O Partido e a «Crise Académica de 62»

Manuela Bernardino (Membro do Secretariado do CC)
Num tempo de branqueamento do fascismo e de reabilitação do(s) ditador(es) – Salazar e Caetano -, de revisionismo histórico, nomeadamente do que foi a resistência antifascista em que evocando a «memória» se procura apagar ou diminuir o papel dos comunistas e do seu partido nesses longos 48 anos de terror que a ditadura fascista semeou no nosso país; neste tempo e nestes dias em que se sucedem declarações apologéticas do fascismo, assume particular gravidade a deplorável intervenção de João Soares na Assembleia da República, profundamente anticomunista, impondo-se que o PCP intervenha ainda mais e de forma continuada no esclarecimento sobre a natureza de classe do fascismo, relevando os seus principais traços assim como de quem se lhe opôs de forma sistemática e organizada.

Tenta-se apagar o papel dos comunistas na luta estudantil de 62

É neste sentido que, a propósito das recentes comemorações do 45º aniversário da luta estudantil de 1962, nos parece oportuno voltar ao assunto, mesmo tendo em conta o particular destaque que o Avante! deu, no seu último número, à iniciativa que o Partido realizou. Sobre ela o essencial ficou dito, mas registamos que mais nenhum órgão de comunicação social se lhe referiu, apesar da significativa participação e dos importantes conteúdos e abordagens que o debate suscitou. E o que dizer quanto aos artigos, entrevistas e depoimentos que precederam tais comemorações? Nem um único comunista! Tal linha não é inocente, antes se insere na tentativa de apagar o papel dos estudantes comunistas e do PCP no desenvolvimento da luta dos estudantes em 1962, luta que ficou conhecida por «Crise Académica de 62».
E contudo o Partido estava lá, sempre presente, foi determinante e muitas vezes decisivo. Contribuiu para definir orientações, combateu hesitações, animou a luta e os seus principais dirigentes, contactando-os directamente. Iludir hoje estes aspectos é procurar contrariar a própria história do que foi a greve dos estudantes entre Março e Junho de 1962. E o papel que os estudantes comunistas assumiram nessa luta. A organização do partido nas faculdades tinha-se fortalecido no(s) ano(s) anterior(es), com várias células constituídas e organizadas, havendo na maioria das direcções das Associações de Estudantes militantes comunistas, muitos dos quais se destacaram então como dirigentes associativos. Era incontestável o papel e a liderança dos comunistas no movimento associativo. Mas a dinâmica de massas durante a crise, as manipulações e a repressão governamental nem sempre possibilitaram, a tempo, a necessária articulação entre os dirigentes associativos membros do Partido e a respectiva direcção da organização estudantil, o que nas condições de ilegalidade do Partido não é de estranhar. E por essa razão, na fase mais aguda da luta, muitos outros camaradas se destacaram, no anonimato, garantindo a articulação necessária entre o Partido e a luta no plano legal, tendo como preocupação defender os dirigentes associativos da repressão, o que efectivamente se verificou. A organização estudantil do Partido saiu incólume desta grandiosa e importante luta de massas, apesar da prisão de um dirigente associativo durante um mês e do funcionário do Partido do sector, aliás em ligação com outras tarefas.

Um marco na resistência ao fascismo

Mas, segundo a análise posterior do Partido, faltou «à mais importante luta de massas estudantis sob o regime de Salazar», «os organismos adequados para dirigir as fases superiores da luta», ou seja, estruturas ilegais e semi-legais em condições de avaliar da possibilidade de «avançar quando é possível avançar e recuar quando é necessário recuar». Organismos que, baseando-se na politização das massas que ocorreu durante a crise e avaliando da sua disponibilidade em cada momento, tivessem chamado a si a orientação da luta para defesa do próprio movimento associativo. E isto porque a luta, tendo no seu cerne a questão da autonomia da Universidade e das AAEE, foi-se politizando, influenciada pelas condições económicas, sociais e culturais e também por outras lutas - pelas 8 horas nos campos do Alentejo, contra a guerra colonial, contra as burlas eleitorais, pelo associativismo dos estudantes liceais, pelo II Congresso de Aveiro, pelas rádios clandestinas, pelo nosso Avante!, então distribuído e lido clandestinamente.
Sem dúvida, podemos afirmar que a luta dos estudantes em 1962 constituiu um marco no movimento estudantil português e na resistência ao fascismo pela sua amplitude, duração e larga unidade alcançada, pelas provas que deu de grande combatividade. Mas ao evocá-la não podemos secundarizar a resistência e a luta dos estudantes, antes e depois de 62. Ela vem do início do regime fascista. Houve o Bloco Académico Antifascista, o MUD juvenil, a luta pela paz e contra a NATO e, a preceder 62, houve 57 e a luta contra o decreto 40900 e o abaixo-assinado de 400 universitários a exigir a demissão de Salazar. E em todas estas lutas estiveram os estudantes comunistas. Entretanto, não se pode deixar de salientar que o facto de muitos dos que eram à época membros do Partido terem rompido com os seus ideais de então não lhes confere o direito de cometer o grave erro de tentativa de falsificação da história da resistência ao fascismo e do contributo dos estudantes comunistas na luta pela liberdade e a democracia.


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