Alterações às leis de Defesa Nacional e Forças Armadas

Inconstitucionalidades e governamentalização

Encontram-se em comissão para debate na especialidade os diplomas do Governo sobre Defesa Nacional e Forças Armadas recentemente aprovados na generalidade pelo Parlamento com os votos favoráveis do PS, PSD e CDS/PP.

Há tentativas de governamentalizar as Forças Armadas

Para a bancada comunista, que votou contra (igual posição tiveram verdes e bloquistas), nos textos perpassam disposições que em sua opinião são «graves» e «inconstitucionais», pelo que se prepara nesta fase do debate para formalizar propostas de alteração com vista à sua correcção e «para que as Forças Armadas não sejam desviadas das missões que lhes estão constitucionalmente cometidas».
A ideia de que estes diplomas incluídos no pacote apresentado pelo Governo carecem de «aperfeiçoamentos» - Lei de Defesa Nacional, Lei de Bases da Organização das Forças Armadas e o novo Regulamento da Disciplina Militar – foi de resto admitida por todos os partidos que os aprovaram e o próprio ministro da Defesa, Severiano Teixeira, reconheceu que «há questões que podem e devem ser trabalhadas e aprofundadas», mostrando-se «disponível para as encontrar».
Resta saber se essa anunciada abertura será suficiente para ultrapassar algumas das divergências de fundo manifestadas pelos quadrantes mais à esquerda quanto ao conteúdo dos diplomas. Não será fácil, a avaliar pela profundidade e dureza das críticas feitas pelo PCP no decurso do debate na generalidade. Por si apontadas foram inconstitucionalidades várias e não teve dúvidas em considerar que há tentativas de «governamentalização das Forças Armadas».

Caminho perigoso

O deputado António Filipe demonstrou-o de modo contundente quando, ao enumerar «as discordâncias fundamentais» da sua bancada, considerou absolutamente contrária à Constituição a disposição inscrita nos diplomas prevendo que entre as missões das Forças Armadas está a de «colaboração com as forças e serviços de segurança em matéria de segurança interna, e a cooperação com essas forças e serviços tendo em vista o cumprimento conjugado das respectivas missões no combate a agressões ou ameaças transnacionais».
«Tendo em conta a natureza específica das missões de segurança interna que são exercidas pelas forças e serviços de segurança, que pelas suas óbvias implicações em matéria de direitos, liberdades e garantias estão sujeitas ao controlo ou mesmo à direcção das autoridades judiciárias, não se entende como podem elas ser desempenhadas pelas Forças Armadas sem que isso configure um verdadeiro estado de excepção que a Constituição não admite em caso algum», sustentou o parlamentar comunista, observando que a este quadro acresce a agravante de tudo se passar «sob a mais estrita governamentalização». Classifica-a mesmo de «governamentalização absoluta» e explica porquê: «a cooperação operacional para efeitos de colaboração entre as forças armadas e as forças de segurança será feita entre o CEMGFA e o todo poderoso secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, sob a coordenação e orientação do ministro da Defesa Nacional. O presidente da República limita-se a ser informado. A Assembleia da República nem isso. Controlo judicial não existe».
E para melhor esclarecer o entendimento do PCP sobre esta matéria, lembrou o que a Lei Fundamental diz no seu artigo 275.º - às Forças Armadas incumbe a defesa militar da República, honrar os compromissos internacionais do Estado no âmbito militar, participar em missões humanitárias e de paz, e, inclusivamente, colaborar em missões de protecção civil e de satisfação de necessidades básicas das populações - , concluindo que em parte alguma nela se admite que «as Forças Armadas possam ser incumbidas de missões de segurança interna».
Esta é, aliás, uma ideia que tem vindo a dar corpo a uma tendência e a um denominado «ambiente estratégico internacional» que, segundo os seus defensores, encontra justificação no alegado combate ao terrorismo. Para o PCP, porém, esse «ambiente estratégico» só pode merecer rejeição. «O nosso ambiente estratégico é o que consta do artigo 7.º da Constituição. É o do respeito pelos princípios da independência nacional, dos direitos do Homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos de outros Estados e de cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da Humanidade», sublinhou António Filipe.

AR e PR subalternizados

Verberado com veemência pelo Grupo Parlamentar do PCP foi também o que apelidou de «governamentalização da política de Defesa Nacional». Reflexos desta linha de orientação do Executivo são, desde logo, a aprovação do conceito estratégico de Defesa Nacional, elaborado «exclusivamente pelo Governo, limitando-se a AR a um debate sem quaisquer consequências», tal como a composição do Conselho Superior de Defesa Nacional, onde o Parlamento está «sub-representado».
Mas onde a governamentalização «assume foros de escândalo», segundo as palavras de António Filipe, é quando se trata de decidir o envolvimento das Forças Armadas em operações militares fora do território nacional. «O Governo decide unilateralmente essa participação», denunciou, fazendo notar que a AR «acompanha esse envolvimento através de uma informação prestada pelo ministro da Defesa Nacional», enquanto que o Presidente da República, que é o Comandante Supremo das Forças Armadas, fica claramente subalternizado, sujeito apenas a uma informação prévia do primeiro-ministro sobre essa participação.
«No limite, um governo pode decidir enviar um contingente militar português para um teatro de guerra fora do território nacional, mesmo que o Presidente da República e a maioria da Assembleia da República discordem dessa decisão», advertiu o deputado comunista e Vice-Presidente da AR, para quem um tal cenário «não é aceitável», dado que, esclareceu, as Forças Armadas «não são um mero organismo sob tutela governamental», «estão ao serviço do povo» e «obedecem aos órgãos de soberania no seu conjunto».

Resquícios do passado

Outro ponto na proposta de Lei da Defesa Nacional a merecer a discordância frontal do PCP é o que se refere à manutenção de restrições quanto ao exercício de direitos pelos militares. Para a bancada comunista é inaceitável que ao abrigo desta lei perdure o «regime de total arbitrariedade na restrição dos direitos dos militares e de instrumentalização da disciplina militar com fins repressivos», numa prática, esta sim, que pode comprometer a coesão e a disciplina das Forças Armadas.
Por isso os comunistas não abdicam de exigir a alteração ao texto da Lei, tanto mais que esta enferma ainda de uma outra disposição que do seu ponto de vista «é obviamente inconstitucional»: a que proibe a apresentação de queixas ao Provedor de Justiça pelos militares antes de esgotados os recursos administrativos legalmente previstos. Como observou o deputado António Filipe, o artigo 23.º da Constituição é claro «quando dispõe que a actividade do Provedor de Justiça é independente dos meios graciosos e contenciosos previstos na Constituição e nas leis».
A justificar notas de reparo da formação comunista esteve ainda o Regulamento de Disciplina Militar (RDM), motivando, mesmo, a apresentação de um projecto de lei com o qual pretende que o Estado deixe de prever a prisão disciplinar imposta a militares em tempo de paz. «É um resquício do passado que deve ser eliminado da nossa ordem jurídica», sustentou António Filipe, que considerou por outro lado um «verdadeiro absurdo» a imposição do RDM aos militares na reserva e na reforma.


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