A desestabilização do Paquistão

Luís Carapinha

A apologia da democracia, repetida exaustivamente, soa a farsa intolerável

O mundo transitou para 2008 sob o signo da turbulência. A desconfiança e o nervosismo tomam conta das praças financeiras internacionais, expondo as fragilidades da descomunal economia de casino que molda o capitalismo contemporâneo. A gravidade da alastrante crise financeira global é tal que o primeiro-ministro britânico Gordon Brown na sua mensagem de Ano Novo já a qualifica como «o desafio mais imediato para todas as economias». No reverso da moeda, intensifica-se a escalada ofensiva e o aventureirismo do imperialismo, aumentando ainda mais o grau de imprevisibilidade e risco no mundo, onde as desigualdades e desequilíbrios não param de se agravar.
Neste contexto, a morte violenta de Benazir Bhutto no crepúsculo de 2007 surge, mais além da carga simbólica prenunciadora da tormenta, como marca impressiva do carácter sumamente perigoso, instável e de profunda incerteza da época actual.

Internamente, o assassinato «previamente anunciado» mas não evitado da líder do Partido do Povo do Paquistão (PPP) é mais uma acha na desestabilização e divisão do Paquistão que atravessa uma das piores crises desde a sua fundação em 1947.
Mas a convulsão deste país de cerca de 165 milhões de habitantes não deixará de se repercutir em toda uma vasta região, do Médio Oriente à Ásia Central e sub-continente indiano, incluindo as fronteiras da China e os «contrafortes» da Rússia.
Esta situação só confirma o carácter explosivo da famigerada estratégia da «guerra ao terrorismo», encabeçada pelos EUA. Mais: é ao imperialismo e à sua prática intervencionista e neocolonialista que têm que ser assacadas as principais responsabilidades da realidade que conduziu à morte de Bhutto e coloca em risco a unidade do país e região.

O crescente desgaste e desprestígio do regime ditatorial do Presidente Musharraf obrigam Washington a congeminar novos cenários. A apologia da democracia, repetida exaustivamente, soa a farsa intolerável. A aparente tentativa de impor um «pacto» de divisão do poder, permitindo o regresso do exílio de Bhutto, fracassou. Na véspera do atentado fora revelada a existência de um acordo com o Governo de Musharraf para instalar no país tropas dos EUA, no âmbito do combate à insurgência afegã (The Washington Pos, 26.12.07), possibilidade também defendida pela líder desaparecida do PPP.
A história mostra porém que a estratégia de dominação do imperialismo se move sempre em múltiplos tabuleiros. É oportuno lembrar aqui a extensa teia promíscua que num passado recente juntava a CIA, a ditadura e secreta paquistanesas (ISI), o obscurantismo e fundos sauditas, os mujaedine e, depois, o regime dos taliban. Agora decretou a cruzada universal contra o «inimigo de estimação» ainda há pouco municiado, impondo a engrenagem da «guerra ao terrorismo» e avançando na profusão de regimes fantoches. No Afeganistão anuncia-se a próxima nomeação de um «super-pretor» da NATO, actuando em nome da ONU! E quando o manto desta não é possível, envereda pelo caminho da mais aberrante ilegalidade, como é o caso actual do Kosovo.

Estratégia de dominação que só a luta das massas poderá inverter. O factor chave da mudança no sentido de um mundo melhor reside na sua acção e no protagonismo das forças políticas que representam as suas genuínas aspirações de justiça, progresso e soberania. No Paquistão, como no mundo.


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