O bolo e as migalhas

João Frazão
Face à dramática situação dos que não conseguem suportar os crescentes custos com os créditos à habitação, o PCP – que, nomeadamente pela voz do seu Secretário geral, tem sido a principal força de denúncia deste sério e real problema – apresentou uma proposta no sentido de exigir a baixa das taxas de juro e de limitar o spread (uma parte do lucro dos bancos) a 0,5%, nos contratos da Caixa Geral de Depósitos, garantindo, por um lado, uma redução nas prestações na ordem das dezenas de euros e, por outro, um inevitável efeito de arrastamento nos restantes bancos.
Qual a reacção do Governo e do PS? Apelidam-na de irrealista e rejeitam-na sem apelo nem agravo. Como resposta, o Governo lança mão de um Fundo Financeiro para intervir na área da habitação.
A coisa carece de ser ainda melhor compreendida, mas as pinceladas que vão sendo conhecidas desvendam já um monumental embuste.
Deixando apenas o registo de que foi este tipo de moscambilhas que deu um buraco enorme nos EUA e que foi a mola impulsionadora da actual crise do capitalismo, damos por boa a informação de que as famílias em dificuldades poderiam vender a sua casas a este Fundo, ficando a pagar um renda pelas mesmas, até conseguirem compra-las de novo. Não se conhecendo ainda em que condições é que isto se processa, nem o que acontece no caso deste fundo falir, como aconteceu aos dos EUA, a coisa é apresentada como ideal para dar um fôlego momentâneo às famílias.
Mas são só as famílias que podem vender as casas ao Fundo?
Não. A banca, as seguradoras, os grandes empreiteiros e os diversos agentes imobiliários também podem vender os milhares de casas que têm paradas. Ainda por cima com um conjunto de isenções e benefícios fiscais para estas transacções, que foram os primeiros a ser anunciados.
Ou seja, o Fundo, disfarçado de obra de caridade para os mais desfavorecidos é, na verdade, um poço sem fundo para os especuladores se livrarem de monos que não conseguem vender, nem nos leilões a preços de saldo. Para estes, é tudo lucro garantindo entradas de liquidez, com a venda de 400 mil casas nestas condições, muitas dos quais já resultaram de hipotecas de famílias que não conseguiram pagar as prestações.
Na prática, estamos aqui perante um enorme bolo que, uma vez mais, é para ser comido pelos trutas do costume. E como o bolo é grande, vai deixar cair umas migalhas para serem apanhadas por quem precisa. Mas estes, ainda assim, vão ter que pagar pelas migalhas.


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