Comentário

Escândalos

Ilda Figueiredo
Estiveram em destaque, na última sessão de Estrasburgo, algumas questões da maior importância pelas implicações que podem ter na vida das populações dos diferentes estados-membros, como foi o debate em torno do lançamento do novo ciclo da Estratégia de Lisboa e das orientações económicas para 2008, em que insistem no mesmo tipo de receitas, indiferentes ao escândalo que é manter cerca de 78 milhões de pessoas confrontadas com a pobreza, das quais mais de 25 milhões são trabalhadores com muito baixos salários, e quando o trabalho precário não pára de se multiplicar e já atinge mais de 106 milhões de trabalhadores da União Europeia. Com tudo isto, não espanta que os lucros dos grupos económicos e financeiros atinjam os valores mais elevados dos últimos 30 anos e cresçam as desigualdades na distribuição do rendimento. Mesmo quando se corre o risco de menor crescimento económico, e tudo exigia uma política de maior atenção à área social, ao investimento público e à criação de emprego com direitos, insistem em políticas restritivas e neoliberais, na «flexigurança» e em novas liberalizações.
Igualmente em destaque, esteve a declaração unilateral de independência do Kosovo, e o escândalo que é o seu reconhecimento por parte de diversos estados-membros da União Europeia, pondo em causa a credibilidade do direito internacional, ao apoiarem a declaração unilateral de independência de uma província face a um Estado, humilhando a Sérvia, criando artificialmente um pseudo Estado sob soberania vigiada, ou antes, de um protectorado criado e imposto, através da agressão e da ocupação militar, pelos EUA, pela NATO e pela União Europeia. É inadmissível que Portugal também participe nesta ilegalidade, a qual constitui, além do mais, um perigoso precedente no plano internacional, e pode ter consequências imprevisíveis.
Um outro tema em destaque na sessão de Estrasburgo, com contornos não menos escandalosos, foi a aprovação de um relatório onde se afirma que se «aprova o Tratado de Lisboa». Tratou-se do documento apresentado pelos eurodeputados Richard Corbett (Reino Unido, PSE) e Íñigo Méndez de Vigo (Espanha, PPE) que apresentaram o seu relatório sobre o Tratado de Lisboa, tecendo-lhe todos os louvores possíveis, mas, sobretudo, aproveitando para mais uma pressão inadmissível sobre os estados-membros, no momento em que decorre o processo de ratificação do Tratado de Lisboa. É que o Parlamento Europeu não tem poderes para aprovar tratados que aprofundem a integração europeia. Por isso, exorbitou das suas competências, procurando influenciar as opiniões públicas com um relatório em que afirma aprovar o referido Tratado, pressionando todos os estados-Membros da União à sua ratificação para que seja possível a respectiva entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 2009, ou seja, que possa entrar em vigor antes das eleições para o Parlamento Europeu, em Junho do próximo ano. Como tal competência é exclusiva dos estados-membros, a quem compete a sua ratificação, nos termos que a legislação fundamental do seu país determinar, tratou-se de um embuste político que mostra até onde as elites do poder estão disponíveis para ir sempre que se trate de defender os seus interesses. Dos 24 deputados portugueses que há no Parlamento Europeu, apenas dois votaram contra, exactamente os dois deputados do PCP.
Registe-se que, até agora, o novo tratado reformador foi ratificado por cinco estados-membros da União Europeia (Eslovénia, França, Hungria, Malta e Roménia) e outros dez países deram início aos processos de ratificação. A Irlanda é o único Estado-Membro onde previsivelmente se irá realizar um referendo sobre o Tratado, que pretendem que seja ratificado por todos os estados-membros até ao final de 2008.
Das várias questões, pressões e chantagens que envolvem este processo de ratificação do Tratado de Lisboa, destaca-se a contradição entre o que dizem ser «uma melhoria significativa para a democracia na União Europeia» e a recusa do referendo, para impedir que os cidadãos manifestem a sua opinião sobre Tratado. Para as elites do poder político e económico só interessa ouvir o povo se, à partida, estiver assegurado o voto favorável às suas posições. Mas, depois da recusa da dita constituição europeia na França e na Holanda, não querem correr mais riscos. E, por isso, estão a impor a sua vontade aos cidadãos, impedindo a realização de referendos nacionais, o que é uma grave mutilação da democracia participativa e, só por si, demonstra que têm medo do veredicto popular porque sabem que os trabalhadores e os povos recusam o Tratado.


Mais artigos de: Europa

Comunista eleito presidente

Demetris Christofias, secretário-geral do AKEL, foi eleito, no passado domingo, presidente do Chipre, derrotando por larga margem o candidato da direita.

Esquerda avança

As eleições para a cidade-estado de Hamburgo resultaram num novo avanço do partido Die Linke (A Esquerda) e em mais um revés para os correligionários cristãos-democratas da chanceler alemã Ângela Merkel.

Serviços mínimos furam greve

Os trabalhadores da empresa de transportes de Madrid (EMT) iniciaram, dia 22, uma série de nove greves, cinco das quais de 24 horas, convocadas por todos os sindicatos para exigir a conclusão do novo acordo colectivo.Apesar de a adesão ter sido quase total, de acordo com declarações sindicais, a lei draconiana que impõe...

Volkert condenado a prisão

O antigo responsável pelo comité de empresa do grupo Volkswagen, Klaus Volkert, foi condenado, dia 22, no processo de corrupção que permitiu à administração aliciar representantes dos trabalhadores para obter a «paz social», entre 1995 e 2005.Klaus Volkert, ex-sindicalista que recebeu quase dois milhões de euros em...

Carestia de vida alarma franceses

O governo francês anunciou, na segunda-feira, medidas de combate ao brusco encarecimento dos alimentos básicos nos últimos meses, acusando indústrias edistribuidores de «abusos».O primeiro-ministro, François Fillon, declarou que autoridades irão investigar o «comportamento das margens» comerciais, com o objectivo de...