O directório da guerra

Luís Carapinha

O Fórum Económico Mundial de Davos decorreu este ano numa atmosfera pesada

Rezam as crónicas que o Fórum Económico Mundial de Davos decorreu este ano numa atmosfera pesada, longe do fulgor que costuma animar a fina flor do mundo capitalista que ali anualmente se reune. À certeza da grave crise financeira em expansão aliam-se as inúmeras interrogações sobre a magnitude da tempestade que aí se anuncia. A perspectiva de uma aterragem demasiado violenta da economia norte-americana é motivo de temor para os epígonos do sistema, sobretudo quando encarada no plano do agravamento da crise sistémica do capitalismo e das inevitáveis repercussões na estabilidade e manutenção da actual ordem mundial hegemónica.
Não é, portanto, uma coincidência a recente divulgação de um relatório de um grupo de antigos militares de topo da NATO que clama por um conjunto de medidas draconianas, com destaque para a admissão do uso preemptivo de armas nucleares.

O papel – com o sugestivo título de «Uma grande estratégia para um mundo incerto» –, assinado pelo general John Shalikashvili, ex-comandante do Estado Maior Conjunto dos EUA e anterior chefe do comando supremo da NATO na Europa, e por antigos responsáveis militares da Alemanha, Grã-Bretanha, França e Holanda preconiza uma «estratégia globalizada transatlântica» e a formação de um «directório permanente ao mais alto nível político» entre os EUA, a NATO e a UE (El País, 15.01.08), capaz de fazer valer a «relação simbiótica» existente entre EUA e UE e coordenar «respostas comuns» para esconjurar as crises que colocam em «perigo os intereses comuns».
Do largo arco de desafios e ameaças invocadas no documento – que certamente não surgiu sem o aval das mais altas esferas e, como tal, será objecto de discussão na cimeira da NATO de Bucareste, em Abril – incluem-se a ascensão da Ásia e a «China como factor de risco», o «horizonte do Irão nuclearizado», o terrorismo internacional e a ameaça da guerra assimétrica, sem esquecer os problemas da segurança energética e alteração climática. No rol de medidas defendidas, refira-se ainda o abandono do critério do consenso na tomada de decisões, a imposição de uma disciplina mais rígida aos «parceiros» da NATO e o uso da força sem a autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas, sempre que a acção imediata se apresente necessária... para proteger um extenso número de vidas humanas. Onde é que já ouvimos isto?

Sensivelmente na mesma altura em que se conheceu aquele que já é apelidado de «manifesto radical» da NATO, a refeita maioria laranjista na Ucrânia (Presidência, Governo e Parlamento) emitia um documento conjunto em defesa da aceleração dos procedimentos de adesão do país à Aliança Atlântica.
Depois da vitória do plebiscisto de adesão à NATO na Geórgia – em paralelo com umas eleição presidenciais largamente contestadas pela oposição ao regime de Saakashvili, mas que a OCSE se apressou a considerar «essencialmente livres» –, tudo aponta pois para que a Cimeira de Bucareste, depois de Praga e de Riga, venha a dar novos passos na via do expansionismo «euroatlântico» em direcção ao «espaço vital» do Leste. E a «reformulação» em curso do mapa europeu complementa-se também com o avanço do projecto de defesa antimíssil dos EUA e a trama da «independência» unilateral do Kosovo, no qual a UE joga o papel de pivot da ilegalidade, não atendendo aos acrescidos riscos para a paz e a segurança no Velho Continente (e no plano global) que tais opções estratégicas representam.

Articular as lutas pela paz e a soberania, contra o imperialismo e a exploração capitalista, fundindo-as num amplo movimento de massas, constitui assim uma exigência maior do nosso tempo. Para poder banir as ameças do «directório da guerra» e da ordem neofascista que se desenha no horizonte.


Mais artigos de: Opinião

Muitas razões para lutar e para a afirmação comunista

Dados oficiais mostram que no Algarve, o ganho médio mensal é inferior à média nacional em cerca de 12,6 por cento. Com efeito, em fins de Outubro de 2005 (já lá vão 14 meses) o ganho médio mensal nacional era de 907,24 euros enquanto que na região era de 793,37 euros.

O insulto

«José Sócrates assinou projectos que não eram seus nos anos 80» titulou em primeira página o Público, especificando no interior ter José Sócrates assinado «entre 1981 e 1990 dezenas de projectos de arquitectura e engenharia de que não foi o autor e que foram depois aprovados pela Câmara da Guarda, muitos deles feitos por...

É Carnaval, ninguém leva a mal...

“É bom que tenhamos agora quatro dias em que não se fala de política para os portugueses não pensarem nisso e os próprios políticos poderem gozar com tranquilidade” – assim disse o Presidente da República, Cavaco Silva, na sexta-feira de Carnaval, quando questionado sobre o polémico subsídio de exclusividade atribuído a...

No parlamento

O novo modelo de debate parlamentar com o Primeiro Ministro, num formato quinzenal, com os Partidos a terem a primeira palavra, colocando questões sobre temáticas da sua exclusiva responsabilidade, deu margem para muitas leituras.Vejamos algumas delas, na certeza de não sermos exaustivos.A primeira é a de que o PS e a...

Ideias

Há uns anos, realizou-se nos EUA um estudo sociológico com o objectivo de detectar as causas das elevadíssimas taxas de abstenção verificadas naquele país – onde, não obstante o folclore pseudo democrático que antecede o acto eleitoral, a participação dos que escolhem o Presidente se situa, por vezes, abaixo dos 20%.O...