Ainda Charrua
Dois jornalistas zurziram há dias no «Caso Charrua», mas com um pormenor: malharam forte e feio no «Charrua», poupando inevitavelmente no «Caso».
O primeiro, João Miguel Tavares, escrevia no Diário de Notícias que Fernando Charrua (o saneado da DREN por ter contado anedotas sobre a licenciatura de Sócrates) «não precisava de vir para as televisões confessar “eu chamei filho da puta ao primeiro-ministro”. Mas devia ter dito: “Quaisquer excessos de linguagem que tenha cometido aconteceram no decorrer de uma conversa privada e ninguém tem nada a ver com isso”. Tivesse-o feito e mereceria todo o meu respeito». Como não o fez e ainda por cima «mentiu» ao andar «pelas ruas a jurar que se limitara a soltar “um comentário em tom jocoso”» , Charrua, segundo o articulista, «perde qualquer autoridade moral para andar agora a reivindicar indemnizações» e «a ameaçar processos contra o Estado».
Eis como, num simples volteio retórico, «um facto» que «se inicia com um acto de bufaria digno dos melhores tempos da PIDE» (como um pouco atrás declara o mesmo Miguel Tavares) se transforma numa «perda de autoridade moral» por parte da vítima, centrando nela umas patacoadas incriminadoras («mentiras», «cobardias») e esquecendo o essencial da questão: a inacreditável utilização do poder do Estado para se perseguir e castigar cidadãos por delitos de opinião.
No mesmo sentido vai José Leite Pereira que, do alto do seu posto de director no Jornal de Notícias, nem ao de leve aflora a questão central, preferindo visar o saneado com um ataque curto e grosso. «Convém recordar», escreve ele, «que Charrua, na presença de colegas de trabalho, chamou filho da puta ao primeiro-ministro. Se por isto merece as loas que tem tido e ainda se candidata a indemnizações via tribunal (...) então o país está mesmo mal, gravemente doente».
Para este exaltado comentador da realidade, o saneamento de um funcionário por um delito de opinião denunciado por um bufo não tem qualquer importância. Nem longinquamente lhe ocorreu que, tudo isto, apenas se distingue das práticas do fascismo porque, hoje, o assunto veio a público e desencadeou uma indignação generalizada. A sua cólera abate-se, inteira e furiosa, sobre o pobre saneado, a quem confirma a grave «falta» de ter chamado nomes ao primeiro-ministro (em privado, esqueceu ele), a quem acrescenta a responsabilidade de ter inspirado «loas» à sua pessoa, a quem vitupera por se candidatar a indemnizações e a quem, sobretudo, transforma no cerne do problema, que passa a resumir-se a uma grave «falta de educação» para com o primeiro-ministro e a merecer castigo.
Pelos vistos, para este senhor – tal como para Sócrates -, o «respeitinho» do tempo de Salazar será mesmo o que o País está a precisar.
Por estas posições, parece esboçar-se um certo empenho jornalístico na fulanização do «caso Charrua» e decorrente desvalorização do grave significado político do episódio. O facto de terem saído em dois «jornais de referência» pertencentes ao mesmo grupo (Controlinvest), não será, porventura, tão significativo, nem tão sério, como o facto maior de quase toda a comunicação social estar nas mãos de três grandes grupos económicos privados. Que, pelos vistos, continuam bastante satisfeitos com os desmandos da governação Sócrates – o que, se diz bastante dos poderosos que se apropriaram da Informação, dirá muito mais sobre o excelente Governo que aí temos.
O primeiro, João Miguel Tavares, escrevia no Diário de Notícias que Fernando Charrua (o saneado da DREN por ter contado anedotas sobre a licenciatura de Sócrates) «não precisava de vir para as televisões confessar “eu chamei filho da puta ao primeiro-ministro”. Mas devia ter dito: “Quaisquer excessos de linguagem que tenha cometido aconteceram no decorrer de uma conversa privada e ninguém tem nada a ver com isso”. Tivesse-o feito e mereceria todo o meu respeito». Como não o fez e ainda por cima «mentiu» ao andar «pelas ruas a jurar que se limitara a soltar “um comentário em tom jocoso”» , Charrua, segundo o articulista, «perde qualquer autoridade moral para andar agora a reivindicar indemnizações» e «a ameaçar processos contra o Estado».
Eis como, num simples volteio retórico, «um facto» que «se inicia com um acto de bufaria digno dos melhores tempos da PIDE» (como um pouco atrás declara o mesmo Miguel Tavares) se transforma numa «perda de autoridade moral» por parte da vítima, centrando nela umas patacoadas incriminadoras («mentiras», «cobardias») e esquecendo o essencial da questão: a inacreditável utilização do poder do Estado para se perseguir e castigar cidadãos por delitos de opinião.
No mesmo sentido vai José Leite Pereira que, do alto do seu posto de director no Jornal de Notícias, nem ao de leve aflora a questão central, preferindo visar o saneado com um ataque curto e grosso. «Convém recordar», escreve ele, «que Charrua, na presença de colegas de trabalho, chamou filho da puta ao primeiro-ministro. Se por isto merece as loas que tem tido e ainda se candidata a indemnizações via tribunal (...) então o país está mesmo mal, gravemente doente».
Para este exaltado comentador da realidade, o saneamento de um funcionário por um delito de opinião denunciado por um bufo não tem qualquer importância. Nem longinquamente lhe ocorreu que, tudo isto, apenas se distingue das práticas do fascismo porque, hoje, o assunto veio a público e desencadeou uma indignação generalizada. A sua cólera abate-se, inteira e furiosa, sobre o pobre saneado, a quem confirma a grave «falta» de ter chamado nomes ao primeiro-ministro (em privado, esqueceu ele), a quem acrescenta a responsabilidade de ter inspirado «loas» à sua pessoa, a quem vitupera por se candidatar a indemnizações e a quem, sobretudo, transforma no cerne do problema, que passa a resumir-se a uma grave «falta de educação» para com o primeiro-ministro e a merecer castigo.
Pelos vistos, para este senhor – tal como para Sócrates -, o «respeitinho» do tempo de Salazar será mesmo o que o País está a precisar.
Por estas posições, parece esboçar-se um certo empenho jornalístico na fulanização do «caso Charrua» e decorrente desvalorização do grave significado político do episódio. O facto de terem saído em dois «jornais de referência» pertencentes ao mesmo grupo (Controlinvest), não será, porventura, tão significativo, nem tão sério, como o facto maior de quase toda a comunicação social estar nas mãos de três grandes grupos económicos privados. Que, pelos vistos, continuam bastante satisfeitos com os desmandos da governação Sócrates – o que, se diz bastante dos poderosos que se apropriaram da Informação, dirá muito mais sobre o excelente Governo que aí temos.