Viagens pastorais de evangelização

Jorge Messias
João Paulo II introduziu no papado um novo estilo: a itinerância. Foi a partir do seu mandato que se instalou no Vaticano o princípio da mobilidade permanente dos papas que ultrapassam os limites territoriais da Santa Sé e viajam no espaço exterior, chefiando equipas de eclesiásticos e de peritos nas mais diferentes matérias. Esta «nova diplomacia» da Igreja tem revertido em aumento da capacidade de intervenção do aparelho católico romano na vida política dos povos e das nações. Facto que, aliás, a hierarquia católica se recusa a reconhecer. Sustenta, pelo contrário, o mito de que o sagrado e o político jamais se confundem no pensamento e nas acções dos homens da Igreja. Mesmo quando confrontados com a realidade dos factos, os cardeais e os bispos mantêm essa ficção.
Cuba é um claro exemplo de como a Igreja conduz as suas políticas e as procura ocultar sob os paramentos do sagrado. Vinte e quatro horas após a renúncia de Fidel de Castro e da nomeação do seu irmão Raul para a condução do governo, o mais poderoso cardeal do Vaticano depois do Papa, Tarcísio Bertone, chegava a Havana para explorar e pressionar a situação política a favor da Igreja de Roma quando é certo que o clero nunca mexeu uma palha para apoiar o povo cubano na sua difícil caminhada para a liberdade e para o Socialismo. A intenção de Bertone foi tentar promover junto das populações a imagem de um papa que é conhecido como um inimigo mortal do regime de Cuba e da teologia de libertação. Enquanto a visita decorria, o ex-cardeal Ratzinger continuava a manter apertados laços de amizade com os terroristas que se acoitam em Miami e na Florida. Porque o Vaticano está sempre pronto a tudo pôr em causa quando se trata do regime cubano mas desce de tom de voz ou emudece logo que se exige o imediato encerramento do campo de tortura e morte de Guantámano ou o fim do bloqueio norte-americano a Cuba.

O Vaticano e a América Latina

Ratzinger e Bertone têm uma informação detalhada acerca das realidades cubanas e da América Latina. Sabem, também, que naquela extensa área que vai do Brasil às Antilhas se concentram quase 50% dos católicos de todo o mundo. Mas não ignoram (ou não deveriam ignorar) que a religiosidade desses povos se manifesta, no presente, já como um simples factor estruturante da cultura dos povos que vai a par do fervor revolucionário da liberdade, do progresso e da mudança. Escusam, pois, de esperar – a Cúria e o Vaticano – que o Socialismo seja ali destroçado pela doença de Fidel e pela religião. A esmagadora maioria do povo cubano e os novos valores produzidos pela Revolução não voltarão atrás. De resto, tudo já esteve bem mais negro do que está. Os povos oprimidos resistem e pouco a pouco afirmam os seus direitos e lançam as bases de posições comuns. O capitalismo colonialista atola-se numa crise económica que parece não ter fim e afoga-se nas lamas da sua inútil riqueza. E, pouco a pouco – do Brasil, à Venezuela, à Nicarágua, à Bolívia ou ao Equador – surgem prenúncios de uma nova era de luta, de progresso e de socialismo. Na América Latina, Cuba não está sozinha.
No Vaticano, pelo contrário, os sinais são de radicalização das posições da hierarquia ultraconservadora. A dupla Ratzinger/Bertone quer mais e mais poder e a total obediência dos leigos e do clero. A hierarquia e o baixo clero entram em rota de colisão. Os acontecimentos de Cuba não deixam Ratzinger satisfeito. Quer, agora, que o governo cubano dê à Igreja livre acesso aos media, que o ensino seja religioso e a presença de capelães nas prisões políticas permanente. Também os «dissidentes cubanos», a Secretaria de Estado norte-americana e a União Europeia, foram unânimes ao afirmarem a uma só voz que as mudanças em Cuba «sabem a pouco». Os cardeais recusam-se a aceitar que um pequeno país como Cuba lhes negue conceder as facilidades que tiveram no Leste europeu quando teceram a teia das suas contra-revoluções «de veludo».
Recentemente, em Roma, Bento XVI fez publicar uma bula apostólica – o «Sacramento de Caridade» - que é um espantoso monumento erguido em honra do pior dos fundamentalismos. Recorda aos responsáveis políticos que os valores da Igreja são inegociáveis; confirma, uma vez mais, o celibato obrigatório dos padres; proíbe aos divorciados comungarem; recusa reconhecer as «uniões de facto»; dá total importância à espiritualidade em detrimento dos aspectos sociais e políticos; recomenda a celebração das missas em latim e o regresso aos cânticos gregorianos; e anatematiza qualquer prática de interrupção da gravidez. Trata-se de um documento marcante, histórico, que define claramente os caminhos que a Igreja irá percorrer com este Papa que veio das trevas profundas da Santa Inquisição.


Mais artigos de: Argumentos

Umas e outras

No passado dia 8, Dia Internacional da Mulher, a televisão veio recordar aos esquecidos, que são muitos, que em certos segmentos da população serão talvez quase todos, fragmentos do quotidiano de algumas mulheres portuguesas. Entre os três ou quatro casos mais relevantes, escolho de facto ao acaso, para lembrar aqui, o...

Desporto e (é) política (1)

A luta ideológica em torno do desporto moderno surgiu logo nos primeiros momentos da sua institucionalização. Ao contrário daquilo que muitos procuraram fazer crer ao longo do século XX, entre desporto e política estabeleceram-se sempre laços de grande intimidade. No presente já ninguém se atreve a contestar esta...