Doutores precários
A 5.ª Assembleia do Sector Intelectual de Lisboa do PCP realiza-se a 18 de Maio, na Faculdade de Ciências, e contará com a presença do secretário-geral do Partido. O Avante! foi ouvir quatro dirigentes deste Sector, que falaram das precárias condições em que trabalham muitos intelectuais.
As condições de trabalho dos intelectuais aproxima-os dos restantes trabalhadores
Já lá vai o tempo em que ter um grau académico ou uma profissão intelectual ou especializada era garantia de trabalho estável e com boas perspectivas de remuneração e progressão. Hoje, já não é assim para milhares de trabalhadores intelectuais: muitos são os professores, advogados, jornalistas, psicólogos ou arquitectos, entre outros, que vêem o seu dia-a-dia marcado pelo desemprego, a precariedade e os baixos salários.
No projecto de resolução política desta assembleia, é realçado este agravamento da situação social e profissional nas actividades e camadas intelectuais. Tiago Cunha, da direcção do Sector, afirma que a precariedade é já um traço característico desta camada social, onde os jovens são dominantes.
Ao mesmo tempo que se verifica um crescimento (embora a um ritmo que tende a abrandar) do número de indivíduos cuja formação escolar coloca potencialmente enquadrados na condição de trabalhadores intelectuais, reduz-se o universo do emprego. Também o desemprego não pára de crescer, sobretudo entre os jovens licenciados.
Isto leva a que Portugal apresente hoje um desperdício de conhecimentos mais elevado do que outros países da União Europeia, como recentemente revelou o Eurostat. Países como a Espanha, a Polónia e a Eslováquia, embora tenham taxas de desemprego superiores às verificadas em Portugal, apresentam taxas mais reduzidas no que toca a trabalhadores com o Ensino Superior.
O crescente assalariamento e a diferenciação dentro de uma mesma profissão são outras tendências marcantes, que o PCP identifica no seu projecto de resolução.
Manuel Gusmão, do Comité Central e da Direcção do Sector Intelectual, afirma existir uma grande pressão sobre a autonomia relativa do trabalho intelectual. Em sua opinião, trata-se de uma orientação específica do grande capital, «persecutória do pensamento livre e da acção livre», neste caso por meio das relações de trabalho.
Exploração multifacetada
A exploração dos trabalhadores intelectuais assume, como em outros sectores, diversas formas. Se os problemas que afectam os professores são porventura mais conhecidos, até pela dimensão que a sua luta assumiu, o caso de outras profissões é-o menos.
Mais de dois terços dos arquitectos, por exemplo, exercem a profissão em situação de precariedade, revela a resolução. A inexistência de uma tabela de honorários e a não remuneração dos estágios são algumas formas de exploração dos arquitectos – sobretudo dos mais jovens, que são já mais de metade do total destes profissionais.
Na área da justiça, a situação não é melhor. Grandes e médias sociedades de advogados portuguesas e estrangeiras empregam hoje um «enorme exército» de jovens advogados assalariados. As suas condições de trabalho são marcadas, regra geral, por uma violenta exploração, no que respeita a horários, remuneração e segurança no emprego.
Também os psicólogos enfrentam graves problemas, ocupando o primeiro lugar em número de licenciados desempregados. Apesar de Portugal ser o país da União Europeia com maior taxa de psicólogos por habitante, o mercado de trabalho não acompanhou esta evolução: muitos profissionais exercem outra actividade que não aquela para que estudaram, ao passo que muitos outros se encontram com contratos precários ou a trabalhar gratuitamente em hospitais, centros de saúde e associações de solidariedade social.
Com uma taxa de assalariamento de 88 por cento, os trabalhadores científicos e quadros técnicos deparam-se também com grandes dificuldades. O encerramento de empresas produtivas faz-se sentir sobremaneira. O Governo continua a manter o bloqueio à contratação de pessoal para lugares permanentes nos laboratórios do Estado. Para os comunistas, isto incentiva o recurso ao emprego de bolseiros, avençados e trabalhadores a recibos verdes, sem os quais aquelas instituições não podem funcionar.
Este será mesmo um dos sectores em que é mais flagrante a precarização generalizada e o surgimento de fenómenos de «pseudo-emprego» e «pseudo-carreiras». O número de bolseiros, a nível nacional, poderá rondar os 8 mil, revelam os comunistas.
Alargar a influência
O alargamento da influência do Partido junto dos intelectuais é o principal objectivo para os próximos anos. A aproximação das condições de trabalho dos intelectuais às das demais camadas de trabalhadores contribui para a possibilidade de construção da aliança entre a classe operária e os intelectuais, confia o PCP.
Mas não basta que as condições objectivas continuem a desenvolver-se no sentido dessa aproximação. Ao nível da consciência, as coisas estão mais atrasadas. Para Manuel Gusmão, «o problema reside no desequilíbrio existente entre a situação real de muitos trabalhadores intelectuais e a suas concepções e representações ideológicas e políticas». Se, acrescenta, as suas condições reais os aproxima das outras camadas trabalhadoras, muitos são os que reagem a essa aproximação desejando a «recuperação da posição perdida» e não a sua integração na luta mais geral dos trabalhadores e do povo.
O papel do Partido é decisivo para trazer mais intelectuais à luta. E o PCP afirmou junto destas camadas nos últimos anos. O documento que o Partido divulgou junto dos trabalhadores das Artes do Espectáculo foi muito bem recebido, lembra, a título de exemplo, Carlos Grilo, do Comité Central e responsável pelo Sector. Neste documento, dava-se conta do projecto-lei apresentado pelo grupo parlamentar comunista que visava a garantia a estes trabalhadores do acesso aos sistemas de Segurança Social.
Tiago Cunha realçou, por sua vez, que as distribuições de documentos do Partido, específicos ou gerais, junto a locais de trabalho com grande concentração de intelectuais tem dado frutos. Apesar de em muitas destas profissões predominar a dispersão e mesmo o isolamento dos trabalhadores, o que coloca dificuldades à intervenção partidária, noutros casos, como os professores ou os jornalistas, há ainda grandes concentrações de trabalhadores.
Ao nível orgânico, Carlos Grilo destacou os avanços verificados ao nível da responsabilização de quadros, sobretudo jovens. Sílvia Fialho, igualmente da direcção do Sector, realçou a intensificação da actividade dos subsectores. Três deles realizaram recentemente as suas próprias assembleias de organização, traçando objectivos e elegendo os seus organismos de direcção. O Sector Intelectual agrega actualmente 11 subsectores.
Reforçar a organização e a luta
Nos últimos anos, muitos sectores das profissões intelectuais empreenderam significativos processos de luta. Com diferente expressão, alcance e objectivos. Os educadores e professores dos ensinos básico e secundário bateram-se contra o Estatuto da Carreira Docente e a Avaliação, numa luta que teve o ponto alto na «Marcha da Indignação», que trouxe a Lisboa 100 mil professores de todo o País. Mas também os docentes do Ensino Superior, os trabalhadores dos espectáculos, os bolseiros de investigação ou os jornalistas promoveram acções de luta.
Mas noutras áreas a contestação é dificultada ou mesmo travada pela debilidade das estruturas representativas destes trabalhadores. As excepções existem, e referem-se aos psicólogos, cujo sindicato recolheu 11 mil assinaturas exigindo emprego para estes profissionais; aos jornalistas, que travam a luta em defesa da contratação colectiva e contra o Estatuto do Jornalista; aos trabalhadores dos espectáculos; e aos professores, apesar do «acelerado processo de degradação» sofrido pelo Sindicato dos Professores da Grande Lisboa, cujo culminar foi uma eleição fraudulenta para a sua direcção.
Para o PCP, as ordens profissionais existentes não defendem os direitos dos trabalhadores, até pela sua natureza e composição. Na opinião de Tiago Cunha, a presença nas ordens de patrões e de trabalhadores e a sua vocação corporativa explicam esta situação.
A Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) tem vindo a crescer, contando já com vários núcleos pelo País. Associa bolseiros dos mais variados tipos, e ainda estagiários e outros trabalhadores precários.
Uma das prioridades da Assembleia é o reforço das estruturas representativas e do trabalho unitário.
No projecto de resolução política desta assembleia, é realçado este agravamento da situação social e profissional nas actividades e camadas intelectuais. Tiago Cunha, da direcção do Sector, afirma que a precariedade é já um traço característico desta camada social, onde os jovens são dominantes.
Ao mesmo tempo que se verifica um crescimento (embora a um ritmo que tende a abrandar) do número de indivíduos cuja formação escolar coloca potencialmente enquadrados na condição de trabalhadores intelectuais, reduz-se o universo do emprego. Também o desemprego não pára de crescer, sobretudo entre os jovens licenciados.
Isto leva a que Portugal apresente hoje um desperdício de conhecimentos mais elevado do que outros países da União Europeia, como recentemente revelou o Eurostat. Países como a Espanha, a Polónia e a Eslováquia, embora tenham taxas de desemprego superiores às verificadas em Portugal, apresentam taxas mais reduzidas no que toca a trabalhadores com o Ensino Superior.
O crescente assalariamento e a diferenciação dentro de uma mesma profissão são outras tendências marcantes, que o PCP identifica no seu projecto de resolução.
Manuel Gusmão, do Comité Central e da Direcção do Sector Intelectual, afirma existir uma grande pressão sobre a autonomia relativa do trabalho intelectual. Em sua opinião, trata-se de uma orientação específica do grande capital, «persecutória do pensamento livre e da acção livre», neste caso por meio das relações de trabalho.
Exploração multifacetada
A exploração dos trabalhadores intelectuais assume, como em outros sectores, diversas formas. Se os problemas que afectam os professores são porventura mais conhecidos, até pela dimensão que a sua luta assumiu, o caso de outras profissões é-o menos.
Mais de dois terços dos arquitectos, por exemplo, exercem a profissão em situação de precariedade, revela a resolução. A inexistência de uma tabela de honorários e a não remuneração dos estágios são algumas formas de exploração dos arquitectos – sobretudo dos mais jovens, que são já mais de metade do total destes profissionais.
Na área da justiça, a situação não é melhor. Grandes e médias sociedades de advogados portuguesas e estrangeiras empregam hoje um «enorme exército» de jovens advogados assalariados. As suas condições de trabalho são marcadas, regra geral, por uma violenta exploração, no que respeita a horários, remuneração e segurança no emprego.
Também os psicólogos enfrentam graves problemas, ocupando o primeiro lugar em número de licenciados desempregados. Apesar de Portugal ser o país da União Europeia com maior taxa de psicólogos por habitante, o mercado de trabalho não acompanhou esta evolução: muitos profissionais exercem outra actividade que não aquela para que estudaram, ao passo que muitos outros se encontram com contratos precários ou a trabalhar gratuitamente em hospitais, centros de saúde e associações de solidariedade social.
Com uma taxa de assalariamento de 88 por cento, os trabalhadores científicos e quadros técnicos deparam-se também com grandes dificuldades. O encerramento de empresas produtivas faz-se sentir sobremaneira. O Governo continua a manter o bloqueio à contratação de pessoal para lugares permanentes nos laboratórios do Estado. Para os comunistas, isto incentiva o recurso ao emprego de bolseiros, avençados e trabalhadores a recibos verdes, sem os quais aquelas instituições não podem funcionar.
Este será mesmo um dos sectores em que é mais flagrante a precarização generalizada e o surgimento de fenómenos de «pseudo-emprego» e «pseudo-carreiras». O número de bolseiros, a nível nacional, poderá rondar os 8 mil, revelam os comunistas.
Alargar a influência
O alargamento da influência do Partido junto dos intelectuais é o principal objectivo para os próximos anos. A aproximação das condições de trabalho dos intelectuais às das demais camadas de trabalhadores contribui para a possibilidade de construção da aliança entre a classe operária e os intelectuais, confia o PCP.
Mas não basta que as condições objectivas continuem a desenvolver-se no sentido dessa aproximação. Ao nível da consciência, as coisas estão mais atrasadas. Para Manuel Gusmão, «o problema reside no desequilíbrio existente entre a situação real de muitos trabalhadores intelectuais e a suas concepções e representações ideológicas e políticas». Se, acrescenta, as suas condições reais os aproxima das outras camadas trabalhadoras, muitos são os que reagem a essa aproximação desejando a «recuperação da posição perdida» e não a sua integração na luta mais geral dos trabalhadores e do povo.
O papel do Partido é decisivo para trazer mais intelectuais à luta. E o PCP afirmou junto destas camadas nos últimos anos. O documento que o Partido divulgou junto dos trabalhadores das Artes do Espectáculo foi muito bem recebido, lembra, a título de exemplo, Carlos Grilo, do Comité Central e responsável pelo Sector. Neste documento, dava-se conta do projecto-lei apresentado pelo grupo parlamentar comunista que visava a garantia a estes trabalhadores do acesso aos sistemas de Segurança Social.
Tiago Cunha realçou, por sua vez, que as distribuições de documentos do Partido, específicos ou gerais, junto a locais de trabalho com grande concentração de intelectuais tem dado frutos. Apesar de em muitas destas profissões predominar a dispersão e mesmo o isolamento dos trabalhadores, o que coloca dificuldades à intervenção partidária, noutros casos, como os professores ou os jornalistas, há ainda grandes concentrações de trabalhadores.
Ao nível orgânico, Carlos Grilo destacou os avanços verificados ao nível da responsabilização de quadros, sobretudo jovens. Sílvia Fialho, igualmente da direcção do Sector, realçou a intensificação da actividade dos subsectores. Três deles realizaram recentemente as suas próprias assembleias de organização, traçando objectivos e elegendo os seus organismos de direcção. O Sector Intelectual agrega actualmente 11 subsectores.
Reforçar a organização e a luta
Nos últimos anos, muitos sectores das profissões intelectuais empreenderam significativos processos de luta. Com diferente expressão, alcance e objectivos. Os educadores e professores dos ensinos básico e secundário bateram-se contra o Estatuto da Carreira Docente e a Avaliação, numa luta que teve o ponto alto na «Marcha da Indignação», que trouxe a Lisboa 100 mil professores de todo o País. Mas também os docentes do Ensino Superior, os trabalhadores dos espectáculos, os bolseiros de investigação ou os jornalistas promoveram acções de luta.
Mas noutras áreas a contestação é dificultada ou mesmo travada pela debilidade das estruturas representativas destes trabalhadores. As excepções existem, e referem-se aos psicólogos, cujo sindicato recolheu 11 mil assinaturas exigindo emprego para estes profissionais; aos jornalistas, que travam a luta em defesa da contratação colectiva e contra o Estatuto do Jornalista; aos trabalhadores dos espectáculos; e aos professores, apesar do «acelerado processo de degradação» sofrido pelo Sindicato dos Professores da Grande Lisboa, cujo culminar foi uma eleição fraudulenta para a sua direcção.
Para o PCP, as ordens profissionais existentes não defendem os direitos dos trabalhadores, até pela sua natureza e composição. Na opinião de Tiago Cunha, a presença nas ordens de patrões e de trabalhadores e a sua vocação corporativa explicam esta situação.
A Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) tem vindo a crescer, contando já com vários núcleos pelo País. Associa bolseiros dos mais variados tipos, e ainda estagiários e outros trabalhadores precários.
Uma das prioridades da Assembleia é o reforço das estruturas representativas e do trabalho unitário.