Tragédia italiana

Jorge Cadima

No seio do PCI ganharam força correntes que minaram a sua natureza de classe

As forças mais reaccionárias obtiveram uma vitória clara nas eleições italianas. O desprestígio da coligação de «centro-esquerda» de Prodi, que governou à direita, conduziu a um desfecho previsível: traindo a sua base eleitoral, fortaleceu Berlusconi, Bossi e Fini e entregou-lhes a maioria absoluta nas duas câmaras do Parlamento. Avizinham-se tempos negros para os trabalhadores italianos. O presidente cessante da confederação patronal declarou já guerra às estruturas sindicais, com Durão Barroso na plateia (La Stampa, 19.4.08).

Em meados dos anos 70 a Itália tinha o maior Partido Comunista da Europa ocidental. A notável força social, política e eleitoral do PCI, conquistada ao longo de décadas de luta pelos interesses da classe operária e na resistência antifascista, alcançou enormes avanços sociais. Mas no seio do PCI ganharam força correntes que minaram a sua natureza de classe, a sua história e razão de ser. Correntes que conduziram à sua liquidação em 1991. É instrutivo verificar que grande parte daqueles que conduziram essa liquidação são hoje dirigentes de uma força política – o recém-formado Partido Democrático – que nada tem que ver nem com a tradição comunista, nem sequer com a tradição social-democrata ou o movimento operário. Não se afirmam de esquerda. São defensores assumidos dos interesses do grande capital e do imperialismo italiano e europeu. E governaram como tal, nestes últimos dois anos. Quer no plano social e económico, quer em matéria de política externa – do Afeganistão ao Líbano, do Kosovo às relações com os EUA e Israel. Segundo um relatório da OSCE divulgado nas vésperas das eleições, o salário médio dos trabalhadores italianos é hoje inferior ao da Grécia e Espanha, apenas superando o de Portugal, entre os países da Europa ocidental.

O enorme descontentamento com a política governamental castigou também as forças mais à esquerda da coligação de governo, que perderam mais de dois terços dos votos obtidos há dois anos. Incapazes de condicionar a política do governo, mas também de a combater através da luta de massas, viram-se destroçadas, entre a tentação do «voto útil» para derrotar Berlusconi e o ser considerados «iguais aos outros». Parte substancial do seu eleitorado virou as costas ao que considerou uma excessiva institucionalização e uma subestimação da luta de classes e de massas. E também a tendências assumidas durante a campanha eleitoral, de diluição do Partido da Refundação Comunista no seio de formações políticas sem uma clara natureza anti-imperialista e anti-capitalista, e sem que isso correspondesse a decisões tomadas democraticamente pelas estruturas do PRC ou pelos seus militantes.

Talvez em nenhum outro país se tenha gasto tanta tinta a «repensar a esquerda» e «renovar a prática de esquerda» como em Itália. Durante décadas fomos sujeitos aos conselhos de nos «modernizarmos» como «em Itália». O desfecho de tanto «repensamento» e liquidacionismo está à vista e é trágico: pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, não haverá no Parlamento italiano deputados comunistas. Nem sequer socialistas, ou verdes. Uma direita fascizante assume as rédeas do poder num momento de crise profunda do capitalismo. Mas a História não pára. Será a própria realidade de um capitalismo explorador e voraz a impor a necessidade de a classe operária italiana reerguer as suas estruturas de classe. Importa que, ao fazê-lo, saiba extrair as lições e evitar os erros do passado. Para bem dos trabalhadores de Itália e de todo o Mundo.


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