Comentário

Dominó financeiro

Natacha Amaro
A crise, infelizmente, não é nova. Há muitos, muitos meses que se entranha na vida e na pele de milhares de trabalhadores, de reformados e pensionistas, de jovens portugueses. Mas, de facto, a crise agora é notícia. Depois da desvalorização de um quadro que saltava à vista – diminuição do Produto Interno Bruto, redução das exportações, aumento galopante das taxas de juro, quebra do poder de compra dos cidadãos, endividamento das famílias –, eis que finalmente surge, por parte de Sócrates e do seu Governo, a preocupação relativamente à malfadada crise. Poder-se-ia pensar que este reconhecimento evidenciava o enfrentar dos problemas e das dificuldades do País e a necessidade de medidas imediatas para atenuar as difíceis condições de vida dos portugueses. Claro que não.

Vindo da Europa

Mais do que a constatação das dificuldades financeiras dos portugueses, a nova abordagem do Governo ao tema «crise» decorre das orientações traçadas nos conclaves europeus. Na semana passada reuniram os ministros da Economia e Finanças da União Europeia que decretaram serem necessárias respostas imediatas à crise financeira. «Na conturbada situação no sector financeiro», consideram que «a prioridade é restaurar a confiança e o bom funcionamento do sector financeiro». Acordam em apoiar as instituições financeiras orgânicas, comprometem-se a tomar as medidas necessárias para reforçar a saúde e a estabilidade do sistema bancário e proteger os depósitos das poupanças individuais. Para isso, reforçam o quanto é apropriada uma abordagem que inclua, entre outros meios, a recapitalização de instituições financeiras relevantes e sistemicamente vulneráveis. Portanto, a resposta imediata que o Conselho alvitrou foi dar a mão às grandes instituições financeiras.
Cinco dias depois reuniu a Cimeira dos países da zona euro, sob a batuta do sr. Sarkozy, que concluiu que os governos da UE, juntamente com os bancos centrais, devem unir-se no sentido de «assegurar condições de liquidez necessárias para as instituições financeiras», «facilitar a consolidação dos bancos», «providenciar recursos adicionais de capital às instituições financeiras de forma a poder continuar a assegurar-se o apropriado financiamento da economia», permitir uma «eficiente recapitalização de bancos com problemas», «garantir flexibilidade suficiente na implementação das regras contabilísticas dadas as circunstâncias excepcionais do mercado» e reforçar os procedimentos de «cooperação entre os países europeus». Mais medidas... para os bancos!

Em Portugal

Perante tão solícitas e explícitas orientações de estender a mão ao pobrezinho sector financeiro (o tal dos milhões de lucros anuais enquanto milhares de trabalhadores vêem o seu poder de compra arrasado e outros tantos milhares de empresas encerram) o Governo português decide instituir garantias do Estado à banca no valor de 20 mil milhões de euros, para a realização de operações entre os bancos sediados em Portugal. Pelo contexto traçado antes, não surpreende. A ordem é para apoiar a banca; aplacar a crise, mas só no sector financeiro; prover paliativos mas para os grandes grupos financeiros. Para quem trabalha e para quem está mais vulnerável, oferece-se a possibilidade de partilhar os desaires do sector financeiro ao nacionalizar-se os prejuízos de anos e anos de capitalismo cego e desenfreado.
São imprescindíveis (e exequíveis!) outras medidas para enfrentar a crise, que apontem soluções para quem mais precisa: as pessoas. Milhões de portugueses que batalham todos os dias para manter a cabeça à tona da água e a quem anos de lucros milionários da banca não aquecem nem arrefecem. O caminho para uma melhoria da situação passa por diminuir as taxas de juro, valorizar e incentivar a produção nacional, aumentar os salários e restituir o poder de compra aos trabalhadores e às famílias, contribuindo assim para a dinamização do consumo interno, reforçar as prestações sociais, acabar com os offshores, suspender o Pacto de Estabilidade, relançar as actividades económicas e o investimento através de medidas orçamentais e do reforço dos Fundos Estruturais.
Que o capitalismo promove desigualdades, injustiças e miséria, já nós sabíamos. Que a crescente financeirização da economia mundial agravaria a especulação e o desinvestimento na produção real do país, também não é novidade. Que a luta dos trabalhadores e do povo é essencial na defesa de outras políticas, é uma evidência.
O que continua a espantar é a desfaçatez e o cinismo de quem supostamente devia governar o País e se coloca tão claramente ao serviço dos interesses da banca.


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