Até à alma

Anabela Fino
«Prestação da casa atinge máximos»; «Bancos pagam menos 29% de impostos»; «A inflação [na zona euro] sobe ao ponto mais alto desde 1992». Estas foram, na terça-feira, 1 de Abril, três das chamadas de primeira página do Diário Económico (DE), e nada legítima a suspeição – que bem grata seria, diga-se de passagem – de que se trata das tradicionais mentiras próprias desta data, tradição aliás a cair em desuso num tempo em que o difícil mesmo é ter a certeza de que não nos estão a enganar. Mas isso é outra conversa, que agora não vem ao caso. O que interessa mesmo reter – mesmo para quem só lê «as gordas» das páginas dos jornais ou dos serviços noticiosos das televisões – é esta multiplicidade de notícias a dar conta do estado a que isto chegou, numa altura em que o Governo acaba de comemorar três anos de actividade como se em Portugal tudo corresse sobre rodas e os portugueses vivessem no melhor dos mundos. Os mais afoitos que se aventurem pelo desenvolvimento noticioso, seja no referido jornal ou em qualquer outro meio de informação, constatarão o que já sentem na pele, isto é, que não têm motivos para alegrias, o que de resto só confirma os dados divulgados esta semana por Bruxelas, dando conta da crescente desconfiança dos portugueses em relação à economia do País e às suas próprias perspectivas financeiras. Ainda segundo o DE de 1 de Abril, desde Dezembro de 2006 que a confiança dos portugueses tem vindo a cair, tendo atingido em Março o nível mais baixo desde 2003, aproximando-se do recorde histórico registado há cinco anos.
As razões do pessimismo nacional são bastante prosaicas: insegurança no emprego, perda do poder de compra e cada vez mais mês no fim do salário. Com um cenário destes, e vivendo nós numa sociedade de consumo em que cada vez mais o ser se confunde com o ter – ou no mínimo ostentar – não é de estranhar que o número de famílias endividadas esteja em franca expansão e não parem de crescer os pedidos de ajuda dos que já não conseguem satisfazer os seus compromissos com os bancos, os tais que aumentam os lucros e pagam menos impostos. Segundo o Público de 1 de Abril, os «dois gabinetes de apoio a famílias sobreendividadas já abriram 492 processos de Janeiro até 26 de Março, o que representa mais de oito processos por cada dia útil» do período em causa. Na primeira linha do endividamento estão os encargos com a habitação, já que as taxas de juro não param de aumentar. O resto, quando não é o emprego que falta, é a pesada factura da ilusão vendida pelo sistema do «leve agora e pague depois», que na mira do lucro e com o beneplácito dos sucessivos governos nos tenta sugar até à alma, na certeza de que no final alguém pagará a conta.
É a crise, dizem, cada vez pior porque cada vez mais global. O pior é que a maioria de nós não é como a Isabel II de Inglaterra, que para «poupar» terá prescindido de um jantar no Ritz londrino. No que toca à maioria, sejam portugueses ou de outra qualquer nacionalidade, as mais das vezes a «poupança» chama-se mesmo passar fome.


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