O caso polaco (ou da Polónia) no xadrez do imperialismo

Luís Carapinha

Na Po­lónia ne­o­li­beral, o de­sem­prego ronda os 20% e me­tade das fa­mí­lias vive no li­miar da po­breza

A invasão militar do Iraque ameaça tornar-se para os Estados Unidos num longo pesadelo. As acções da resistência iraquiana multiplicam-se, fazendo aumentar as baixas norte-americanas, o que não se compadece com o cenário de «libertação» do povo iraquiano ideado por Washington. Numa despudorada tentativa de «dividir o mal pelas aldeias», a superpotência imperialista clama pela constituição de uma «coligação» multinacional alargada de forças militares no país ocupado, o que contrasta com a arrogância e «unilateralismo» da Administração Bush quando desencadeou esta guerra. Antes já tinha sido anunciada a divisão do Iraque em quatro sectores militares sob o comando dos EUA (dois), Inglaterra e Polónia (cujo presidente, Kwasniewski, um antigo dirigente do POUP que em tempo «oportuno» se «renovou», é, por sinal, um adepto incondicional da terceira via & cia de Blair).

Varsóvia terá, assim, sob o seu controlo a zona Centro-Sul, entre as cidades de Bagdad e Bassorá, para a qual contará com uma força de 7500 homens, dos quais não menos de 2000 polacos. O comando-adjunto será assegurado pela Espanha, cuja brigada incluirá, a participação de tropas provenientes de alguns países «amigos» da América Central. A Ucrânia, um autêntico maná para a exploração de mão de obra barata qualificada – calcula-se que 1/5 da população activa ucraniana abandonou o país, encontrando-se 98% em situação ilegal nos países de destino –, não deixará de enviar um contingente de 1700 homens que actuará sob comando polaco.
O papel preponderante atribuído pelos EUA à Polónia, constitui um duplo revés para a sua vizinha e rival Alemanha. A opção polaca para este tipo de operação, sendo uma situação inédita, não surpreende. A Polónia possui um valor estratégico no âmbito da ofensiva global do imperialismo dos EUA, que se faz acompanhar pelo inevitável agravamento, em cadeia, das contradições intercapitalistas e da instabilidade internacional. Washington vê neste país, paradigma da «Nova Europa», um «Cavalo de Tróia» fundamental para a manutenção da posição subordinada da UE. Por outro lado, a Polónia funciona igualmente como plataforma de expansão da NATO para Leste, onde a Rússia, que acaba de ser desapossada de contratos petrolíferos milionários no Iraque e não vê sequer reconhecido pelos EUA o estatuto de missão diplomática da sua embaixada em Bagdad, se depara, objectivamente, com o progressivo cerco da máquina militar dos EUA e NATO, apesar da sua reafirmada «parceria estratégica» com os Estados Unidos...
Entre o apoio incondicional a Washington e os compromissos assumidos com a adesão à UE, Varsóvia já anunciou que em caso de choque de interesses, dará preferência ao «elo transatlântico», o que a prática confirma plenamente (desde a compra recente de 48 caças F-16 aos EUA, que o ministério da defesa polaco definiu como «contrato do século», ao seu papel na agressão e ocupação do Iraque). Alinhando com o imperialismo dos EUA, os governos dos países subservientes (incluindo o de Durão e Portas) cobiçam os despojos da ocupação iraquiana: o ministro dos negócios estrangeiros polaco não tem pejo em afirmar que o seu país nunca escondeu querer que as empresas petrolíferas polacas tivessem acesso às fontes de matérias-primas iraquianas.

Outra opinião tem, porém, o povo polaco que na sua maioria se opõe à participação na ocupação do Iraque. Na Polónia neoliberal, o desemprego ronda os 20% e metade das famílias vive no limiar da pobreza ou abaixo deste, enquanto uma minoria se apodera da riqueza do país, cuja economia, por sua vez, se encontra praticamente nas mãos do Ocidente. É em prol desta elite e da teia de interesses capitalistas que os soldados polacos acabarão por, também, enfrentar a morte, combatendo num país ocupado contra um povo subjugado. Assim manda a lógica do imperialismo.


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