Esplendor ideológico

Aurélio Santos
Enganei-me ao pensar, enjoado e farto, que já nada me espantaria na diatribe propagandística do primeiro ministro e seus satélites. Mas eis de súbito erguida uma nova corrente ideológica antimarxista que com todas as letras afirma que os comunistas são «de direita» e dos «mais reaccionários e conservadores». E proclama, como seu desporto favorito, «malhar» neles.
É certo que o dichote político, quando certeiro, pode até obter bons resultados. Mas este é tão tosco, insere-se tão rasteiramente na campanha de arrogância do Governo,– diária, matraqueante, casuística, feirante, vazia – que obriga a certas reflexões sérias.
Para se chegar a tal ponto é visível que o Governo sente falta de legitimidade e que cada rol de pretensas soluções, cada enfática tese demonstrativa da sua vontade de «servir o bem comum», cada solene invocação do interesse nacional, cada promessa sonante de melhor futuro, fazem com que perca o pé na trapalhice em que caiu. Sem autoconfiança, apresenta como legitimação a hipócrita máscara de sucesso. Mas já não acredita em si mesmo.
A teoria malhadista do ministro trouxe-me à lembrança um velho artigo de Eduardo Lourenço que lhe recomendo que leia (e compreenda, se possível sem malho mas com sentido crítico) em que Eduardo Lourenço, com o título «O socialismo e o complexo de Marx», analisa o velho e inevitável mal-estar teórico dos socialistas relativamente aos socialistas que mantêm objectivos revolucionários, isto é, os comunistas. Trata-se de uma análise reflectida e desapaixonada, infelizmente de actualidade acutilante. No prólogo, uma advertência do autor sobre esse socialismo: «O inimigo está dentro da fortaleza».
Noutro aspecto, e sem pretender meter a foice em seara freudiana, aquela declaração do gozo em malhar chocou-me. O quê? Não haverá nisto um pendor de sadismo? Pequenino, pigmeu que seja?...
Está a precisar de mais leitura, o ministro. De maior rigor na análise. Para teorizar é preciso saber muito. E ter sentido crítico reflectido.
Pode começar talvez por ler «O Malhadinhas», de Aquilino Ribeiro, que o autor, mais do que narrativa, caracteriza como registo psicológico.


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