Por vias tortas
Há os que, para se afirmarem e parecerem ser no presente, têm como única réstia de crédito deitar mão ao que foram no passado e entretanto deixaram de ser. Ou, dizendo de outro modo, valendo pelo que foram e não pelo que são, rebuscam no passado que renegaram algo que lhes permita ser levados a sério no presente. Como que um género de ser o que se não é, porque o que se é... é como se não fosse. Esta categoria de género humano, tão velha quanto a idade histórica de traições ou abdicações, tem necessariamente de ser invocada perante o que se leu e ouviu a propósito de um livro dado à estampa por Raimundo Narciso sob o sugestivo título de «Cunhal e a dissidência da terceira via». Passando ao lado do truque de rentabilizar o filão que o nome e o prestígio de Álvaro Cunhal parecem assegurar à partida a uma obra menor; fingindo não ver, por razões de higiene intelectual, o atrevido descaramento de construir as suas estórias na base de alegadas afirmações atribuídas a quem já não pode categoricamente desmenti-las; deixando à margem, (atendendo ao crédito da obra) como coisa normal algumas das descaradas mentiras a que o autor recorreu para a compor; não ligando ao facto de a prosa se sustentar num conjunto vasto de alegações, eventuais factos e conversas que não podendo, segundo o autor, ser confirmadas (porque inexistentes), sabe também não poderem ter o desmentido que merecem; deixando de lado a comprovada notoriedade que a categoria de «ex», tratando-se de comunistas, vai facultando aos que ainda são pelo que foram – posto tudo isto de lado, e o mais que se poderia acrescentar, retenhamos porém duas anotações.
A primeira, para registar o facto de alguém, quase duas décadas passadas, não ter nada para escrever ou dizer sobre o seu percurso recente, que a supor pela «convicção» com que abalou em direcção a um poder que lhe era prometido em troca de uma mal sucedida operação de desagregação do PCP, daria uma empolgante obra sobre os meandros da dissidência e os meios que a envolvem e promovem.
A segunda, para anotar não ser ainda desta vez que nos é facultado ler o que era suposto o autor escrever sobre a súbita volatilização da substância renovadora do ideal comunista (de que nos tempos em que ainda tinha algum presente para apresentar Narciso jurava estar impregnado) e a não menos repentina adesão às políticas de direita do PS que, talvez rendido ao irresistível argumento ideológico que um lugar no parlamento sempre constitui, conduziu a uma tão precoce desistência do ideal que então o tomava.
Malograda por agora a expectativa de se ler sobre a coisa actual, aguarde-se em novas obras algo sobre essa outra face de um percurso de quem em busca da «terceira via» se meteu por atalhos e vias tortas.
A primeira, para registar o facto de alguém, quase duas décadas passadas, não ter nada para escrever ou dizer sobre o seu percurso recente, que a supor pela «convicção» com que abalou em direcção a um poder que lhe era prometido em troca de uma mal sucedida operação de desagregação do PCP, daria uma empolgante obra sobre os meandros da dissidência e os meios que a envolvem e promovem.
A segunda, para anotar não ser ainda desta vez que nos é facultado ler o que era suposto o autor escrever sobre a súbita volatilização da substância renovadora do ideal comunista (de que nos tempos em que ainda tinha algum presente para apresentar Narciso jurava estar impregnado) e a não menos repentina adesão às políticas de direita do PS que, talvez rendido ao irresistível argumento ideológico que um lugar no parlamento sempre constitui, conduziu a uma tão precoce desistência do ideal que então o tomava.
Malograda por agora a expectativa de se ler sobre a coisa actual, aguarde-se em novas obras algo sobre essa outra face de um percurso de quem em busca da «terceira via» se meteu por atalhos e vias tortas.