Desporto e (é) política (1)
A luta ideológica em torno do desporto moderno surgiu logo nos primeiros momentos da sua institucionalização. Ao contrário daquilo que muitos procuraram fazer crer ao longo do século XX, entre desporto e política estabeleceram-se sempre laços de grande intimidade. No presente já ninguém se atreve a contestar esta afirmação: todavia, a luta ideológica permanece, agora revestindo novas formas.
Evidentemente que o desporto, em si mesmo, não é a política. Mas, integrando-se cada vez mais na própria dinâmica social, constituindo-se, progressivamente, como um dos fenómenos mais importantes do nosso tempo, o desporto não só passou a depender de decisões políticas, como constitui uma forma objectiva de «fazer política» quando nos referimos à dinâmica do «sistema desportivo».
Sem nos preocuparmos com os aspectos particulares do fenómeno e, portanto, reduzindo-a à sua expressão mais simples, é possível esquematizar as duas posições em confronto:
– uma posição afirma a importância do desporto como dupla necessidade social correspondendo a urgências da nossa época: como forma de procurar reequilibrar um processo de vida sujeito a graves agressões, como fonte de bem estar e de melhoria do crescimento e de enriquecimento cultural referido a todos;
– uma outra posição, sem negar estes valores, refere-se a um número restrito de indivíduos (os que possuem capacidade financeira), enquanto para a grande «massa» destina actividades comercializadas, vazias de significado humanizador e estruturadas em função de interesses exteriores à própria lógica do desenvolvimento desportivo, e do próprio processo hominizador ou seja, aquele que permite ao ser humano aceder a níveis qualitativamente mais elevados da sua consciência.
De uma ou outra forma, de um modo mais ou menos frontal, estas duas concepções têm estado frente a frente, durante os últimos 30-40 anos. Para alguns, a segunda concepção parece hegemonizar toda a dinâmica desportiva neste início do século, em que tudo, ou quase tudo, passou a ser concebido e projectado em função da indústria do espectáculo desportivo, e do tempo livre concebido como um vasto mercado estruturado para obter lucro financeiro, ou constituir uma forma de diversão sem conteúdo ou preocupação cultural.
Situação de crise
Pode-se estar mais ou menos de acordo com qualquer uma destas perspectivas, mas não é possível negar a situação de crise grave em que o desporto mergulhou. Uns apregoam a crise de «valores», outros de concepção e orientação, outros ainda de transformação do desporto num puro objecto mercantil.
Logo nos seus inícios (meados do século XIX), no momento em que Thomas Arnold concebeu e pôs em prática no seu colégio de Rugby a codificação de alguns jogos que designou como desportivos, a intenção básica foi muito mais a de utilizar o desporto como forma de transmissão de valores morais. Mas também logo aí referiu a primeira definição do amadorismo, estabelecida em 1886, distinguindo duas qualidades essenciais para o «amador» desportivo:
– o gentleman que não tomava parte em qualquer competição pública aberta a todos ou permitindo ganhar dinheiro;
– aquele que não fosse operário, nem artesão, nem jornaleiro, e que da actividade não retirasse qualquer benefício monetário.
Esta distinção tinha um objectivo sócio-político claro e constituía uma autêntica tomada de posição política no interior do próprio desporto. De um lado os privilegiados que tinham capacidade para se dedicar a uma actividade de tempo livre, do outro, a grande maioria que só poderia ter acesso à prática profissional, o seja, a uma actividade (boxe, futebol, ciclismo, etc.) em que era praticamente submetido a um processo de exploração definido pelo seu «patrão».
Esta dicotomia, surgiu muito cedo no desporto e traduzia uma forma de apropriação de uma nova importante actividade cultural, por uma determinada classe social. Durante cerca de mais de100 anos, deu origem a uma situação caracterizada por dois tipos de «hipocrisias», estruturando uma verdadeira tomada de posição política:
– a hipocrisia do desporto «puro», do «amadorismo integral», do «desporto neutro» e do «ideal olímpico» desencarnado, sempre apresentados sem contornos definidos, assentes numa concepção doutrinária essencialmente segregadora do ponto de vista social;
– a hipocrisia do «negociantes do desporto», aqueles que justificam a sua actividade com lucros financeiros que podem resultar para a «cidade», com as suas organizações (hoje já não têm a coragem de falar em «valores», mas falam em prestígio, «clube bandeira», comércio, etc.).
Assim se estabeleceu a base em que se travou uma acesa luta política durante mais de um século. No nosso País, durante todo esse tempo, predominou a concepção do desporto neutro: concepção que, na realidade, deu, para já, a «vitória» aos segundos.
Evidentemente que o desporto, em si mesmo, não é a política. Mas, integrando-se cada vez mais na própria dinâmica social, constituindo-se, progressivamente, como um dos fenómenos mais importantes do nosso tempo, o desporto não só passou a depender de decisões políticas, como constitui uma forma objectiva de «fazer política» quando nos referimos à dinâmica do «sistema desportivo».
Sem nos preocuparmos com os aspectos particulares do fenómeno e, portanto, reduzindo-a à sua expressão mais simples, é possível esquematizar as duas posições em confronto:
– uma posição afirma a importância do desporto como dupla necessidade social correspondendo a urgências da nossa época: como forma de procurar reequilibrar um processo de vida sujeito a graves agressões, como fonte de bem estar e de melhoria do crescimento e de enriquecimento cultural referido a todos;
– uma outra posição, sem negar estes valores, refere-se a um número restrito de indivíduos (os que possuem capacidade financeira), enquanto para a grande «massa» destina actividades comercializadas, vazias de significado humanizador e estruturadas em função de interesses exteriores à própria lógica do desenvolvimento desportivo, e do próprio processo hominizador ou seja, aquele que permite ao ser humano aceder a níveis qualitativamente mais elevados da sua consciência.
De uma ou outra forma, de um modo mais ou menos frontal, estas duas concepções têm estado frente a frente, durante os últimos 30-40 anos. Para alguns, a segunda concepção parece hegemonizar toda a dinâmica desportiva neste início do século, em que tudo, ou quase tudo, passou a ser concebido e projectado em função da indústria do espectáculo desportivo, e do tempo livre concebido como um vasto mercado estruturado para obter lucro financeiro, ou constituir uma forma de diversão sem conteúdo ou preocupação cultural.
Situação de crise
Pode-se estar mais ou menos de acordo com qualquer uma destas perspectivas, mas não é possível negar a situação de crise grave em que o desporto mergulhou. Uns apregoam a crise de «valores», outros de concepção e orientação, outros ainda de transformação do desporto num puro objecto mercantil.
Logo nos seus inícios (meados do século XIX), no momento em que Thomas Arnold concebeu e pôs em prática no seu colégio de Rugby a codificação de alguns jogos que designou como desportivos, a intenção básica foi muito mais a de utilizar o desporto como forma de transmissão de valores morais. Mas também logo aí referiu a primeira definição do amadorismo, estabelecida em 1886, distinguindo duas qualidades essenciais para o «amador» desportivo:
– o gentleman que não tomava parte em qualquer competição pública aberta a todos ou permitindo ganhar dinheiro;
– aquele que não fosse operário, nem artesão, nem jornaleiro, e que da actividade não retirasse qualquer benefício monetário.
Esta distinção tinha um objectivo sócio-político claro e constituía uma autêntica tomada de posição política no interior do próprio desporto. De um lado os privilegiados que tinham capacidade para se dedicar a uma actividade de tempo livre, do outro, a grande maioria que só poderia ter acesso à prática profissional, o seja, a uma actividade (boxe, futebol, ciclismo, etc.) em que era praticamente submetido a um processo de exploração definido pelo seu «patrão».
Esta dicotomia, surgiu muito cedo no desporto e traduzia uma forma de apropriação de uma nova importante actividade cultural, por uma determinada classe social. Durante cerca de mais de100 anos, deu origem a uma situação caracterizada por dois tipos de «hipocrisias», estruturando uma verdadeira tomada de posição política:
– a hipocrisia do desporto «puro», do «amadorismo integral», do «desporto neutro» e do «ideal olímpico» desencarnado, sempre apresentados sem contornos definidos, assentes numa concepção doutrinária essencialmente segregadora do ponto de vista social;
– a hipocrisia do «negociantes do desporto», aqueles que justificam a sua actividade com lucros financeiros que podem resultar para a «cidade», com as suas organizações (hoje já não têm a coragem de falar em «valores», mas falam em prestígio, «clube bandeira», comércio, etc.).
Assim se estabeleceu a base em que se travou uma acesa luta política durante mais de um século. No nosso País, durante todo esse tempo, predominou a concepção do desporto neutro: concepção que, na realidade, deu, para já, a «vitória» aos segundos.