Outra vez os salários

Ricardo Oliveira
Uma vez mais, quando se aprofunda a crise, regressa a ofensiva contra os trabalhadores. A crise só se vence garantindo aos trabalhadores os meios para adquirirem as mercadorias que satisfaçam as suas necessidades. A redução dos salários só agravará e aprofundará a crise, a redução da produção, o encerramento das empresas e os despedimentos massivos.
Naqueles que me pareceram ser as notícias e artigos do dia, vejo sempre presente a crise, o aumento do desemprego, as previsões, os recuos do Governo e do Banco de Portugal e… mais uma crónica, com a receita e os remédios de sempre: baixem os salários!
Já em 2006 um economista francês, Olivier Blanchard, professor na famosa MIT, dizia que para Portugal sair da crise os salários deviam baixar 20 por cento. Agora, mais um ilustre cronista do Washington Post, Steven Pearlstein, afirma: «Os economistas defendem há muito tempo que o desemprego persiste pelo facto de o trabalho não ser como os outros “bens”, ou seja, pelo seu preço não descer quando a oferta ultrapassa a procura nos primeiros tempos de uma recessão económica. Ora, se não houver uma redução do preço do trabalho que se traduza num aumento da procura, o mercado terá mais dificuldade em reequilibrar a oferta e a procura, apesar dos níveis salariais serem mais baixos.»
Mas o que nos diz a realidade? Será que a crise, a sua origem e a sua amplitude resultam dos «elevados» salários? Será a suposta rigidez dos mercados que está por trás da crise? Será por os bancos terem utilizado pouco os advogados nos seus negócios, como um «ilustre» advogado português anedoticamente afirmou? Será, afinal, porque os trabalhadores ganham muito?
Alguns conhecimentos básicos sobre economia política e a leitura dos textos de Marx e de outros importantes autores poderão ajudar a responder.
A reprodução do capital, através do processo de exploração dos trabalhadores, só se concretiza se a mercadoria produzida for vendida. Troquemos por miúdos: os capitalistas só têm lucros se conseguirem vender as produções e os stocks. Ou seja, a manutenção das vendas (a conversão de M’ em D’) é condição essencial, não suficiente, ao funcionamento das economias capitalistas.
Mas não é necessário aumentar a exploração para alargar os lucros? E o aumento dos salários, mantendo a jornada de trabalho constante (e o nível de preços) não diminui a exploração? De facto, diminui. Entre outras soluções, profundamente violentas, o crédito surgiu como uma forma expedita de o capitalismo garantir que conseguia vender às massas populares as suas mercadorias, sem atribuir aos trabalhadores salários suficientes para tal.
Quando o crescimento do desemprego e da precariedade laboral e a redução dos rendimentos dos trabalhadores provocaram o colapso financeiro e do crédito, as consequências ficaram à vista: diminuíram as produções, encerraram empresas, aumentou o desemprego e diminuiu ainda mais o rendimento dos trabalhadores.
Enquanto uns defendem a necessidade de deixar o mercado realizar os seus ajustamentos – e, então, a solução (sempre provisória) para a crise passa pela total liberalização e desregulamentação de todos os mercados, em especial da «mercadoria» trabalho -, outros entendem e compreendem a essência desta e das anteriores crises do capitalismo.
Esta e outras crises são uma oportunidade para alargar a consciência de classe, a compreensão da exploração capitalista e o funcionamento do actual sistema de produção. Esta crise é uma oportunidade para mostrar que é necessário, é possível e que vale a pena lutar. Lutar por melhores salários que, diminuindo o grau de exploração capitalista, aumentem e dinamizem o mercado interno e a produção das mercadorias essenciais à satisfação das nossas necessidades.
Tal como Marx escreveu, em Salários, Preço e Lucro, os capitalistas que diminuam os seus lucros! Não é justo, nem faz sentido ultrapassar a crise utilizando como remédio as causas mais profundas da mesma – os baixos salários e rendimentos dos trabalhadores, do povo.

Post Scriptum
Um outro artigo, no mesmo jornal, fez-me recordar um princípio de Finanças públicas: a forma mais eficiente de financiar as despesas do Estado, com menos custos sociais, é dispersar as suas fontes de financiamento.
Pode parecer complicado, mas até é relativamente simples. Ficando a explicação mais detalhada para uma nova oportunidade, deixo aqui esta ideia. A responsabilização dos capitalistas, através da tributação dos seus avolumados rendimentos, bem como a distribuição do financiamento do Estado ao longo do tempo, são ferramentas essenciais para a necessária dinamização da produção de valores (bens e serviços) que satisfaçam as necessidades do povo português.


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