Concentração capitalista nos transportes

Governo favorece privados

Também no sector dos transportes, a política do Governo tem uma forte marca de classe, beneficiando os grandes grupos económicos, acusa o PCP.

As empresas públicas são prejudicadas em detrimento das privadas

TAP, Carris e CP podem muito bem ser as próximas vítimas da ofensiva do Governo – actual e anteriores – contra o sector público de transportes. A mesma ofensiva que Eduardo Vieira, membro do Executivo da Direcção da Organização Regional de Lisboa do PCP, identifica como responsável pela degradação do serviço prestado às populações e pela destruição de milhares de postos de trabalho.
Para o PCP, esta ofensiva, que se iniciou há cerca de 25 anos, prejudicou utentes e trabalhadores – e as próprias empresas públicas, algumas já desaparecidas, como a Rodoviária Nacional – mas beneficiou, e muito, grandes grupos privados, como o grupo Barraqueiro, que controla já grande parte dos transportes da Área Metropolitana de Lisboa. Mas a sua implantação excede muito a área da capital. A Rede Nacional de Expressos, a Rodoviária de Lisboa, a Rodoviária do Alentejo, a Eva, a Fertagus e o Metro Sul do Tejo são apenas algumas das empresas na posse do grupo. Numa entrevista concedida ao Diário de Notícias em 12 de Julho, responsáveis do grupo Barraqueiro admitiam o interesse em linhas ferroviárias suburbanas de Lisboa, nomeadamente a da Azambuja.
«Ao contrário do que foi anunciado, verificou-se um fenómeno de concentração capitalista», acusa Eduardo Vieira, lembrando que as intenções proclamadas aquando da privatização eram outras, bem diferentes. O principal argumento, recorda, era a criação de melhores condições de concorrência, que beneficiariam populações e utentes, com o alegado aumento da qualidade e diminuição do preço. «O que vemos agora é o inverso», acusa o responsável pelo sector dos Transportes da ORL do PCP.

Preço sobe, qualidade decai

O caso da Fertagus – empresa do grupo Barraqueiro detentora da concessão da travessia ferroviária do Tejo – é particularmente revelador da marca de classe dos sucessivos governos. Após investir na construção de vias, estações e composições para esta travessia, o governo – então do PS – impediu que a CP concorresse àquele trajecto, entregando-o ao grupo Barraqueiro. Já o actual Governo PSD/PP, incluiu no seu programa uma reivindicação deste grupo, prevendo que a Fertagus possa passar a operar entre a Gare do Oriente e Praias do Sado, junto a Setúbal. «Em lado nenhum se vê contemplada a hipótese de a CP concorrer», denuncia o dirigente comunista.
Eduardo Vieira reconhece qualidade no serviço prestado pela Fertagus, mas recorda que a CP tem composições semelhantes a circular em Lisboa, e com preços muitíssimo mais reduzidos. «O que se verificou foi um agravamento do preço pago pelo serviço prestado», acusa.
Esta ofensiva contra o sector público de transportes provocou a degradação da qualidade do serviço prestado, considera Eduardo Vieira. «Muitas zonas do distrito ficam sem transporte muito cedo», lembra.
Quanto aos preços, aumentaram significativamente. E, também nesta questão, as responsabilidades têm de ser assacadas aos governos, que privatizaram as empresas e permitiram a proliferação de títulos de transporte, que são actualmente, na AML, cerca de quatrocentos. «Mas não proliferaram para baixar o preço, mas para aumentar o lucro das empresas transportadoras», considera. E este aumenta de duas formas: mantendo o mesmo volume de repartição dos passes em vigor aquando da existência da Rodoviária Nacional e criando novas carreiras, com preços mais altos e passes diferentes, sem intermodalidade.

Resistir e propor

Os trabalhadores – com os comunistas na frente – têm sido os grandes obreiros da resistência à ofensiva contra o sector público de transportes, considera Eduardo Vieira. Só assim se explica que esta dure já há mais de 25 anos e não esteja ainda concluída. E também nesta nova vaga de lutas que se avizinha, os militantes do PCP estarão lá. «Na linha da frente, como sempre», afirma o dirigente comunista.
Considerando que a ofensiva hoje se encontra centrada na TAP, na Carris e na CP, Eduardo Vieira destaca a luta recente dos trabalhadores destas empresas contra a sua destruição e em defesa dos postos de trabalho e dos direitos. E a luta não tem sido fácil, como afirmam os membros das três células. Na Carris e na CP, a ofensiva custou já muitos postos de trabalho, vítimas da política de redução de custos exigida pelos privados para a aquisição das empresas. Para José Reizinho, a força dos trabalhadores é tal que a CP necessitou de recorrer à promoção de divisões para melhor perseguir os seus objectivos. Só assim se explica a existência de 27 sindicatos na empresa. Quanto à Carris, a greve marcada para o próximo dia 25 promete mobilizar muita gente.
Mas o PCP não combate apenas a ofensiva contra o sector, tem também propostas para uma inversão de rumo. Repudiando completamente as privatizações como panaceia para os problemas do transporte público, o PCP bate-se pela existência de autoridades metropolitanas de transporte, que regulem e controlem o sector. Mas rejeita o modelo que está em preparação pelo Governo – através de uma autorização legislativa concedida pelos partidos da direita –, que apenas pretende desresponsabilizar o executivo e mais facilmente conciliar os interesses do grande capital. Os comunistas consideram ainda ilegal que nestas entidades não tenham assento representantes dos trabalhadores, como a lei obriga.
Para refrear a gula dos privados, e sobretudo para salvaguardar os interesses dos utentes, o PCP apresentou já uma proposta de criação de um passe intermodal para as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, acabando assim com a exagerada proliferação de títulos e passes. Os comunistas entendem que a todos os operadores devem ser pagas indemnizações compensatórias pelo serviço público prestado, mas exigem também a integração todos os serviços prestados numa determinada área num passe social único.

Estado, sociedade gestora

«Os transportes públicos não visam dar lucro de forma directa. São sim um elemento central para o funcionamento das sociedades», afirma Eduardo Vieira, expressando o que é uma profunda convicção dos comunistas. Mas há quem não pense assim. Os grupos económicos do sector, portugueses ou estrangeiros, vêem nas grandes empresas nacionais de transporte público uma forma de arrecadar lucros. E no Governo português encontram um óptimo aliado.
Os processos de privatização – já efectuadas ou em curso – têm como denominador comum o facto de todos terem sido feitos às custas das próprias empresas. A Rodoviária Nacional, por exemplo, não resistiu à ofensiva. Mas outras poderão seguir-lhe as pisadas.
Na TAP, conta Manuel Godinho, membro da célula do PCP, está já a ser aplicado o decreto-lei de segmentação da empresa, que prevê a formação da Sociedade Portuguesa de Handling (SPDH), já em curso. Com a retirada do handling à TAP – o seu sector mais rentável – a companhia aérea perde uma área que garantia complementaridade com outras, nomeadamente o transporte aéreo e a manutenção, também esta em vias de se «autonomizar». Para além disto, esta nova empresa – para já com capital exclusivamente da TAP – entra fragilizada no mercado, onde já opera outra empresa, a Portway, detida maioritariamente pela ANA – Aeroportos de Portugal.
Manuel Godinho não aceita os argumentos que pretendem justificar a segmentação. O Governo e a administração desculpam-se com a existência de uma directiva europeia que obriga à existência de um operador privado de handling. Para o membro da célula comunista, essa directiva era para ser cumprida mediante a criação da Portway, cujo capital é actualmente da ANA e da Aeroportos de Frankfurt. «Mas este governo e o anterior decidiram que tinham de fazer este processo à custa da TAP, segmentando-a e abrindo o capital da nova empresa de handling aos privados», denuncia. O prazo para a entrada em funcionamento do operador privado termina a 31 de Dezembro deste ano e ainda não se sabe qual das duas será privatizada. Mas uma terá de ser. Sempre em prejuízo da TAP.

Fim à vista?

Também na CP a fórmula encontrada foi a divisão em «áreas de negócio», possíveis antecâmaras de futuras empresas autónomas e, claro, privadas. José Reizinho, da célula do PCP na empresa, lembra que foram criadas as unidades de negócio dos suburbanos de Lisboa e do Porto, bem como a unidade de negócio do transporte de mercadorias. José Reizinho acredita que também os longos cursos podem interessar, nomeadamente os Alfas e os Intercidades, mais rentáveis. Os restantes, passariam para as autarquias, acredita o membro da célula. Para este comunista, as afirmações do ainda administrador da empresa deixam perceber a dimensão das suas intenções. «Crisóstomo Teixeira disse uma vez que no fim da restruturação da CP, qualquer autocarro dava para transportar os seus trabalhadores», denuncia José Reizinho.
Na opinião do membro da célula da CP, a história recente da empresa está cheia de decisões – das administrações ou dos governos - negativas para a empresa e boas para os privados. Para além da proibição da CP concorrer à travessia rodoviária da ponte 25 de Abril, o não pagamento pelo Estado das indemnizações compensatórias devidas joga também o seu papel negativo.

Vender aos bocados

Luísa Bota, da célula do Partido na Carris, fala também de uma forte ofensiva contra a empresa rodoviária de Lisboa, a maior desde o 25 de Abril. A pretexto de uma reestruturação, denuncia, o que se está a fazer é a adequar a empresa a um modelo que seja facilmente privatizável. Surgindo a «municipalização» como objectivo anunciado, os comunistas da empresa desconfiam deste propósito, considerando ser apenas um primeiro passo para a privatização. Das três empresas, parece ser a Carris a que tem o processo mais atrasado, mas notam-se já alguns passos preocupantes, como o anúncio da futura criação de três áreas de negócio (manutenção, modo eléctrico e modo autocarro) e uma acentuada redução do número de trabalhadores até 2005. Em declarações, o administrador já assumiu o interesse em introduzir capital privado na área da manutenção.
A degradação do serviço – a falta de pessoal, nomeadamente nas oficinas provocou uma drástica redução do número de carros operacionais – e o anúncio da venda de importante património da empresa, incluindo parte da estação-sede, levam a crer que o processo poderá ser acelerado a curto prazo.
Em todos estes casos, como noutros anteriores, os privados pouco gastarão com as empresas. A preparação da privatização passa, em todas estas situações, pelo seu saneamento financeiro. Assim, para os privados, é só ganhar dinheiro, sem necessidade de fazer quaisquer investimentos. O caso da TAP é gritante: de 24 milhões de contos de prejuízo em 2000 passou-se para perto de um milhão em 2002. Este ano, assegura Manuel Godinho, espera-se algum lucro. Precisamente no ano em que se inicia a segmentação e privatização.


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