O centro do tabuleiro

Jorge Messias
Nos jogos de xadrez, desde os primeiros lances de abertura, a regra central consiste na conquista no domínio do centro do tabuleiro. Só com o controlo dessa área e apoiando-se numa defesa bem organizada, o jogador pode desenvolver os seus ataques e alcançar o xeque-mate vitorioso final.
Na vida real, foi isto que se passou com o capitalismo triunfante, nas diferentes etapas do seu desenvolvimento: defesas fechadas, conquista do quadrado do Poder e progressão contínua e apoiada em ataques fulminantes. Quando as crises cíclicas surgiam, elas causavam danos nas estruturas mas não afectavam o sistema.
Este panorama, ao que parece, pertence ao passado. Com as suas contradições e o seu aventureirismo, o capitalismo neoliberal originou tal «beco sem saída» que dificilmente agora poderá voltar a pôr a casa em ordem e recomeçar. O neocapitalismo violou as regras básicas do jogo, destruiu tudo à sua volta para, rapidamente, engordar fortunas e acelerar a cadência do saque. De repente, acordou no meio do deserto. Reina, ainda, sobre as ruínas, antes que os trabalhadores e os mais pobres se unam, se ergam e organizem contra a exploração, o oportunismo e o crime social. Mas esse dia virá!

Os bispos negros...

Os números deste desastre estão à vista, embora traduzam apenas uma parte apenas da realidade. Em todo o mundo 50 milhões de seres humanos morrem de fome. O desemprego cresce a ritmo galopante e produz a miséria das famílias. O grande capital esmaga não só o proletariado mas também as classes médias. O enriquecimento ilícito que se encobre nos off-shores continua a engordar, cavando ainda mais fundo o fosso entre ricos e pobres. Terá o capitalismo capacidade para sair da crise? Os banqueiros e os políticos dos banqueiros dizem que sim mas que não sabem quando. É cada vez mais evidente que o neoliberalismo capitalista não encontra nos seus arsenais alternativas para as situações do caos que provocou.
Esta perplexidade que paralisa as instituições do próprio capital é de alto risco para a sociedade mundial. Todos sabemos, até por experiência própria, que as grandes fortunas nunca desistem voluntariamente do poder. Se não formos nós – pensam os banqueiros – reinará a desordem. Então, no horizonte histórico começa a delinear-se novamente aquilo que na retórica de sacristia a Igreja chama «deriva autoritária», ou seja, em termos nus e crus, «regresso ao fascismo». De novo se começa a invocar o lema «Deus, Pátria, Família».
Convém registar aqui alguns factos recentes. José Sócrates, perante as chagas do desemprego, abandonou estrategicamente as suas poses de homem de negócios e reconhece agora que é «imperativo moral» criar empregos. É nítido o piscar de olhos à doutrina da igreja para a qual, na sombra, o governo continua a transferir, em nome do combate à pobreza, dinheiro e influências. A caridade substitui-se à Segurança Social, a Sociedade Civil aos deveres do Estado.
Neste aspecto seria interessante comparar-se o texto da recente declaração dos bispos sobre a situação social do País e o teor da alocução que Cavaco Silva sobre o mesmo tema dirigiu ao País. A identidade das análises que o Estado e a Igreja fazem da política e da questão social começa a ser impressionante.
Um outro aspecto não deve ser sub-avaliado. É a fulminante inversão de marcha que a hierarquia da igreja revela em relação aos figurinos de aparente modernidade com que se apresentava a partir do Concílio Vaticano II e da Teologia da Libertação. O Vaticano, com Ratzinger e outros cardeais, regressou às trevas do passado. A caricata beatificação de Nuno Álvares Pereira é um bom exemplo a meditar.
Ridícula foi a motivação do acto que poderia chamar-se «o caso da frigideira». Mas, a questão é mais profunda. Tal como o capitalismo, também a Igreja Católica se debate com obstáculos que os bispos não sabem remover. E é sabido que os grandes problemas da teologia católica sempre foram combatidos pela hierarquia reforçando a imposição da sua autoridade e regressando ao passado, negro e profundo. Erguendo muralhas irracionais e isolando-se. Foi a estratégia que voltou a usar agora. Pompa e circunstância, imobilismo e imposição do Dogma.
Simplesmente, é bem outro o homem moderno. Compreendeu que o pretexto era um insulto à sua dignidade e à sua inteligência. Tal como confessou Torgal Ferreira, um desses «bispos negros», a beatificação «passou ao lado» do povo português.
De tudo isto, o que convém reter é que em Portugal a crise económica não é enfrentada pelos poderes constituídos e pode vir a gerar o pânico e o desespero entre forças poderosíssimas. O povo, prova-o a História, tem sempre capacidade para combater em quaisquer circunstâncias. É preferível, no entanto, bloquearem-se os desenvolvimentos que possam vir a ter como consequência sofrimentos indizíveis. Através da luta democrática, pela denúncia dos crimes, pelo direito à indignação.


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