (liberdade) e para a frente do edifício-sede da milícia fundamentalista uma nova manifestação popular. Musavi – ex-primeiro-ministro e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, que conseguiu reunir à sua volta muitas das figuras do anterior governo liderado por Khatami (1997-2005); um «crítico interno», como o considera o Tudeh (isto apesar do partido ter apelado ao voto nos candidatos reformistas, não como apoio ao seu projecto político, mas como rejeição da direita reaccionária no poder) –, procurou capitalizar a seu favor a mobilização de milhares de pessoas.
Mas a verdade é que muitos, talvez mesmo a maioria, como refere um jornalista presente no local citado pela Al Jazeera, não compareceu para apoiar Musavi, mas para contestar o regime e os resultados, exigir liberdade e democracia no país.
Um manifestante acabou por ser morto por tiros disparados a partir da sede da milícia Basij. A polícia repetiu o cenário de sábado na Universidade de Teerão e carregou à bastonada e com recurso a gás lacrimogénio, mas de acordo com a Al Jazeera a multidão, na sua esmagadora maioria, manteve-se tão pacífica e determinada quanto no início da marcha, conscientes de que esta é uma oportunidade que não se pode desperdiçar na contestação a um regime despótico, que internamente promoveu privatizações em sectores essenciais (embora não tenha ido tão longe quanto propunha, por exemplo, o candidato presidencial «reformista» igualmente derrotado, Mehdi Karroubi), atacou direitos laborais e sociais, destruiu a pequena e a média industria manufactureira e arrastou para a pobreza milhões de trabalhadores fazendo recair sobre estes a factura da política antipopular.
Imperialismo aproveita
Entretanto, os acontecimentos políticos estão a ser usados pelo imperialismo para zurzir acusações contra o Irão. Londres, Paris, Washington, Bruxelas e Otawa aproveitam para atacar um regime que, em termos de política externa, é um sério obstáculo às pretensões hegemónicas do eixo euro-atlântico.
Recorde-se que o Irão não só insiste em desenvolver tecnologia nuclear para fins pacíficos - por uma questão de soberania energética, reiteram –, como estabeleceu com vários países emergentes, da América Latina, por exemplo, programas de cooperação, entre outras, na área dos hidrocarbonetos.
Com a Rússia, a China e a Índia procura parcerias na exploração de petróleo e gás natural no Cáspio. Propôs o fim do dólar como moeda de referência nas trocas comerciais mundiais e negoceia com diversos estados-membro da UE contratos milionários relegando para segundo plano os EUA nesses acordos. Controla o estreito de Ormuz, por onde passam diariamente toneladas de crude rumo aos países mais industrializados.
Tudo isto irrita profundamente o capital multinacional e os seus serventuários nos governos das principais potências, que sabem que qualquer precedente, qualquer exemplo de insubmissão, é mau para os seus interesses. Não admira que nos principais meios de comunicação ocidentais a situação no Irão esteja a ser noticiada como próxima do caos; que Musavi esteja a ser promovido como o grande mobilizador em vez de se reportar com objectividade a acção das massas populares e o conteúdo das suas reivindicações; e que até o filho do último Xá da Pérsia, Reza Pahlavi, tenha tempo de antena para apelar ao apoio internacional à desobediência civil.
Ocultam que Pahlavi é o herdeiro de um dos regimes mais hediondos do século XX. Corrupto até ao tutano, onde a ostentação e a luxúria das classes dominantes contrastava com a miséria generalizada do povo persa. Que o Xá e os EUA foram responsáveis pelo derrube do governo patriota e progressista de Mohammad Mossadegh, e que a continuação da monarquia abriu caminho, em 1979, aos demagogos da República Islâmica.
Que ambos, absolutistas pró-imperialistas e republicanos islâmicos, são responsáveis pela repressão, morte e exílio de milhares de comunistas, socialistas e democratas iranianos, que hoje olham com esperança para o povo que volta a erguer-se na sua pátria.