A guerra não existiu

Anabela Fino
Mesmo sabendo-se que a memória é curta e que há quem se esforce para que a tornemos ainda mais pequena, não faltará quem se lembre de ter ouvido Durão Barroso afirmar, com o ar mais convicto do mundo, que viu com os próprios olhos as provas irrefutáveis da existência de armas terríveis no Iraque. Também não é necessário grande esforço para nos lembrarmos que o primeiro-ministro apresentou a cimeira da Lajes, onde se realizou o conselho de guerra entre Bush, Blair e Aznar, como a «última oportunidade» para a paz.
Quatro meses passados o Iraque foi reduzido a escombros, milhares de pessoas morreram e muitas mais estão condenadas à morte devido aos efeitos secundários da guerra, os iraquianos livraram-se de Saddam e ficaram sob a pata de Bush, as riquezas do país estão a saque e as forças de ocupação anglo-norte-americanas ditam a lei num Estado que de soberano passou a colónia dos EUA. A recente formação de um designado Conselho de Governo Provisório não chega sequer a dar uma ilusão de paulatino regresso à normalidade, tutelado como está pelo poder de veto do todo poderoso administrador norte-americano, Paul Bremer.
Tudo isto foi feito, supostamente, em nome da democracia e por causa das armas de destruição maciça do regime de Saddam. Acontece, porém, que sucessivos relatórios vindos a público demonstram o que muitos disseram desde a primeira hora desta história mal contada, ou seja, que tudo não passou de uma imensa fraude para justificar a invasão e ocupação do Iraque. As provas não só eram falsas como foram deliberadamente forjadas para enganar a opinião pública mundial e as instituições que ainda é suposto terem um papel na regulação das relações entre as nações.
Em Washington e Londres a questão domina as atenções e a agenda política, e já ninguém duvida que vão rolar cabeças de bodes expiatórios, mesmo que isso não altere a situação imposta aos iraquianos. Ao contrário, em Portugal, impera o silêncio, quebrado aqui e ali pelas cada vez mais delirantes opiniões do director do Público, que chega ao cúmulo de apontar como «boa notícia» a descoberta de valas comuns das vítimas do regime iraquiano... que por acaso datam do tempo em que Saddam era um aliado extremoso de Washington. Quanto a Durão Barroso e ao governo português, silêncio. A guerra contra o Iraque não existiu. O que há são umas oportunidades de negócios e umas centenas de GNRs ansiosos por um vencimento melhorado, com ou sem blindados. E como nos tempos da «outra senhora», lá vamos cantando e rindo.


Mais artigos de: Opinião

Gostámos muito

Não é que a coisa devesse precisar de ser provada, mas aqui estamos hoje a fazer uma nova demonstração de que somos capazes de ser isentos em relação ao Governo que infelizmente temos e à política que infelizmente sofremos, a tal ponto que, como a seguir se verá, até somos capazes de elogiar e gostar de coisas que o Governo de Durão Barroso diz ou anuncia.

«Fait divers»

Até agora, ninguém tinha dado pela existência da Cruz Vermelha Portuguesa, instituição respeitável que há décadas vem cumprindo com recato as funções mais ou menos sociais que lhe estão cometidas ou outorgadas, sem com isso emergir no bulício dos noticiários com alaridos de qualquer espécie. A primeira e solitária nota...

A Constituição e a guerra

Passaram três meses sobre a invasão e ocupação do Iraque às ordens de Bush, com o apoio do fidelíssimo Blair e as genuflexões servis de Berlusconi, Aznar, Barroso e outros cúmplices. Tratou-se de um crime de guerra com a barbaridade e a hipocrisia de que se revestem todos os muitos crimes de guerra praticados pelos...

Coerência de betão

Dão-nos noticia de que o Governo vem defendendo junto de Bush a candidatura de José Lamego a um cargo de administração no Iraque com vista à «reconstrução» daquele país.A novidade não está seguramente na iniciativa. Durão e o seu Governo aspirarão por certo a alguma generosa retribuição pelo papel a que se prestaram...

O caso polaco (ou da Polónia) no xadrez do imperialismo

A invasão militar do Iraque ameaça tornar-se para os Estados Unidos num longo pesadelo. As acções da resistência iraquiana multiplicam-se, fazendo aumentar as baixas norte-americanas, o que não se compadece com o cenário de «libertação» do povo iraquiano ideado por Washington. Numa despudorada tentativa de «dividir o mal...