Comentário

A face do capitalismo

Pedro Guerreiro
A análise da política de imigração da União Europeia não deverá ser descontextualizada do conjunto de políticas (de classe) por si promovidas. Aliás, um dos aspectos que se evidência é a cínica e hedionda coerência das medidas para a imigração propostas ao nível da UE com as suas políticas neoliberais, federalistas e militaristas. Não poderia ser de outra forma...
A UE protagoniza e promove a «globalização» capitalista, a liberalização dos mercados, a dominação (e especulação) do capital financeiro, o controlo dos recursos e a exploração do trabalho, a ingerência, a corrida aos armamentos e a militarização das relações internacionais, concentrando exponencialmente a riqueza criada, impondo o domínio de uns e a dependência de outros, acentuando as desigualdades sociais e as assimetrias económicas e regionais e colocando em causa a soberania dos povos e a independência dos Estados.
Mesmo as verbas destinadas à denominada «ajuda ao desenvolvimento» vão sendo diminuídas e desvirtuados os seus objectivos, sendo utilizadas para fins que nada têm a ver com esta, nomeadamente, militares ou para os denominados «acordos de readmissão» de imigrantes com países terceiros.
Isto é, a UE protagoniza e promove políticas que estão na origem da agudização da crise capitalista e da fome, da doença, da pobreza e do desespero de milhões de seres humanos.
Naturalmente, milhões de homens, mulheres e crianças lutam diariamente pela sua sobrevivência, muitos dos quais procurando imigrar em busca e pela conquista de uma vida melhor, de trabalho e condições dignas de existência, para si e para as suas famílias. Face a este drama humano, a UE procura implementar medidas que visam explorar e criminalizar os imigrantes, mimetizando as políticas de imigração dos EUA. Ou seja, ao mesmo tempo que fomenta a «importação» dos recursos humanos mais qualificados (por exemplo, com a criação do denominado «cartão azul»), a UE criminaliza os imigrantes declarados em «situação irregular», avançando com propostas que abririam espaço a todo um conjunto de arbitrariedades e violações dos direitos humanos.
Entre as diversas medidas e instrumentos da política da UE de cariz securitária e criminalizadora da imigração, está, actualmente, em fase de conclusão uma proposta que visa criar uma «política eficaz de afastamento e repatriamento, baseada em normas comuns» («regresso, afastamento, recurso a medidas coercivas, detenção e interdições de entrada») e aplicadas «aos nacionais de países terceiros que não preencham ou tenham deixado de preencher as condições de entrada, permanência ou residência» num país que integre a UE.

Política desumana

Entre outros inaceitáveis aspectos, considera-se a possibilidade de detenção (prisão) de imigrantes, podendo o seu prazo máximo ser de dezoito meses. É prevista a detenção de famílias e de menores, isto é, de crianças. Considera-se, «tanto quanto possível» (?), que será «mantida a unidade familiar com os membros da família presentes no território» e discute-se a possibilidade de expulsar um menor, isto é, uma criança, sem que esta seja obrigatoriamente entregue a um membro da sua família ou a um tutor legalmente designado. Um imigrante que seja expulso poderá ver impossibilitada a sua entrada em países da UE por um período de cinco anos.
Ao que parece, o Governo PS terá dado o seu acordo a tais propostas, alegando que aplicará, relativamente a algumas das normas aí previstas, o estabelecido na legislação nacional. Pelo contrário, o que se exige do Governo PS é que utilize o seu direito de veto para rejeitar uma proposta que abre a porta à comunitarização da política de imigração e que está impregnada de uma visão desumana que reduz os imigrantes a mão-de-obra barata e descartável. Pelo contrário, o que se impõe é que Portugal ratifique a Convenção da ONU sobre «Protecção dos Direitos de Todos os Migrantes e membros das suas famílias», aliás, como o PCP propôs na Assembleia da República.
Com os recursos e a capacidade produtiva, os conhecimentos científicos e os avanços tecnológicos que a humanidade alcançou, muitos dos principais problemas com que nos confrontamos poderiam já ter sido praticamente solucionados. Para isso seria necessário uma efectiva política de ajuda ao desenvolvimento que respeitasse e promovesse o direito soberano dos povos a explorar e a utilizar os recursos naturais e os sectores estratégicos da economia dos seus países em prol da melhoria das suas condições de vida. Uma política de efectiva cooperação, mutuamente vantajosa, que desenvolvesse a agricultura, garantisse o acesso à água, os serviços de saúde, a habitação e a educação para todos e assim acabar com a emigração como instrumento de exploração agravada do homem pelo homem.


Mais artigos de: Europa

Alimentos primeiro

O Parlamento Europeu aprovou dia 22 uma resolução sobre o aumento dos preços dos produtos alimentares, na qual salienta a necessidade de atribuir prioridade aos alimentos relativamente aos combustíveis.

Política de lixo

As medidas anunciadas pelo governo italiano para resolver a crise do lixo na região de Nápoles foram recebidas com protestos das populações que se opõem à invasão dos resíduos.

Um quarto dos alemães na pobreza

A pobreza aumentou e os salários baixaram na maior potência industrial da Europa, segundo indica um relatório publicado dia 19 pelo Ministério do Trabalho da Alemanha.O documento constata que 13 por cento da população viviam em condições de pobreza em 2005, auferindo um rendimento líquido inferior a 781 euros. Todavia,...

<i>Die Linke</i> em congresso

O partido A Esquerda (Die Linke) reuniu o seu primeiro congresso federal no passado fim-de-semana, em Cottbus, na Alemanha, junto à fronteira com a Polónia, onde Oskar Lafontaine e Lothar Bisky, os dois presidentes desta formação, foram confirmados nos seus cargos.Lafontaine, antigo presidente dos sociais-democratas...

Sindicato com aspiração «global»

O sindicato norte-americano United Steelworkers está prestes a concluir o processo de fusão com o congénere britânico Unite, com o objectivo de criar a primeira estrutura sindical que aspira a defender os interesses de trabalhadores de vários continentes.A futura organização, que deverá ser constituída em Julho durante a...

700 mil franceses em protesto

Mais de 700 mil pessoas manifestaram-se, dia 22, em 153 cidade de França contra o aumento da idade de reforma e em defesa dos direitos de aposentação.No mesmo dia em que milhares de pescadores bloquearam numerosos portos exigindo a intervenção do governo para conter o preço dos combustíveis, a capital francesa foi...