Conspiração na Venezuela (2)
Em 1980, a igreja pronuncia-se deste modo sobre a televisão na Venezuela: «dada a peculiar obrigação do Estado de velar pela saúde e o progresso do nosso povo, é legítimo esperar que elabore uma actualizada, coerente, clara, valente e realista regulamentação neste campo e a ponha em prática com decisão e consequente firmeza». Nos anos seguintes insistiu no tema. Agora o discurso é outro...
Há pouco anos, em 1995, outro político de vulto ardeu na fogueira mediática. Escobar Salom reuniu-se com representantes da televisão para lhes dizer que o governo não pretendia intervir e que deviam ser eles a tomar medidas. Isto foi em Fevereiro. Oito meses depois renunciou, derrotado.
Por esses dias, um escritor antibolivariano ligado à televisão, Ibsen Martinez, pronunciou-se [1] dizendo que pensar numa auto-regulação da televisão equivalia a «pedir a Al Capone e a O´Banion que elaborassem um código de ética para a guerra de gangsters na Chicago da lei seca».
Em 1991, mais de 1300 mulheres publicam um documento onde acusam «a televisão venezuelana de se ter convertido na melhor escola do crime, da devassidão moral e da delinquência». Em 1995, a Universidade Católica solicita a eleição de um ombusdesman e que o Estado «seja mais diligente no seu trabalho de regulação».
Podíamos continuar com testemunhos e preocupações de todos os quadrantes políticos sobre o papel da televisão na Venezuela, mas antes de dar a palavra a quem foi certamente a figura mais emblemática dessa televisão, precisamente na RCTV, recordemos uma opinião, de 2006, de um estudioso da comunicação social, Antonio Pasqualli, também antibolivariano: «Esse oligopólio envenenou o país durante decénios com péssima qualidade e excessos publicitários, tentou destruir o sistema democrático e parlamentar, abriu o caminho a Chávez e depois tratou de o derrubar, bêbada, inter alia, por um poder que lhe outorgava o seu incessante açambarcamento de 80% do mercado publicitário nacional.»
Um ícone fora de discussão
Renny Ottolina foi o típico exemplo do self-made man. Nunca passou pela universidade e aprendeu inglês a trabalhar na Embaixada dos Estados Unidos. Os seus programas foram os de maior audiência da RCTV e essa foi a «morte do artista». Porque ganhava mais do que os donos do canal foi despedido como produtor independente, e por iniciativa dos mesmos foi vetado nos outros, apesar de ser O Número 1, como locutor e produtor. Sendo candidato presidencial, faleceu em 1978, num acidente aéreo nunca esclarecido.
Claramente identificado com o capitalismo, via assim a televisão do seu país. «... não contribui com o que deveria para a cultural nacional.» (...) «Patrocinadores, agências (de publicidade) e estações não hesitam em produzir os programas e os anúncios mais ordinários, reles e assombrosamente insultantes para conseguir o rating mais alto possível». Para chegar ao «grosso do público» ... solta carradas «diárias de telenovelas onde as filhas disputam o marido da mãe, as mães não sabem quem são os seus filhos e onde os filhos não sabem quem são o seus pais». (...) «A televisão tem uma influência na família muito maior do que a de qualquer outro meio de comunicação de massas». (...) «Quem não sabe assumir essa responsabilidade, não está à altura da força de que dispõe». Depois de afirmar que a televisão vai de mal em pior e de convidar a um exame de consciência, adverte: «A não ser assim, eu prevejo que a televisão venezuelana vai continuar a afundar-se dia a dia no seu mar de vulgaridade irresponsável com a única consequência de provocar a intervenção do Estado...».
Como é óbvio, Ottolina não estava de acordo com tal intervenção – mesmo sem sonhar que o interventor poderia ser progressista – e perguntava-se e respondia-se: «De quem será então a culpa? A resposta é uma só: daqueles que hoje em dia pagam e administram a indústria da televisão venezuelana».
No contexto do «caso RCTV», a filha de Ottolina acaba de publicar uma carta onde recorda que quem acabou com a vida profissional do pai foi a RCTV, canal que acusa de «grande hipocrisia» e de não ter outros interesses a não ser os seus, ao mesmo tempo que denuncia que têm sido os próprios canais de televisão os grandes donos da liberdade de expressão, na medida em que a limitam às suas conveniências.
[1] Citado, a 5 de Maio, por Teodoro Petkoff, ex-esquerdista hoje proprietário de um pasquim anti-bolivariano declarado.
Há pouco anos, em 1995, outro político de vulto ardeu na fogueira mediática. Escobar Salom reuniu-se com representantes da televisão para lhes dizer que o governo não pretendia intervir e que deviam ser eles a tomar medidas. Isto foi em Fevereiro. Oito meses depois renunciou, derrotado.
Por esses dias, um escritor antibolivariano ligado à televisão, Ibsen Martinez, pronunciou-se [1] dizendo que pensar numa auto-regulação da televisão equivalia a «pedir a Al Capone e a O´Banion que elaborassem um código de ética para a guerra de gangsters na Chicago da lei seca».
Em 1991, mais de 1300 mulheres publicam um documento onde acusam «a televisão venezuelana de se ter convertido na melhor escola do crime, da devassidão moral e da delinquência». Em 1995, a Universidade Católica solicita a eleição de um ombusdesman e que o Estado «seja mais diligente no seu trabalho de regulação».
Podíamos continuar com testemunhos e preocupações de todos os quadrantes políticos sobre o papel da televisão na Venezuela, mas antes de dar a palavra a quem foi certamente a figura mais emblemática dessa televisão, precisamente na RCTV, recordemos uma opinião, de 2006, de um estudioso da comunicação social, Antonio Pasqualli, também antibolivariano: «Esse oligopólio envenenou o país durante decénios com péssima qualidade e excessos publicitários, tentou destruir o sistema democrático e parlamentar, abriu o caminho a Chávez e depois tratou de o derrubar, bêbada, inter alia, por um poder que lhe outorgava o seu incessante açambarcamento de 80% do mercado publicitário nacional.»
Um ícone fora de discussão
Renny Ottolina foi o típico exemplo do self-made man. Nunca passou pela universidade e aprendeu inglês a trabalhar na Embaixada dos Estados Unidos. Os seus programas foram os de maior audiência da RCTV e essa foi a «morte do artista». Porque ganhava mais do que os donos do canal foi despedido como produtor independente, e por iniciativa dos mesmos foi vetado nos outros, apesar de ser O Número 1, como locutor e produtor. Sendo candidato presidencial, faleceu em 1978, num acidente aéreo nunca esclarecido.
Claramente identificado com o capitalismo, via assim a televisão do seu país. «... não contribui com o que deveria para a cultural nacional.» (...) «Patrocinadores, agências (de publicidade) e estações não hesitam em produzir os programas e os anúncios mais ordinários, reles e assombrosamente insultantes para conseguir o rating mais alto possível». Para chegar ao «grosso do público» ... solta carradas «diárias de telenovelas onde as filhas disputam o marido da mãe, as mães não sabem quem são os seus filhos e onde os filhos não sabem quem são o seus pais». (...) «A televisão tem uma influência na família muito maior do que a de qualquer outro meio de comunicação de massas». (...) «Quem não sabe assumir essa responsabilidade, não está à altura da força de que dispõe». Depois de afirmar que a televisão vai de mal em pior e de convidar a um exame de consciência, adverte: «A não ser assim, eu prevejo que a televisão venezuelana vai continuar a afundar-se dia a dia no seu mar de vulgaridade irresponsável com a única consequência de provocar a intervenção do Estado...».
Como é óbvio, Ottolina não estava de acordo com tal intervenção – mesmo sem sonhar que o interventor poderia ser progressista – e perguntava-se e respondia-se: «De quem será então a culpa? A resposta é uma só: daqueles que hoje em dia pagam e administram a indústria da televisão venezuelana».
No contexto do «caso RCTV», a filha de Ottolina acaba de publicar uma carta onde recorda que quem acabou com a vida profissional do pai foi a RCTV, canal que acusa de «grande hipocrisia» e de não ter outros interesses a não ser os seus, ao mesmo tempo que denuncia que têm sido os próprios canais de televisão os grandes donos da liberdade de expressão, na medida em que a limitam às suas conveniências.
[1] Citado, a 5 de Maio, por Teodoro Petkoff, ex-esquerdista hoje proprietário de um pasquim anti-bolivariano declarado.