Dos chips da Qimonda às loiças da Bordalo Pinheiro

Trabalhadores recusam pagar a crise do capital

Domingos Mealha
Perante a avalancha de notícias de despedimentos, cortes de produção, atrasos no pagamento de salários, falências e encerramentos de empresas, aumentam de frequência e de intensidade as pressões para que os trabalhadores aceitem sujeitar-se a formas ainda mais acentuadas de exploração. Contudo, de Norte a Sul do País, milhares de homens e mulheres reagem com determinação, lutam unidos e exigem mudanças políticas e medidas concretas, para que sejam assegurados os empregos e os direitos e o futuro das empresas.

A crise não pode servir para aumentar a exploração

Os trabalhadores da Faianças Artísticas Bordalo Pinheiro receberam dia 22 os salários de Dezembro. «Foi inegavelmente uma importante vitória dos trabalhadores, da sua luta, da sua unidade e determinação na defesa dos seus mais elementares direitos», declarou a Comissão Concelhia das Caldas da Rainha do PCP. Num comunicado que divulgou ao início da tarde de segunda-feira, a concelhia alerta, no entanto, que «a ameaça do encerramento da empresa e liquidação dos postos de trabalho continua a ser uma realidade».
Os comunistas criticam severamente as «manobras» da administração, que veio afirmar, logo no dia seguinte ao pagamento dos salários em atraso, que necessita de 700 mil euros para reduzir os postos de trabalho a metade. Esta proposta «demonstra a falta de respeito» da administração pelos trabalhadores, «depois de todos os sacrifícios que estes têm feito», pois «tiveram salários em atraso e continuaram a trabalhar, fizeram muitas horas extraordinárias, trabalharam sábados e domingos, em muitos casos ainda não pagos na totalidade».
Além disso, tal ideia «é mais uma tentativa de dividir os trabalhadores e quebrar a sua luta». A concelhia confia que a manobra «terá mais uma vez a resposta que merece, através da unidade e determinação dos trabalhadores». Já a administração, contrapõe o PCP, «devia apresentar propostas sérias de viabilização» e «exigir junto do Governo PS medidas de apoio financeiro para a manutenção desta histórica unidade industrial, do seu património artístico e dos postos de trabalho».
Os trabalhadores da Bordalo Pinheiro – que produzem uma vasta gama de peças de louça decorativa e utilitária, inspiradas na obra do criador do Zé Povinho – deslocaram-se na semana passada a Lisboa, conseguindo que os seus representantes fossem recebidos pelo ministro da Economia e no Ministério do Trabalho. Na concentração, dia 21, no Largo de Camões (enquanto a Comissão de Trabalhadores e as estruturas sindicais da CGTP-IN reuniam com Manuel Pinho), e enquanto se dirigiam, ao início da tarde, para a Praça de Londres, receberam expressões de solidariedade da população, como relatou um dirigente da União dos Sindicatos de Leiria, congratulando-se pelo resultado da luta, que «ganhou dimensão nacional e também cultural».
No sábado anterior os trabalhadores tinham realizado uma marcha na cidade e um protesto junto ao local onde reuniam os accionistas da empresa. Os dramas sociais, devido ao atraso no pagamento de salários que, já de si, são muito baixos, conviveram com filas de clientes e prateleiras a esvaziarem-se na loja da Bordalo Pinheiro.
Os problemas financeiros da empresa vêm desde 2005. No quadro de um plano de viabilização, foi alienado património (parte das instalações da fábrica, moldes, desenhos, peças) à Câmara Municipal, no ano passado, por 900 mil euros. Em Dezembro, a administração tinha proposto aos trabalhadores a suspensão dos contratos, devido a quebra nas encomendas, mas defrontou-se com a firme recusa do pessoal.
Ao reafirmar o empenho do Partido na defesa da empresa e dos trabalhadores, a concelhia lembra algumas perguntas que o grupo parlamentar comunista fez ao Governo, sobre políticas de redução de custos energéticos à indústria ou de apoio activo da banca (a partir da CGD) às actividades industriais, sobre a distribuição de fundos nacionais e comunitários, sobre a valorização do trabalho. Questionaram também se o Governo vai ter uma intervenção activa para defender a fábrica, ou se «pretende possibilitar uma perspectiva de negócio de especulação imobiliária».
Para este sábado, os trabalhadores têm agendada mais uma jornada de luta, apelando à população para que se lhes junte, pelas 10.30 horas, no Largo do Hospital Termal.

Qimonda desmente Sócrates

Na sexta-feira, apenas dois dias depois de o primeiro-ministro, no debate quinzenal na AR, ter voltado a apontar a fábrica portuguesa de componentes electrónicos (chips) da multinacional Qimonda como um caso resolvido, a empresa-mãe revelou que deu início ao processo de falência, gerando justificado sobressalto nos cerca de 1800 trabalhadores da unidade instalada em Vila do Conde.
As declarações oficiais de preocupação com os destinos da maior exportadora nacional não vieram acompanhadas de medidas concretas. Na segunda-feira, em comunicado, o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Eléctricas do Norte e Centro, da CGTP-IN, dirigiu «uma palavra de confiança a todos os trabalhadores, para que se mantenham unidos e vigilantes», porque «é possível defender a continuação da laboração» (como sucedeu com a Grundig, em Braga, recordou Carvalho da Silva, sexta-feira, no 10.º Congresso da Federação dos Têxteis). Mas o STIENC afirmou igualmente esperar «que o Governo, assim como a UE, tomem medidas imediatas e ajustadas na procura de soluções e não fiquem à espera que a evolução das coisas na Alemanha venha a “resolver” a situação no pior dos sentidos». Medidas «de superior interesse nacional», defende o sindicato, devem visar «a salvaguarda da totalidade dos postos de trabalho e a retoma de horários dignos, pondo fim ao regime desumano de 12 horas diárias».
Anteontem, soube-se que houve uma drástica redução da produção. Entretanto, desde que, no final de 2008, a multinacional revelou as suas graves dificuldades financeiras (obtendo abertura para uma injecção de 325 milhões de euros, parte através da CGD), já foram despedidos cerca de uma centena de trabalhadores, cujos contratos a termo não foram renovados, revelou o STIENC.
Outro lado das contas foi notícia segunda-feira no Jornal de Negócios: a Qimonda portuguesa recebeu, desde 1996 (ainda como Siemens), quase 500 milhões de euros de incentivos financeiros e fiscais, o último dos quais em Maio de 2008.


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