Conversas

Henrique Custódio
Os maiores países da União Europeia (UE) – maiores do ponto de vista económico, está bem de ver - declararam esta semana a sua «determinação» em concretizar uma grande reforma do sistema financeiro internacional onde, para evitar a repetição da actual crise, se afirmam dispostos a «regular» os fundos especulativos e «penalizar» os paraísos fiscais.
Esta posição foi assumida pelos actuais líderes da França, Alemanha, Reino Unido, Itália, Espanha e Holanda, os seis países europeus do chamado G20 (que reúne os países mais ricos e as principais economias emergentes), num encontro em Berlim para preparar a posição europeia a levar à próxima cimeira deste Fórum, que ocorrerá a 2 de Abril em Londres.
Pormenorizando, o comunicado saído desta reunião assinalava que «voltámos a sublinhar a convicção de que todos os mercados financeiros, produtos e participantes devem ser sujeitos a vigilância ou regulação, sem excepção e independentemente do país de origem», firmeza que seria de apreciar se não estivesse assente numa vaga «convicção» e produzindo uma «vigilância» e uma «regulação» não apenas dependentes de um hipotético «dever ser», mas sobretudo tão indefinidas, que não se faz a mínima ideia do que consistem.
Mas estes fogosos líderes quiserem ser mais concretos, pelo que sublinharam também no comunicado que a necessidade de regulação é urgente para os hedge funds, ou fundos especulativos, «que podem ser um risco sistémico».
«Podem ser»?!... Então o descalabro financeiro que por aí vai ainda não chega para que estes líderes percebam que os hedge funds são um efectivo risco sistémico?!...
Para rematar, este magnífico sexteto da União Europeia defendeu, igualmente, a instituição de uma lista de sanções contra os paraísos fiscais «o mais depressa possível».
Mais uma vez, a elaboração de uma «lista de sanções» contra os paraísos fiscais fica prudentemente no limbo das intenções e, sobretudo, na indefinição mais opaca, pois não foi avançada uma única palavra sobre a tal lista que, ainda por cima, deve ser elaborada «o mais depressa possível», que é o prazo típico das coisas sem prazo.
Com isto, os jornais trombetearam que «UE aperta cerco a fundos especulativos e paraísos fiscais», transformando um saco cheio de nada num edifício de coisa nenhuma.
Do que ninguém fala é dos «paraísos fiscais», essas obscenas instituições «filhas dilectas do capitalismo». Até agora, são geralmente vendidos (na comunicação social, pois claro) como «coisa de ricos», a que a generalidade dos cidadãos não deve dar muita importância.
Criados a pretexto de fornecerem aos ricos condições fiscais «mais favoráveis» que nos países de origem, os «paraísos fiscais» desembocaram nas últimas décadas num monstruoso alfobre de corrupções financeiras, onde especuladores, magnatas e criminosos de toda a casta acumulam fortunas obscenas, enquanto nos países de origem praticam fugas colossais ao fisco. Impostos, quem trabalhe que os pague...
Acabar, pura e simplesmente, com o escândalo dos «paraísos fiscais» seria o cerco verdadeiramente eficaz a fazer.
Mas ninguém espere que os actuais grandes líderes da UE vão por aí. Afinal de contas, foram eles mesmo que trouxeram a UE para aqui – e é mesmo só isso que eles sabem fazer, como toda esta conversa fiada mais uma vez o confirma.


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