Tá na hora

Anabela Fino
Ao fim de três anos de governo Sócrates, Portugal ainda não vive no melhor dos mundos mas para lá caminha. Esta a mensagem que o primeiro-ministro quis passar aos portugueses na entrevista que concedeu esta segunda-feira à SIC/Expresso.
Quem o ouviu – falamos do comum dos portugueses, claro, não da minoria de privilegiados que de tanto encher a barriga já passou a usar suspensórios, metafóricos e dos outros – quem o ouviu, dizia, deve ter ficado a dar voltas ao miolo para tentar descobrir de que país falava o nosso primeiro, que não era certamente o mesmo em que a maioria vive a tropeçar todos os dias em mais injustiças, mais desigualdades, mais repressão, e a braços com menos direitos.
Centrada nas áreas da Economia, Saúde, Educação e Política, a entrevista mais parecia um espectáculo de ilusionismo, com Sócrates a tirar de uma manga «94 mil postos de trabalho criados em três anos» e a fazer desaparecer na outra o meio milhão de desempregados hoje existentes no País – o maior desemprego de sempre desde o 25 de Abril –, ou a sacar da cartola as pretensas virtualidades da reforma da Saúde e a fazer desaparecer com um estalar de dedos, quase à mesma velocidade com que vão sendo encerrados os serviços de saúde, os mais de 700 mil portugueses sem médico de família.
Que são recomendações da Organização Mundial de Saúde, diz Sócrates, que de certeza nunca viajou de ambulância só com direito a motorista nem deve ter parado à beira da estrada para assistir a um parto, embora já tenha lesionado uma perna a fazer ski em moderna estância devidamente equipada para acorrer a tais percalços. E protestos, se os há, é porque os portugueses ainda não perceberam as vantagens do sistema que está ser implementado – uma questão de mensagem e mensageiro, tira aí o Manel e põe lá a Maria a ver se a coisa passa melhor – mas lá iremos, lá iremos.
Quem já percebeu tudo foi a iniciativa privada que não perde uma oportunidade, tão cheia de espírito de iniciativa que até já tem os seus agentes nas marchas de protestos pela saúde, como sucedeu este fim-de-semana em Odivelas, oferendo serviços à escala nacional, com cartões e sem complicações nem filas de espera, é para a mãe e para o menino, para o avô e para a neta, adira agora que quando ficar doente vai precisar, vamos ao domicílio e temos preços módicos. É aderir, é aderir, a Companhia de Seguros agradece.
Melhor mesmo só o estado da educação, coisa fina que por cá se pratica, fecha-aqui-abre-acolá, tudo por amor às crianças e à arte, às famílias e ao conhecimento, mão-de-obra é o que não falta e os professores que vão-trabalhar-malandros.
A política está bem e recomenda-se, escândalos nem vê-los, são os anjos no céu e o governo na terra, palavras para quê é um artista português.
Pelo que atrás ficou exposto está visto que adormeci e tudo não passou de um pesadelo, isto de ir para o sofá depois de jantar faz mal à saúde, pára a digestão, mais ainda se o programa é pesado, quem me manda a mim ceder às tentações da caixa que mudou o mundo...
Já bem acordada, ocorreu-me – e não foi propriamente em relação à televisão – que está mais do que na hora de mudar de programa.


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