Com a esperança na voz
Adriano Correia de Oliveira faria, segunda-feira, 65 anos. Nascido no Porto a 9 de Abril de 1942, morreu cedo de mais: apenas 40 anos depois, em Avintes, a mesma localidade que o viu crescer. Mas, se foi breve demais esta vida, não foi vivida em vão.
Em Coimbra, para onde foi estudar Direito, em 1959, deparou-se com uma intensa actividade estudantil e cultural. Ainda «caloiro», iniciou-se no teatro e na música. Com grande sensibilidade para a poesia e para a música popular e dotado de um timbre de voz único e de uma emoção intensa, que colocava em todos os temas que interpretava, iniciou uma carreira musical própria, juntamente com alguns dos compositores e músicos que o acompanhariam durante toda a sua vida. Em 1960, grava o seu primeiro disco, com o título Noite de Coimbra.
É também em Coimbra que toma contacto com o forte movimento antifascista estudantil, ao qual adere desde a primeira hora. Também em Coimbra, junta-se ao PCP, o seu partido de sempre e para sempre. Na sua música, da sua extrema emotividade, está sempre presente a sua dedicação aos trabalhadores, ao povo, aos ideais da liberdade, da democracia, do socialismo.
Entre 1960 e 1980, grava mais de noventa temas, que constituíram aquela que é uma das mais ricas obras musicais do século XX português. Depois do primeiro disco, grava Balada do Estudante (1961); Fados de Coimbra (1961); Fados de Coimbra (1962); Trova do Vento que Passa (1962); Lira (1964); Menina dos Olhos Tristes (1964); Adriano Correia de Oliveira (1967); O Canto e as Armas (1969); Cantaremos (1970); Gente de Aqui e de Agora (1971); A Vila de Alvito (1974); Que Nunca Mais (1975); Para Rosalia (1976); Notícias de Abril (1978); Cantigas Portuguesas (1980) e, editado a título póstumo, Memória de Adriano (1983).
Antes e depois do 25 de Abril percorre o País e o mundo com a sua voz, carregada de esperança, em espectáculos musicais ou em sessões e comícios do seu Partido. Muitas das vezes sem ganhar nenhum dinheiro com isso. Morreu em Avintes, em Outubro de 1982. Tinha 40 anos.
Em seguida, publicamos três textos, da autoria de José Sucena, sobre três vertentes da vida de Adriano Correia de Oliveira para lá da música: o Adriano amigo, filho, militante. Um olhar, por quem o conheceu a fundo.
O Partido
A quinta do Engenheiro Flávio Martins, na Arrancada, ali perto de Águeda, foi durante muitos anos lugar de encontro de muitos comunistas e de outros opositores ao regime fascista.
Homem do Partido, desde novo dividia a sua vida entre o Porto e Águeda conspirando, promovendo reuniões para discutir acções e iniciativas da «oposição» ou meros encontros onde se discutia política e se convivia.
Exímio guitarrista e compositor inspirado, o António Portugal, casado em Águeda, conhecedor desta disponibilidade e apreciador, sem fraquejar, dos excelentes vinhos, tintos e brancos, do Engenheiro Flávio, trouxe à Arrancada o Adriano. Corria o ano de 1962 e desenvolvia-se uma intensa luta na Academia de Coimbra contra a ditadura.
Chegado a Coimbra para frequentar o primeiro ano (1959/60) da Faculdade de Direito, rapidamente a voz límpida e forte e ao mesmo tempo meiga do Adriano se impôs, tendo cantado e gravado fados tradicionais de Coimbra de autores como António Menano ou Luís Goes.
Este convívio musical e a luta em que a Academia estava envolvida, permitiu ao Adriano tomar contacto com uma realidade que, até ali, lhe tinha passado um pouco de lado.
Leu, ouviu, discutiu, conheceu e logo se tornou militante antifascista e, de seguida, aderiu ao Partido.
Com forte implantação na Academia, o Partido tinha entre os seus militantes e apoiantes na luta que travava pela liberdade e pela autonomia das universidades vários poetas que, inspirados pela ideologia libertadora e revolucionária que então os moldava como pessoas, faziam dos seus versos armas de luta e de resistência.
Por razões políticas, mas também de sensibilidade emergente e estéticas, o Adriano abandona os fados tradicionais de Coimbra e abre-se para as canções de intervenção.
Canta pela liberdade contra a guerra colonial. Canta pela terra e pela paz. Assume-se como um lutador, um militante contra o fascismo.
Rapidamente se torna conhecido entre os comunistas e outros antifascistas que o chamam para cantar em tudo o que são iniciativas contra a ditadura. Percorre o País com coragem, determinação e total disponibilidade.
Canta em associações culturais e recreativas, em pequenas ou grandes sessões de propaganda política da CDE – Comissão Democrática Eleitoral, aquando das eleições de 1969, está presente nos Congressos Republicanos de 1969 e 1973, vai a sessões de campanha das listas apoiadas pelo Partido nas eleições para as associações académicas, ficando célebre a sua actuação, com o José Afonso, em 1969 na Faculdade de Medicina que acabou com uma violenta entrada da polícia; é visita regular da então chamada Representação Comercial de Cuba de cuja Revolução é apoiante incondicional e que acompanha passo e passo com a leitura do Granma e com a audição dos discursos de Fidel Castro que lhe chegavam em discos de vinil.
Pôs a sua casa à disposição do Partido onde se fariam várias reuniões de camaradas clandestinos, alguns dos quais lá estiveram por curtos períodos escondidos da PIDE. De entre eles, um pelo menos, disso se esqueceu quando, já céptico, não prestou a ajuda de que o Adriano precisava.
Chegada a liberdade, cantou com o seu Partido, o Partido Comunista Português, em tudo o que era sítio, com condições e sem condições, em pavilhões e ao ar livre, em cidades, vilas e aldeias, para multidões ou para poucas pessoas em que sobressai, entre algumas outras, uma sessão da campanha eleitoral de 1976 numa aldeia do concelho de Viseu, em que cantou em cima de um carro de bois, ao ar livre e sem instalação sonora, para um reduzido número de pessoas que o receberam de forma hostil, mas que soube acalmar e criar as condições para que o cabeça de lista pudesse intervir.
Homem de partido, militante incansável e de uma disponibilidade total, forte de convicções, afável e recto, o Adriano voltou a passar por Águeda, num sábado de manhã, a caminho do Barreiro onde foi cantar numa iniciativa do Partido. No sábado seguinte, 16 de Outubro de 1982, partiu. Mas ficou connosco.
A Amizade
Somos muitos os Amigos que hoje aqui, no seu jornal, o Avante!, nos reunimos para conversar sobre o Adriano.
Alguns através da música, outros através da palavra. Todos, porém, através da lembrança deste ou daquele momento com ele passado em animado convívio ou discussão; na plateia de uma qualquer sala de espectáculos; em comícios mais ou menos grandiosos; em serenatas coimbrãs; ou em simples cavaqueira de varanda sobre o Douro, beberricando um saboroso copo de vinho verde feito com a arte e o carinho só conhecidos no Senhor Joaquim Oliveira, pai sempre atento e preocupado em produzir e guardar os mais saborosos enchidos e presuntos para o Adriano poder compartilhar com os seus Amigos em Avintes.
Desta lembrança, ressalta comum a todos nós a imagem de um homem fraterno e solidário.
Que o Adriano quis e soube ser, na medida em que viveu a construir por toda a parte amizades fraternas que fizeram com que ele nunca fosse só.
Alguém lembrou daí aquela ida a Trás-os-Montes onde, após as cantigas, lá estava aquele Amigo a oferecer a sua casa para o merecido sono.
E, depois, no Alentejo onde terminada a jornada de luta ao lado dos trabalhadores da Reforma Agrária – «Dá o Outono as uvas e vinho/ dos olivais azeite nos é dado/ dá a cama e a mesa o verde pinho/ as balas deram sangue derramado» – apareceu outro Amigo que ofereceu umas perdizes de Portel, que o Adriano trouxe para Lisboa e que, cozinhadas com a arte que lhe conhecíamos, foram solenemente apreciadas. Nesse dia o Adriano fê-las à moda da Mãe – essa Senhora de nome Laura de olhar azul e doce de quem todos, ao entrar na casa de Avintes, logo gostavam e que tudo dispunha para os Amigos do filho que considerava seus filhos também.
Mais tarde, o Adriano esteve em Castelo Branco.
Pela Beira Baixa cantou — «era ainda pequenino/ acabado de nascer/ inda mal abria os olhos/ já era para te ver».
Lá esteve o Amigo que com ele conversou e discutiu os últimos artigos dos jornais.
Chegou o verão. No Algarve era outro Amigo que, na Fuzeta, fazia questão em oferecer a sua casa e dar-lhe a conhecer os pescadores para um passeio de barco ou para conseguir as indispensáveis variedades de peixe, sempre fresco, para a caldeirada de fazer Amigos.
Naquela imensidão de praia e mar, o Adriano lembrava-se muitas vezes das ilhas, logo ali do lado de lá, onde outros Amigos lhe punham à disposição a Ilha da Madeira.
Aquela Madeira donde tinha vindo para Coimbra, e para a mesma República, um daqueles Amigos, mais tarde morto na guerra colonial — «anda bem triste um amigo/ uma carta o fez chorar/ o soldadinho não volta/ do outro lado do mar».
Ou, os Açores onde um Amigo lhe proporcionava ouvir os cantares populares – «a ausência tem uma filha/ que se chama saudade/ eu sustento mãe e filha/ bem contra a minha vontade».
De regresso ao Norte, o Adriano tinha no Minho a garantia da companhia doutro Amigo e, no Porto, lá estavam vários.
Na Beira Alta, que percorreu com a voz e a viola, estava hoje com um, amanhã com outro e no outro dia ainda havia tempo para estar com um terceiro.
Mas há outros pontos de referência na vida solidária do Adriano: no Couço ou nas Caldas da Rainha lá estavam outros Amigos.
E na Beira junto ao mar?
Em Aveiro dos Congressos Republicanos eram vários os Amigos que ele procurava, de entre eles um dos maiores de Aveiro, de quem ouvia com respeito a palavra certa.
Em Águeda, são muitos os Amigos do Adriano.
Aqui, qualquer que fosse a hora ou o dia, tinha sempre a cama feita e a mesa posta e conversa assegurada até às tantas. É assim a nossa lembrança do Adriano: um homem nunca só; um homem sempre solidário; um homem da Amizade.
A Família
Nascido no Porto a 9 de Abril de 1942, tendo ido ainda jovem para a Quinta das Porcas, em Avintes, o Adriano era o filho mais velho de Joaquim Oliveira e Laura Correia de Oliveira.
A irmã Filomena, a Mena, alta como o irmão, mas de olhos azuis, vivia com os pais para quem era uma preciosa ajuda no dia-a-dia e que se excedia em cuidados e simpatia quando o Adriano aparecia com a Família ou com Amigos.
Do casamento com a Maria Matilde teve dois filhos: a Isabelinha e o Zé Manel, ambos nascidos em Janeiro, ela em 1967 e ele em 1971.
Carinhoso, atento e preocupado com o seu bem-estar, rigoroso na educação, o Adriano transmitiu aos filhos os valores da verticalidade, da lealdade e da amizade.
O Senhor Joaquim Oliveira, homem de poucas falas, ocupava-se da Quinta das Porcas com o saber e o cuidado que lhe permitiam ter grande orgulho no que produzia, desde o vinho à fruta, dos porcos e seus derivados aos coelhos, tudo posto à disposição do Adriano e dos seus amigos ou cuidadosamente aconchegado num cesto para o filho trazer para Lisboa.
A mãe, a Senhora D. Laura, de olhos de um azul muito vivo, era uma mulher invulgar. Culta, delicada e de grande sensibilidade, mantinha longas conversas com o filho e os amigos sobre livros, comportamentos ou pessoas.
Com grande amor pelos netos, que sempre acolhia em Avintes com indisfarçável alegria, presente e vigilante, nunca lhe faltou a palavra certa e um modo carinhoso para os corrigir ou chamar à atenção.
De requintado gosto, era um prazer ver a mesa posta com uma toalha de renda onde poisavam copos de pé alto e pratos de uma baixela antiga e lindíssima. E depois ver chegar as travessas com o almoço de aromas trocados entre carnes, arroz e legumes, cuidadosamente dispostos, que imediatamente despertavam a gula, confirmando o velho adágio popular de que primeiro comem os olhos.
Sempre até à sua morte, quando recebia um Amigo que com ela ia conversar todos os 16 de Outubro, na mesa à frente dos dois sofás onde se sentavam, colocava um tabuleiro previamente coberto com um pano de linho, por si bordado, onde invariavelmente estavam uma garrafa de cristal com vinho fino e um pratinho com bolos secos que havia tido o cuidado de confeccionar nessa manhã.
E lá ficava a conversar sobre o Adriano, os netos e a vida.
Sempre com a sua natural beleza muito calma, mas com o coração apertado de saudade.
É também em Coimbra que toma contacto com o forte movimento antifascista estudantil, ao qual adere desde a primeira hora. Também em Coimbra, junta-se ao PCP, o seu partido de sempre e para sempre. Na sua música, da sua extrema emotividade, está sempre presente a sua dedicação aos trabalhadores, ao povo, aos ideais da liberdade, da democracia, do socialismo.
Entre 1960 e 1980, grava mais de noventa temas, que constituíram aquela que é uma das mais ricas obras musicais do século XX português. Depois do primeiro disco, grava Balada do Estudante (1961); Fados de Coimbra (1961); Fados de Coimbra (1962); Trova do Vento que Passa (1962); Lira (1964); Menina dos Olhos Tristes (1964); Adriano Correia de Oliveira (1967); O Canto e as Armas (1969); Cantaremos (1970); Gente de Aqui e de Agora (1971); A Vila de Alvito (1974); Que Nunca Mais (1975); Para Rosalia (1976); Notícias de Abril (1978); Cantigas Portuguesas (1980) e, editado a título póstumo, Memória de Adriano (1983).
Antes e depois do 25 de Abril percorre o País e o mundo com a sua voz, carregada de esperança, em espectáculos musicais ou em sessões e comícios do seu Partido. Muitas das vezes sem ganhar nenhum dinheiro com isso. Morreu em Avintes, em Outubro de 1982. Tinha 40 anos.
Em seguida, publicamos três textos, da autoria de José Sucena, sobre três vertentes da vida de Adriano Correia de Oliveira para lá da música: o Adriano amigo, filho, militante. Um olhar, por quem o conheceu a fundo.
O Partido
A quinta do Engenheiro Flávio Martins, na Arrancada, ali perto de Águeda, foi durante muitos anos lugar de encontro de muitos comunistas e de outros opositores ao regime fascista.
Homem do Partido, desde novo dividia a sua vida entre o Porto e Águeda conspirando, promovendo reuniões para discutir acções e iniciativas da «oposição» ou meros encontros onde se discutia política e se convivia.
Exímio guitarrista e compositor inspirado, o António Portugal, casado em Águeda, conhecedor desta disponibilidade e apreciador, sem fraquejar, dos excelentes vinhos, tintos e brancos, do Engenheiro Flávio, trouxe à Arrancada o Adriano. Corria o ano de 1962 e desenvolvia-se uma intensa luta na Academia de Coimbra contra a ditadura.
Chegado a Coimbra para frequentar o primeiro ano (1959/60) da Faculdade de Direito, rapidamente a voz límpida e forte e ao mesmo tempo meiga do Adriano se impôs, tendo cantado e gravado fados tradicionais de Coimbra de autores como António Menano ou Luís Goes.
Este convívio musical e a luta em que a Academia estava envolvida, permitiu ao Adriano tomar contacto com uma realidade que, até ali, lhe tinha passado um pouco de lado.
Leu, ouviu, discutiu, conheceu e logo se tornou militante antifascista e, de seguida, aderiu ao Partido.
Com forte implantação na Academia, o Partido tinha entre os seus militantes e apoiantes na luta que travava pela liberdade e pela autonomia das universidades vários poetas que, inspirados pela ideologia libertadora e revolucionária que então os moldava como pessoas, faziam dos seus versos armas de luta e de resistência.
Por razões políticas, mas também de sensibilidade emergente e estéticas, o Adriano abandona os fados tradicionais de Coimbra e abre-se para as canções de intervenção.
Canta pela liberdade contra a guerra colonial. Canta pela terra e pela paz. Assume-se como um lutador, um militante contra o fascismo.
Rapidamente se torna conhecido entre os comunistas e outros antifascistas que o chamam para cantar em tudo o que são iniciativas contra a ditadura. Percorre o País com coragem, determinação e total disponibilidade.
Canta em associações culturais e recreativas, em pequenas ou grandes sessões de propaganda política da CDE – Comissão Democrática Eleitoral, aquando das eleições de 1969, está presente nos Congressos Republicanos de 1969 e 1973, vai a sessões de campanha das listas apoiadas pelo Partido nas eleições para as associações académicas, ficando célebre a sua actuação, com o José Afonso, em 1969 na Faculdade de Medicina que acabou com uma violenta entrada da polícia; é visita regular da então chamada Representação Comercial de Cuba de cuja Revolução é apoiante incondicional e que acompanha passo e passo com a leitura do Granma e com a audição dos discursos de Fidel Castro que lhe chegavam em discos de vinil.
Pôs a sua casa à disposição do Partido onde se fariam várias reuniões de camaradas clandestinos, alguns dos quais lá estiveram por curtos períodos escondidos da PIDE. De entre eles, um pelo menos, disso se esqueceu quando, já céptico, não prestou a ajuda de que o Adriano precisava.
Chegada a liberdade, cantou com o seu Partido, o Partido Comunista Português, em tudo o que era sítio, com condições e sem condições, em pavilhões e ao ar livre, em cidades, vilas e aldeias, para multidões ou para poucas pessoas em que sobressai, entre algumas outras, uma sessão da campanha eleitoral de 1976 numa aldeia do concelho de Viseu, em que cantou em cima de um carro de bois, ao ar livre e sem instalação sonora, para um reduzido número de pessoas que o receberam de forma hostil, mas que soube acalmar e criar as condições para que o cabeça de lista pudesse intervir.
Homem de partido, militante incansável e de uma disponibilidade total, forte de convicções, afável e recto, o Adriano voltou a passar por Águeda, num sábado de manhã, a caminho do Barreiro onde foi cantar numa iniciativa do Partido. No sábado seguinte, 16 de Outubro de 1982, partiu. Mas ficou connosco.
A Amizade
Somos muitos os Amigos que hoje aqui, no seu jornal, o Avante!, nos reunimos para conversar sobre o Adriano.
Alguns através da música, outros através da palavra. Todos, porém, através da lembrança deste ou daquele momento com ele passado em animado convívio ou discussão; na plateia de uma qualquer sala de espectáculos; em comícios mais ou menos grandiosos; em serenatas coimbrãs; ou em simples cavaqueira de varanda sobre o Douro, beberricando um saboroso copo de vinho verde feito com a arte e o carinho só conhecidos no Senhor Joaquim Oliveira, pai sempre atento e preocupado em produzir e guardar os mais saborosos enchidos e presuntos para o Adriano poder compartilhar com os seus Amigos em Avintes.
Desta lembrança, ressalta comum a todos nós a imagem de um homem fraterno e solidário.
Que o Adriano quis e soube ser, na medida em que viveu a construir por toda a parte amizades fraternas que fizeram com que ele nunca fosse só.
Alguém lembrou daí aquela ida a Trás-os-Montes onde, após as cantigas, lá estava aquele Amigo a oferecer a sua casa para o merecido sono.
E, depois, no Alentejo onde terminada a jornada de luta ao lado dos trabalhadores da Reforma Agrária – «Dá o Outono as uvas e vinho/ dos olivais azeite nos é dado/ dá a cama e a mesa o verde pinho/ as balas deram sangue derramado» – apareceu outro Amigo que ofereceu umas perdizes de Portel, que o Adriano trouxe para Lisboa e que, cozinhadas com a arte que lhe conhecíamos, foram solenemente apreciadas. Nesse dia o Adriano fê-las à moda da Mãe – essa Senhora de nome Laura de olhar azul e doce de quem todos, ao entrar na casa de Avintes, logo gostavam e que tudo dispunha para os Amigos do filho que considerava seus filhos também.
Mais tarde, o Adriano esteve em Castelo Branco.
Pela Beira Baixa cantou — «era ainda pequenino/ acabado de nascer/ inda mal abria os olhos/ já era para te ver».
Lá esteve o Amigo que com ele conversou e discutiu os últimos artigos dos jornais.
Chegou o verão. No Algarve era outro Amigo que, na Fuzeta, fazia questão em oferecer a sua casa e dar-lhe a conhecer os pescadores para um passeio de barco ou para conseguir as indispensáveis variedades de peixe, sempre fresco, para a caldeirada de fazer Amigos.
Naquela imensidão de praia e mar, o Adriano lembrava-se muitas vezes das ilhas, logo ali do lado de lá, onde outros Amigos lhe punham à disposição a Ilha da Madeira.
Aquela Madeira donde tinha vindo para Coimbra, e para a mesma República, um daqueles Amigos, mais tarde morto na guerra colonial — «anda bem triste um amigo/ uma carta o fez chorar/ o soldadinho não volta/ do outro lado do mar».
Ou, os Açores onde um Amigo lhe proporcionava ouvir os cantares populares – «a ausência tem uma filha/ que se chama saudade/ eu sustento mãe e filha/ bem contra a minha vontade».
De regresso ao Norte, o Adriano tinha no Minho a garantia da companhia doutro Amigo e, no Porto, lá estavam vários.
Na Beira Alta, que percorreu com a voz e a viola, estava hoje com um, amanhã com outro e no outro dia ainda havia tempo para estar com um terceiro.
Mas há outros pontos de referência na vida solidária do Adriano: no Couço ou nas Caldas da Rainha lá estavam outros Amigos.
E na Beira junto ao mar?
Em Aveiro dos Congressos Republicanos eram vários os Amigos que ele procurava, de entre eles um dos maiores de Aveiro, de quem ouvia com respeito a palavra certa.
Em Águeda, são muitos os Amigos do Adriano.
Aqui, qualquer que fosse a hora ou o dia, tinha sempre a cama feita e a mesa posta e conversa assegurada até às tantas. É assim a nossa lembrança do Adriano: um homem nunca só; um homem sempre solidário; um homem da Amizade.
A Família
Nascido no Porto a 9 de Abril de 1942, tendo ido ainda jovem para a Quinta das Porcas, em Avintes, o Adriano era o filho mais velho de Joaquim Oliveira e Laura Correia de Oliveira.
A irmã Filomena, a Mena, alta como o irmão, mas de olhos azuis, vivia com os pais para quem era uma preciosa ajuda no dia-a-dia e que se excedia em cuidados e simpatia quando o Adriano aparecia com a Família ou com Amigos.
Do casamento com a Maria Matilde teve dois filhos: a Isabelinha e o Zé Manel, ambos nascidos em Janeiro, ela em 1967 e ele em 1971.
Carinhoso, atento e preocupado com o seu bem-estar, rigoroso na educação, o Adriano transmitiu aos filhos os valores da verticalidade, da lealdade e da amizade.
O Senhor Joaquim Oliveira, homem de poucas falas, ocupava-se da Quinta das Porcas com o saber e o cuidado que lhe permitiam ter grande orgulho no que produzia, desde o vinho à fruta, dos porcos e seus derivados aos coelhos, tudo posto à disposição do Adriano e dos seus amigos ou cuidadosamente aconchegado num cesto para o filho trazer para Lisboa.
A mãe, a Senhora D. Laura, de olhos de um azul muito vivo, era uma mulher invulgar. Culta, delicada e de grande sensibilidade, mantinha longas conversas com o filho e os amigos sobre livros, comportamentos ou pessoas.
Com grande amor pelos netos, que sempre acolhia em Avintes com indisfarçável alegria, presente e vigilante, nunca lhe faltou a palavra certa e um modo carinhoso para os corrigir ou chamar à atenção.
De requintado gosto, era um prazer ver a mesa posta com uma toalha de renda onde poisavam copos de pé alto e pratos de uma baixela antiga e lindíssima. E depois ver chegar as travessas com o almoço de aromas trocados entre carnes, arroz e legumes, cuidadosamente dispostos, que imediatamente despertavam a gula, confirmando o velho adágio popular de que primeiro comem os olhos.
Sempre até à sua morte, quando recebia um Amigo que com ela ia conversar todos os 16 de Outubro, na mesa à frente dos dois sofás onde se sentavam, colocava um tabuleiro previamente coberto com um pano de linho, por si bordado, onde invariavelmente estavam uma garrafa de cristal com vinho fino e um pratinho com bolos secos que havia tido o cuidado de confeccionar nessa manhã.
E lá ficava a conversar sobre o Adriano, os netos e a vida.
Sempre com a sua natural beleza muito calma, mas com o coração apertado de saudade.