Presidência francesa
Desde o início de Julho, e até ao fim de 2008, o Conselho da União Europeia (UE) será presidido pela França. Na semana passada, o presidente em exercício, Nicolas Sarkozy, discursou no Parlamento Europeu para apresentar aos deputados as prioridades da presidência francesa da UE.
Uma das questões fundamentais a abordar não poderia deixar de ser o Tratado de Lisboa e a sua recente rejeição pelo povo irlandês, em referendo, que inviabiliza a ratificação. Se no programa de trabalho da presidência francesa a questão do Tratado era colocada com alguma parcimónia – remetendo para a reunião do Conselho Europeu de Outubro «o exame da via a seguir» -, na apresentação no plenário do PE, Sarkozy deu prioridade a esta questão e ao encontro de uma «solução para o impasse criado pelo Não irlandês». A insistência em escamotear a vontade do povo de um dos estados-membros, a tentativa de menosprezo da unanimidade como regra fundamental de ratificação dos tratados e a descarada assunção de que se vai encontrar uma forma, apesar de tudo isto, de prosseguir com o Tratado de Lisboa, ilustram bem o rumo e a dinâmica que a presidência francesa quer imprimir à UE.
Este posicionamento relativamente ao Tratado de Lisboa não surpreende, é até consentâneo com declarações de outros dirigentes europeus que pretendem impor esta solução, mas não deixa de assombrar a petulância com que a presidência em exercício considera o Não irlandês como um «problema institucional», esvaziando-o de consequências políticas ou mesmo jurídicas. Ao procurar uma escapatória (mais ou menos legal) para uma resposta do povo que não agrada, os líderes europeus insistem surdamente na imposição de um texto que acentuará o carácter neoliberal, federalista e militarista desta UE, numa manobra antidemocrática que atenta contra os direitos dos cidadãos e dos povos.
Neoliberal, federal, militarista
Mas o programa de trabalho da presidência francesa, para além do Tratado, é só por si bastante preocupante. No domínio económico, a aposta continua a ser a acentuação da Estratégia de Lisboa, numa defesa da liberalização dos mercados mundiais, da abertura dos países ao capital e domínio das empresas dos países da UE, da privatização dos serviços públicos, da crescente desregulamentação das relações de trabalho (em que se destaca a conclusão do processo da revisão da Directiva do Tempo de Trabalho e a flexigurança). Quanto à agricultura, não se descortinam inversões de marcha na Política Agrícola Comum, no sentido de contrariar a subida dos preços e a escassez de alimentos, combater o abandono produtivo de muitos milhares de pequenos e médios agricultores e os problemas de segurança alimentar ou defender a soberania alimentar dos países. A prioridade continua a ser a protecção dos grandes produtores e da agro-indústria e de uma produção intensiva e concentrada em determinadas regiões da Europa.
O acentuar da componente militarista da UE também está bem patente, nomeadamente com a proposta de revisão da estratégia de segurança europeia no sentido de garantir os interesses das grandes potências da UE e dos seus aliados no mundo, operacionalizar a sua capacidade de intervenção militar e o fortalecimento da sua cooperação com a NATO, reforçando o papel da Agência Europeia de Defesa e incentivando a investigação e desenvolvimento da indústria de armamento na UE.
Por fim, uma referência à política de imigração. Depois de aprovada pelo PE a escandalosa directiva do retorno, que solidifica a concepção de Europa fortaleza e põe em causa direitos humanos fundamentais, Sarkozy constata que a UE «precisa de imigrantes, mas não tem capacidade para integrar todas as pessoas». O programa de trabalho refere mesmo «que se organize a imigração legal, tendo em conta as necessidades e as capacidades de acolhimento dos estados-membros». Logo, há que seleccionar quem entra, quando entra e para quê. Entram imigrantes sempre que o capital precisar, trabalham pelo valor mais baixo e sem direitos, são expulsos e descartados quando já não servem. A isto chamou o «Pacto Europeu sobre a Imigração e o Asilo»: mais um passo na exploração e fragilização de seres humanos que apenas procuram uma vida melhor, mais digna, para si e para as suas famílias.
Não é esta a Europa que queremos e que precisamos. Exigimos uma União Europeia que procure soluções para o desemprego e a carestia de vida, que invista na capacidade produtiva de todos os estados-membros, que reconheça os direitos dos trabalhadores e dos cidadãos, que defenda a democracia e a paz.
Uma das questões fundamentais a abordar não poderia deixar de ser o Tratado de Lisboa e a sua recente rejeição pelo povo irlandês, em referendo, que inviabiliza a ratificação. Se no programa de trabalho da presidência francesa a questão do Tratado era colocada com alguma parcimónia – remetendo para a reunião do Conselho Europeu de Outubro «o exame da via a seguir» -, na apresentação no plenário do PE, Sarkozy deu prioridade a esta questão e ao encontro de uma «solução para o impasse criado pelo Não irlandês». A insistência em escamotear a vontade do povo de um dos estados-membros, a tentativa de menosprezo da unanimidade como regra fundamental de ratificação dos tratados e a descarada assunção de que se vai encontrar uma forma, apesar de tudo isto, de prosseguir com o Tratado de Lisboa, ilustram bem o rumo e a dinâmica que a presidência francesa quer imprimir à UE.
Este posicionamento relativamente ao Tratado de Lisboa não surpreende, é até consentâneo com declarações de outros dirigentes europeus que pretendem impor esta solução, mas não deixa de assombrar a petulância com que a presidência em exercício considera o Não irlandês como um «problema institucional», esvaziando-o de consequências políticas ou mesmo jurídicas. Ao procurar uma escapatória (mais ou menos legal) para uma resposta do povo que não agrada, os líderes europeus insistem surdamente na imposição de um texto que acentuará o carácter neoliberal, federalista e militarista desta UE, numa manobra antidemocrática que atenta contra os direitos dos cidadãos e dos povos.
Neoliberal, federal, militarista
Mas o programa de trabalho da presidência francesa, para além do Tratado, é só por si bastante preocupante. No domínio económico, a aposta continua a ser a acentuação da Estratégia de Lisboa, numa defesa da liberalização dos mercados mundiais, da abertura dos países ao capital e domínio das empresas dos países da UE, da privatização dos serviços públicos, da crescente desregulamentação das relações de trabalho (em que se destaca a conclusão do processo da revisão da Directiva do Tempo de Trabalho e a flexigurança). Quanto à agricultura, não se descortinam inversões de marcha na Política Agrícola Comum, no sentido de contrariar a subida dos preços e a escassez de alimentos, combater o abandono produtivo de muitos milhares de pequenos e médios agricultores e os problemas de segurança alimentar ou defender a soberania alimentar dos países. A prioridade continua a ser a protecção dos grandes produtores e da agro-indústria e de uma produção intensiva e concentrada em determinadas regiões da Europa.
O acentuar da componente militarista da UE também está bem patente, nomeadamente com a proposta de revisão da estratégia de segurança europeia no sentido de garantir os interesses das grandes potências da UE e dos seus aliados no mundo, operacionalizar a sua capacidade de intervenção militar e o fortalecimento da sua cooperação com a NATO, reforçando o papel da Agência Europeia de Defesa e incentivando a investigação e desenvolvimento da indústria de armamento na UE.
Por fim, uma referência à política de imigração. Depois de aprovada pelo PE a escandalosa directiva do retorno, que solidifica a concepção de Europa fortaleza e põe em causa direitos humanos fundamentais, Sarkozy constata que a UE «precisa de imigrantes, mas não tem capacidade para integrar todas as pessoas». O programa de trabalho refere mesmo «que se organize a imigração legal, tendo em conta as necessidades e as capacidades de acolhimento dos estados-membros». Logo, há que seleccionar quem entra, quando entra e para quê. Entram imigrantes sempre que o capital precisar, trabalham pelo valor mais baixo e sem direitos, são expulsos e descartados quando já não servem. A isto chamou o «Pacto Europeu sobre a Imigração e o Asilo»: mais um passo na exploração e fragilização de seres humanos que apenas procuram uma vida melhor, mais digna, para si e para as suas famílias.
Não é esta a Europa que queremos e que precisamos. Exigimos uma União Europeia que procure soluções para o desemprego e a carestia de vida, que invista na capacidade produtiva de todos os estados-membros, que reconheça os direitos dos trabalhadores e dos cidadãos, que defenda a democracia e a paz.