Justiça virtual

Margarida Botelho
Com pompa, circunstância e um Secretário de Estado a abrilhantar a inauguração, Portugal passou a ser, desde 27 de Julho, oficial e orgulhosamente o primeiro país do mundo a abrir um Tribunal virtual. Foi no reino da Second Life – Segunda Vida, um jogo de computador tridimensional e on-line em que cada inscrito tem uma personagem que interage com outras, simulando a vida real. O jogo é o último grito da moda e gaba-se de ter mais 8 milhões de jogadores inscritos. Para a simulação ser mais perfeita, há dinheiro convertível em dólares americanos a circular e multinacionais com sedes virtuais - e lucros bem reais.
Para dar aquele ar simplex, tecnológico e moderno que o Governo PS tanto se esforça por ter, lá fez uma parceria com duas instituições de ensino superior para montar aquilo a que chamam E-Justice Center – Centro de Mediação e Arbitragem, que pretende ser uma espécie de mediador para os conflitos que surjam no reino da Second Life.
Diz o comunicado do Ministério da Justiça que esta inauguração assinala «a aposta do Estado português e da Presidência da União Europeia em meios alternativos de resolução de conflitos, como a arbitragem e a mediação». O pior é que não assinala aposta nenhuma a não ser em fogo de artifício para enganar os distraídos.
O que existe hoje no sector da Justiça no nosso país é uma gritante falta de meios e de condições de trabalho dos profissionais, sendo urgente o preenchimento dos quadros de pessoal e a modernização de instalações e equipamentos, sob pena de se continuarem a acumular processos atrasados. O que existe hoje é a desresponsabilização do Estado pela Justiça: o Governo já privatizou o notariado e partes do sistema prisional, ameaça encerrar dezenas de estabelecimentos prisionais e de comarcas do interior do país.
O pior que se passa na Justiça portuguesa é que esta se transforma cada vez mais numa justiça de classe, em que quem tem dinheiro acede a bons advogados e quem não tem fica à porta – sem informação jurídica nem apoio judiciário, sujeito a elevadíssimas taxas e custas. O pior que se passa na Justiça do nosso país é o sentimento de impunidade e de desigualdade no tratamento, que mina o próprio direito democrático.
Os portugueses são pessoas com problemas concretos e uma só vida para viver – e é nessa vida que exigem e lutam por justiça.


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