Prisões secretas da CIA

Indícios tornam-se certezas

Os Estados Unidos e a NATO firmaram um acordo secreto em 2001 para que a CIA pudesse utilizar prisões secretas na Europa para a detenção de suspeitos de terrorismo, revela o segundo relatório Conselho da Europa, elaborado pelo deputado suíço, Dick Marty.

EUA e NATO firmaram acordo secreto para detenções ilegais

«Existe a certeza sobre aquilo que antes eram indícios», declarou o autor da investigação, numa conferência de imprensa realizada na sexta-feira, 8, em Paris.
No seu relatório sobre as actividades ilegais da CIA na Europa, Dick Marty afirma que houve colaborações, quer «públicas» quer «secretas», entre os Estados Unidos e os seus aliados da Aliança Atlântica na base do acordo concluído a 4 de Outubro de 2001.
Este documento terá igualmente servido de «plataforma para acordos bilaterais secretos», que previam, nomeadamente, «autorizações gerais para voos militares norte-americanos» e o fornecimento de «ajuda» aos estados alvo de ameaças terroristas.
O relator especial do Conselho da Europa confirma ainda que, entre 2003 e 2005, foram criados centros de detenção da CIA na Polónia e na Roménia com o acordo dos presidentes dos dois países.
«Tivemos a confirmação, clara e detalhada, das nossas fontes, com origem nos serviços secretos norte-americanos e nos países envolvidos, que aqueles dois países acolheram centros secretos de detenção no quadro de um programa especial da CIA, elaborado pela administração norte-americana após 11 de Setembro de 2001».
Estas informações são «corroboradas» por dados dos movimentos aéreos, os quais apesar dos desmentidos dos governos, designadamente da Polónia, «foram provados graças a diferentes fontes documentais».

Governos desmascarados

Dick Marty garante que o ex-presidente polaco Aleksander Kwasniewski «conhecia e aprovou» o papel do seu país nas actividades secretas de detenção realizadas no território pela CIA.
Por seu turno, o antigo presidente romeno, Ion Iliescu, negociou e assinou no dia 30 de Outubro de 2001 um acordo com os Estados Unidos, prevendo «uma extensão do volume e alcance das actividades norte-americanas em solo romeno». Deste modo, Washington obteve um regime de acesso especial ao território romeno.
No mesmo período, refere o relatório, há indícios de que terão existido centros de detenção em território do Reino Unido e da Tailândia. Outros países como a Alemanha, Itália e Macedónia são citados no documento por terem dificultado as investigações.
A existência de prisões ilegais da CIA foi reconhecida pelo próprio presidente norte-americano em Setembro passado. George W. Bush qualificou o programa secreto como «inestimável» para melhorar a segurança dos EUA e dos seus aliados após os atentados de 11 de Setembro de 2001, provando, afinal, que os seus parceiros europeus mentiam.
Apesar disso, também desta vez as entidades e governos visados não tardaram a reagir ao relatório de Marty procurando desacreditá-lo.
Todavia, o deputado está seguro dos factos apurados pela sua investigação e explica que utilizou fontes dos próprios serviços de informação americanos, polacos ou romenos. As pessoas que contactou só aceitaram falar mediante «total anonimato», condição que foi autorizada pela Comissão Jurídica do Conselho da Europa.
«Nunca nos fundamentámos numa única fonte, ou mesmo mais do que uma provenientes do mesmo serviço. Procedemos sempre a cruzamentos dos dois lados do Atlântico para evitar qualquer perigo de manipulação». Para além disso, os indícios recolhidos foram depois «confrontados com a análise dos movimentos dos aviões».

A lista dos desaparecidos

Dez organizações de defensa dos direitos do homem, entre elas, a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch, publicaram, dia 7, uma lista de 39 pessoas que continuam desaparecidas na chamada «guerra contra o terrorismo».
Este relatório, intitulado em inglês «Off de Record: US Responsability for Enforced Disapperances in de “War on Terror”» (Secreto: A Responsabilidade dos EUA nos Desaparecimentos Provocados na «Guerra contra o Terror») fornece os dados pessoais dos 39 cidadãos originários do Egipto, Quénia, Líbia, Marrocos, Paquistão e Espanha, cujo rasto se perdeu há vários anos, tudo indicando que continuam presos algures no mundo.
A detenção de três deles foi confirmada pelas autoridades federais norte-americanas, mas várias organizações afirmam possuir provas sólidas do encarceramento de 18 outros, bem como informações parcelares sobre os 18 restantes.
O relatório indica ainda que familiares dos detidos, designadamente mulheres e crianças, foram alvos de detenções secretas e ilegais. Tal foi, por exemplo, o caso de dois filhos de Khalid Cheikh Mohamed, apontado como o cérebro dos atentados de Nova Iorque. Com apenas 7 e 9 anos de idade, estas duas crianças foram colocadas num centro de detenção para adultos, onde permaneceram pelo menos quatro meses, enquanto o seu pai era interrogado por agentes americanos.

Prodi evoca segredo de Estado

O primeiro julgamento directamente relacionado com as actividades ilegais da CIA em território europeu iniciou-se, na sexta-feira, 8, em Milão. A justiça italiana acusou 33 pessoas pelo sequestro e transferência ilegal para o Egipto, em 2003, do íman egipcío, Abu Omar, de 44 anos.
Entre os acusados, figuram 26 agentes da CIA, o ex director dos serviços secretos militares italianos (Sismi) e o chefe da contra-espionagem transalpina e dois altos funcionários daqueles serviços.
A procuradoria de Milão tinha solicitado a extradição dos agentes norte-americanos implicados no caso, porém, o governo de Prodi não tomou medidas nesse sentido, preferindo apresentar um recurso no Tribunal Constitucional, no qual evoca a violação do segredo de Estado para tentar anular o julgamento.
Ainda assim, o juiz Oscar Magi decidiu julgar à revelia os 26 agentes, considerando que estes apesar de conhecerem as acusações não se apresentaram deliberadamente perante o tribunal.
Nesta primeira audiência, a defesa pediu a suspensão do julgamento até à decisão do Tribunal Constitucional, mas o juiz decidiu marcar nova sessão para a próxima segunda-feira, dia 18.
Referindo-se a este processo em Itália, o relator do Conselho da Europa, Dick Marty, acusou o governo de Romano Prodi de ter ido «ainda mais longe» do que o seu antecessor liderado por Sílvio Berlusconi para «obstruir» o trabalho da justiça.
O recurso ao Tribunal Constitucional, sublinhou Marty, «argumenta que as provas utilizadas estão ao abrigo do segredo de Estado. Considero isso bastante chocante».


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