Bioestatística e preces
Vem este na sequência de um texto anterior em que eu interrogava a eficácia terapêutica das preces utilizando os resultados de um estudo de grandes dimensões efectuado nos EUA, conduzido por Herbert Benson, que teve como objectivo estudar o efeito das preces em termos de probabilidades de complicações pós-operatórias em pacientes sujeitos a cirurgia de implantação de bypasses nas artérias coronárias. Um estudo que não apenas não evidenciou qualquer vantagem das preces em termos de uma menor incidência de complicações pós-operatórias como, pelo contrário, apresentou resultados que pareceram indicar que as preces, quando o paciente sabe que pedem por ele, têm um efeito de aumento em termos das mesmas complicações.
Houve mesmo quem, após a leitura desse meu texto, aventasse a hipótese de tais resultados apontarem para a possibilidade das pessoas, ao saberem do apoio que recebem em termos de preces, baixarem os braços em termos de luta, descontraírem um pouco, sossegarem em face a uma evolução pós-operatória benigna.
Eu, que não sou entendido nestas matérias, e muito menos ainda profissional destes ramos, mas que me interesso pelas questões terapêuticas - as pessoas de um modo geral interessam-se por estas matérias, uma vez que é a vida delas que está em jogo -, fui buscar mais material para tentar fundamentar melhor estes resultados. É que um estudo destes, não obstante as suas proporções e os cuidados metodológicos envolvidos, não obstante sobretudo os seus resultados terem levado 5 anos a vir a lume - o que demonstra o extremo cuidado com que foram tratados e interpretados -, não obstante tudo isto, poderão dizer, é «apenas» um estudo.
Nesse sentido achei por bem referir-me, no presente texto, a um ensaio escrito há mais de um século por Francis Galton, um primo de Charles Darwin, considerado como o fundador da moderna bioestatística. Um ensaio cujas conclusões foram publicadas em 1872.
Ora, Galton realizou uma pesquisa «à longevidade das pessoas por quem se reza; e também das classes que rezam em geral; e em ambos os casos podem ser obtidos com facilidade factos estatísticos»(1). Com efeito - e seguindo o que sobre o estudo de Galton escreve Gerald Weissman(2) -, desde tempos imemoriais foi sistematicamente oferecida a prece pública aos Domingos por uma longa vida à Família Real Inglesa. Foi buscar dados aos registos de 6500 biografias coligidas por um colega seu. E descobriu que a prece oferecida em favor daqueles que sabiam que estavam a pedir por eles era má para a sua saúde! De facto, os membros das casas reais tinham uma esperança média de vida de 64,0 anos, bastante menos que as dos outros aristocratas que gozavam de 67,3 anos ou de outra fidalguia cuja esperança média de vida atingia 70,2 anos. E continua Weissman: sabendo as reais pessoas que por elas rezavam os seus súbditos, sofriam um risco de um pior resultado devido às mesmas preces - tal qual como os doentes do estudo americano, referido atrás, quanto às probabilidades de complicações pós-operatórias em pacientes sujeitos a cirurgia de implantação de bypasses nas artérias coronárias…
E, tal como Darwin escreveu em carta de 8 de Novembro de 1872 para Galton: «Que tremenda agitação provocou em Inglaterra e na América o teu excelente artigo sobre a prece!», ainda na actualidade tais resultados, mais a mais semelhantes aos do referido estudo americano conduzido por Benson, publicados 134 anos mais tarde, ainda na actualidade, dizia, têm um potencial enorme de provocar grande agitação, inclusivamente naqueles países.
Não direi que os resultados dos referidos estudos, efectuados com base em métodos científicos, constituem irrefutáveis argumentos para proclamar verdades absolutas. Como já temos escrito, nunca a ciência deveria - poderia - vozear ter descoberto verdades à maneira das verdades reveladas, tal objectivo não faz parte da sua missão. De qualquer forma, os resultados apresentados não permitem concluir, como se tem querido fazer crer, que as preces de intercessão têm algum poder terapêutico. Diria antes, se não fosse um certo pudor científico a atacar-me, que os resultados de Galton e Benson, se alguma coisa provam, é exactamente o contrário - talvez pelo tal desarme psíquico frente à Natureza.
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(1) Galton, Francis (1872) - “Statistical inquiries into the efficacy of prayer”. Fortnightly Review 12: 125 -35.
(2) Weissman, Gerald (2007) - “Galileo’s Gout – Science in an Age of Endarkment”. New York: Bellevue literary press, pgs. 163 - 164.
Houve mesmo quem, após a leitura desse meu texto, aventasse a hipótese de tais resultados apontarem para a possibilidade das pessoas, ao saberem do apoio que recebem em termos de preces, baixarem os braços em termos de luta, descontraírem um pouco, sossegarem em face a uma evolução pós-operatória benigna.
Eu, que não sou entendido nestas matérias, e muito menos ainda profissional destes ramos, mas que me interesso pelas questões terapêuticas - as pessoas de um modo geral interessam-se por estas matérias, uma vez que é a vida delas que está em jogo -, fui buscar mais material para tentar fundamentar melhor estes resultados. É que um estudo destes, não obstante as suas proporções e os cuidados metodológicos envolvidos, não obstante sobretudo os seus resultados terem levado 5 anos a vir a lume - o que demonstra o extremo cuidado com que foram tratados e interpretados -, não obstante tudo isto, poderão dizer, é «apenas» um estudo.
Nesse sentido achei por bem referir-me, no presente texto, a um ensaio escrito há mais de um século por Francis Galton, um primo de Charles Darwin, considerado como o fundador da moderna bioestatística. Um ensaio cujas conclusões foram publicadas em 1872.
Ora, Galton realizou uma pesquisa «à longevidade das pessoas por quem se reza; e também das classes que rezam em geral; e em ambos os casos podem ser obtidos com facilidade factos estatísticos»(1). Com efeito - e seguindo o que sobre o estudo de Galton escreve Gerald Weissman(2) -, desde tempos imemoriais foi sistematicamente oferecida a prece pública aos Domingos por uma longa vida à Família Real Inglesa. Foi buscar dados aos registos de 6500 biografias coligidas por um colega seu. E descobriu que a prece oferecida em favor daqueles que sabiam que estavam a pedir por eles era má para a sua saúde! De facto, os membros das casas reais tinham uma esperança média de vida de 64,0 anos, bastante menos que as dos outros aristocratas que gozavam de 67,3 anos ou de outra fidalguia cuja esperança média de vida atingia 70,2 anos. E continua Weissman: sabendo as reais pessoas que por elas rezavam os seus súbditos, sofriam um risco de um pior resultado devido às mesmas preces - tal qual como os doentes do estudo americano, referido atrás, quanto às probabilidades de complicações pós-operatórias em pacientes sujeitos a cirurgia de implantação de bypasses nas artérias coronárias…
E, tal como Darwin escreveu em carta de 8 de Novembro de 1872 para Galton: «Que tremenda agitação provocou em Inglaterra e na América o teu excelente artigo sobre a prece!», ainda na actualidade tais resultados, mais a mais semelhantes aos do referido estudo americano conduzido por Benson, publicados 134 anos mais tarde, ainda na actualidade, dizia, têm um potencial enorme de provocar grande agitação, inclusivamente naqueles países.
Não direi que os resultados dos referidos estudos, efectuados com base em métodos científicos, constituem irrefutáveis argumentos para proclamar verdades absolutas. Como já temos escrito, nunca a ciência deveria - poderia - vozear ter descoberto verdades à maneira das verdades reveladas, tal objectivo não faz parte da sua missão. De qualquer forma, os resultados apresentados não permitem concluir, como se tem querido fazer crer, que as preces de intercessão têm algum poder terapêutico. Diria antes, se não fosse um certo pudor científico a atacar-me, que os resultados de Galton e Benson, se alguma coisa provam, é exactamente o contrário - talvez pelo tal desarme psíquico frente à Natureza.
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(1) Galton, Francis (1872) - “Statistical inquiries into the efficacy of prayer”. Fortnightly Review 12: 125 -35.
(2) Weissman, Gerald (2007) - “Galileo’s Gout – Science in an Age of Endarkment”. New York: Bellevue literary press, pgs. 163 - 164.