A vara

Henrique Custódio
Todo o País viu, sobretudo graças ao empenho das televisões a mostrá-lo, como a UGT se estreou neste 1.º de Maio de 2008 na aventura das manifestações de rua: um grupo fardado com bonés de encomenda a descer algo envergonhadamente a Avenida da Liberdade, em Lisboa, onde por junto se concentrou toda a capacidade de mobilização desta central sindical, pois em nenhum outro ponto do país agitou uma bandeirinha para amostra. Confrontada com a escassez do grupo, demasiado evidente mesmo dentro de planos apertados devidamente escolhidos, a reportagem da SIC chegaria a avaliar, em directo, que «estão presentes cerca de sete mil manifestantes», para de imediato o pivot, no estúdio, produzir uma emenda extraordinária: «acabámos de receber uma rectificação da polícia, avaliando a manifestação da UGT entre 25 a trinta mil pessoas».
Deve ter sido a primeira vez que a polícia portuguesa não só aumentou a avaliação de uma manifestação, como o fez ampliando-a umas boas quatro vezes mais. Sabendo-se, como se sabe, que a polícia age invariavelmente sob rígido controle hierárquico, parece ilógico assacar aos responsáveis policiais a responsabilidade maior de tão grosseiro exagero.
Faz mais sentido a suposição de que terá andado por aqui a mão do Governo, actualmente muito interessado em ter na UGT um «parceiro sindical» minimamente credível para caucionar a pretendida machadada no Código do Trabalho – o que também tornaria mais compreensível esta insólita manifestação dos mimosos dirigentes da UGT, que pela primeira vez saíram das alcatifas por onde passeiam o seu sindicalismo, para tentar exibir na rua uma capacidade de mobilização que nunca tiveram. O que desembocou em duas evidências: uma, que apesar das coléricas desvalorizações de José Sócrates, as manifestações de rua afinal sempre têm significado e fazem mossa; outra, que apesar dos exageros da polícia ou de quem nela manda, a UGT continua a não ter capacidade de mobilização que se veja.
Essa falta de capacidade foi mais flagrante e patética que o desfile manhoso do passado dia 1, na Avenida da Liberdade. A evidência está nas convocatórias enviadas aos associados da UGT (no caso dirigida aos reformados), onde se anunciava que «a concentração será feita nas instalações do Marquês de Fronteira, num convívio com cerca de 1.000 colegas do Norte e do Centro, que organizam o repasto oferecido pelos sindicatos, com porcos assados no momento e outras especialidades gastronómicas à moda do Norte», pormenorizando de seguida que as inscrições devem «indicar o número de acompanhantes (sem limite) com o objectivo de saber o número provável de presenças».
Não bastava o boato, que por aí corre, de que os manifestantes do passado 1.º de Maio da UGT foram arregimentados com subsídios de almoço na ordem dos 25 euros. Temos agora um repasto concreto de porcos assados oferecido pela UGT aos seus associados e acompanhantes, tudo «sem limite» e literalmente à «vara larga», dado supor-se que para servir tanto marreco assado terá sido necessário uma vara deles.
Foi evidente o esforço da UGT em se coreografar neste 1.º de Maio como «central de luta», tal como o apoio que, sofregamente, o Governo proporcionou ao entremez. O prémio desejado deve ser o remate, por bom preço, do «Código do Trabalho do Governo». Só que os trabalhadores não estão pelos ajustes, tal como esmagadoramente nunca o estiveram com as manobras da UGT, acompanhadas ou não de churrascos grátis.


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