Comentário

Orelhas moucas...

Pedro Guerreiro
Após anos em que fez «orelhas moucas» e «assobiou para o lado», confrontada com os justos protestos dos pescadores face a uma situação pela qual tem profundas responsabilidades, a União Europeia avançou com um conjunto de medidas que não têm como objectivo dar resposta às causas que, efectivamente, estão na origem da actual agudização da situação socio-económica do sector das pescas.
As recentes propostas anunciadas pela UE, independentemente de um ou outro aspecto que, se aplicado, poderia ter efeitos temporários positivos para o sector, no fundo, incentivam ainda mais o abate de embarcações e «oferecem» como «saída» para os pescadores o abandono da sua profissão.
Por outras palavras, o que se perspectiva uma vez mais é a cínica utilização da degradação da situação do sector das pescas para incentivar e acelerar o abate de embarcações, procurando eliminar em dois anos o que se previa para sete.
Depois da hipócrita afirmação da inexistência de verbas para ajudar as pescas a fazer face ao aumento dos custos de produção e a salvaguardar os salários dos pescadores, eis que se disponibilizam 1 600 milhões de euros (1) para a cessação definitiva, «parcial» ou «temporária» da actividade das embarcações, evidenciando, afinal, que o único e real objectivo é a destruição de grande parte deste sector económico estratégico.
Nenhuma medida é avançada relativamente ao aumento do preço do gasóleo e da gasolina (por exemplo, com base na criação, por cada país, de um imposto extraordinário que incida sobre os lucros das petrolíferas com origem no efeito stock) e à formação do preço do pescado na primeira venda (que valorize os preços na produção, sem aumentar os preços no consumidor), deixando, assim, o problema de assegurar o rendimento do sector e dos salários dos pescadores sem resposta.

Um sector estratégico

Sendo necessário encontrar alternativas à utilização do gasóleo e gasolina é, no entanto, imprescindível apoiar este sector económico, um dos mais atingidos pelo aumento do preço dos combustíveis, até que estas se criem e sejam aplicáveis.
Sendo óbvio que se deve promover uma exploração sustentável dos recursos haliêuticos, consideramos, no entanto, que esta não deverá ser feita através e à custa da destruição (cega) de grande parte deste sector estratégico nacional.
Deste modo, se o sector das pescas não morre pela doença, morrerá pela «cura» da UE e da sua política que utiliza o aumento do preço dos combustíveis para concentrar e desmantelar este sector produtivo, criando mais desemprego e agravando as balanças alimentares e comerciais, designadamente, de Portugal, que importa quase três vezes o peixe que exporta, com um défice avaliado em 900 milhões de euros.
Inaceitável é também o objectivo futuro da UE de tornar a «conservação dos recursos biológicos do mar, no âmbito da política comum de pescas» numa competência sua exclusiva e criar um sistema comunitário de gestão baseado em direitos de pesca (isto é, na comercialização de licenças, dias de pesca ou quotas), que conduzirá necessariamente à apropriação e concentração privada da exploração de um bem público.
Mas é a esta inaceitável política da UE, contrária aos interesses nacionais, que PS, PSD e CDS-PP têm dado todo o seu apoio e sido fiel protagonistas.

As pescas têm futuro!

Para defender e promover o sector das pescas são necessárias políticas patrióticas que, como o PCP tem insistentemente afirmado, assegurem a plena soberania sobre a gestão dos recursos marinhos nacionais.
Políticas que dêem resposta às necessidades e aos problemas que afectam as tripulações dos navios e da pequena pesca artesanal, como o estabelecimento de um preço máximo para o combustível (gasolina e gasóleo) ou de um desconto adicional para os combustíveis utilizados na pesca, nomeadamente, de 0,40 euros/litro.
Políticas que introduzam mecanismos que melhorem o preço de primeira venda e promovam uma justa e adequada distribuição do valor acrescentado pela cadeia de valor do sector, como as taxas máximas de lucro.
Políticas que assegurem a renovação e a modernização das frotas de pesca, sobretudo da pequena pesca costeira e artesanal, e a substituição das embarcações com mais de 20 anos.
Políticas que promovam a modernização e o desenvolvimento sustentável do sector, assegurando a sua viabilidade socioeconómica e a sustentabilidade dos recursos e garantindo a soberania e a segurança alimentares, o abastecimento público de pescado, a manutenção dos postos de trabalho e a melhoria das condições de vida dos pescadores.
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(1) Dos quais 600 milhões de euros funcionam como «cenoura», assumindo um carácter de reserva para garantir que o plano de abates se concretiza e tenha o máximo alcance possível.


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