Agentes no banco dos réus
Dois dias após o Parlamento Europeu ter aprovado uma resolução que acusa vários governos europeus de colaboração em operações ilegais da CIA, a justiça italiana acusou de rapto 26 agentes norte-americanos e nove italianos.
Há duas semanas, na Alemanha, foram emitidos 13 mandados de captura contra presumidos agentes da CIA. Mais recentemente, o Ministério Público de Portugal anunciou, no dia 5, a abertura de um inquérito-crime sobre os voos secretos da agência. Na passada sexta-feira, dia 16, uma juíza de Milão, Caterina Interlandi, considerou haver provas suficientes para levar a julgamento 35 arguidos acusados de rapto do religioso egípcio, Hasan Mustafa Osama Nasr, conhecido como Abou Omar.
O caso de Omar já tinha sido denunciado pelo deputado suíço, Dick Marty, relator do Conselho da Europa sobre as operações secretas dos serviços norte-americanos. Sob a suspeita de terrorismo, o íman foi sequestrado em 17 de Fevereiro de 2003 por um comando da CIA, em Milão, com o apoio e colaboração de agentes italianos, segundo apurou a procuradoria transalpina.
Inicialmente conduzido para a base militar de Aviano, perto de Veneza, o prisioneiro foi transferido para a base aérea de Ramstein, na Alemanha, seguindo mais tarde para o Egipto, onde foi sujeito a torturas e ficou detido durante quatro anos.
Libertado no dia 11 pelas autoridades egípcias, Abou Omar manifestou de imediato a intenção de apresentar queixa contra o anterior primeiro-ministro italiano, Sílvio Berlusconi, exigindo-lhe uma indemnização de 10 milhões de euros por ter autorizado o sequestro enquanto chefe do governo de Itália.
«Obrigavam-me a andar de pés amarrados, caía e eles riam-se. Depois sofri descargas eléctricas, agrediram-me com murros e pontapés. Mostraram-me fotos de tunisinos, marroquinos, egípcios e argelinos que viviam em Itália. O interrogatório durou seis meses, até 14 de Setembro de 2003», declarou Abou Omar.
Governo de Prodi dificulta processo
Os factos relatados pela vítima encontraram eco na decisão dos magistrados italianos que marcaram para o próximo dia 8 de Junho a primeira sessão de um julgamento sem precedentes na história dos países europeus.
Na lista dos 35 arguidos, para além dos 26 cidadãos norte-americanos identificados como agentes da CIA, designadamente os antigos chefes da central de espionagem em Roma e Milão, Jeff Castelli e Robert Lady, estão igualmente o general Nicolo Pollari, ex-responsável pelos serviços de informações militares italianos (SISMI) e Marco Mancini, antigo dirigente máximo dos serviços de contra-espionagem do país, ambos demitidos dos respectivos cargos em Novembro de 2006, na sequência da revelação do escândalo.
Contudo, o julgamento dos agentes norte-americanos deverá ter de ser feito à revelia, uma vez que, apesar de existir um mandado de captura europeu e um pedido de extradição dos arguidos, o governo italiano recusa-se a dar-lhe seguimento, a pretexto da salvaguarda das relações com os Estados Unidos.
De resto, seguindo a linha política da anterior coligação de direita liderada por Sílvio Berlusconi, a equipa de Romano Prodi mostra-se incomodada com o trabalho dos magistrados, tudo fazendo para dificultar o processo e impedir que os agentes do SISMI sejam presentes a tribunal.
Com esse objectivo, o executivo de centro-esquerda apresentou um recurso no tribunal constitucional contra a procuradoria de Milão, alegando que a investigação judicial violou o segredo de Estado ao recorrer a escutas telefónicas. A eventual admissão do recurso pelo TC implicará, pelo menos, o adiamento do início do julgamento. No caso de a decisão final ser favorável ao governo, serão anuladas as principais provas em que se fundamenta a acusação.
PE condena governos europeus
Negligência e cumplicidade
O Parlamento Europeu aprovou, no dia 14, por larga maioria, o relatório que demonstra a utilização do território de vários países europeus, designadamente de Portugal, para voos ilegais da CIA.
No documento, aprovado com 382 votos a favor, 256 contra e 74 abstenções, os eurodeputados criticam os Estados-membros por terem «negligenciado o controlo que devem exercer no seu espaço aéreo e nos seus aeroportos, fechando os olhos aos voos operados pela CIA» para o transporte ilegal de suspeitos de terrorismo.
O Parlamento salienta em especial o facto de, «em várias ocasiões, os serviços secretos e as autoridades governamentais de alguns países europeus» terem «aceitado e dissimulado» as transferências secretas de prisioneiros e consideram «inverosímil» o desconhecimento que alguns governos invocam quando confrontados com provas irrefutáveis.
Apesar de ter sido adocicado por 270 alterações aprovadas em plenário, o texto final afirma que, entre Setembro de 2001 e finais de 2005, aeroportos e o espaço aéreo europeus foram utilizados, pelo menos, para 1245 voos da CIA.
Sem o objectivo de ser exaustivo, o relatório do socialista italiano, Cláudio Fava, revela que só na Alemanha foram efectuadas 336 escalas, 170 no Reino Unido, 147 na Irlanda, 91 em Portugal, 69 em Espanha, 64 na Grécia, 57 no Chipre e 46 em Itália.
No debate em plenário, Cláudio Fava sublinhou que o texto em causa não resulta de «opiniões, mas sim de factos provados e graves», considerando que os 21 casos de «entregas extraordinárias» (detenções e encarceramentos sem julgamento) de suspeitos de terrorismo, referidos no relatório, «são apenas a ponta do iceberg».
«Pessoas inocentes estiveram em Guantánamo mais de cinco anos simplesmente porque nenhum governo se interessou pela sua situação». «Não podemos olhar para o lado, como fizerem os governos europeus», declarou Fava, que qualificou como uma «falácia» o argumento de que as práticas dos norte-americanos se justificam face à necessidade de prevenir atentados terroristas.
O caso de Omar já tinha sido denunciado pelo deputado suíço, Dick Marty, relator do Conselho da Europa sobre as operações secretas dos serviços norte-americanos. Sob a suspeita de terrorismo, o íman foi sequestrado em 17 de Fevereiro de 2003 por um comando da CIA, em Milão, com o apoio e colaboração de agentes italianos, segundo apurou a procuradoria transalpina.
Inicialmente conduzido para a base militar de Aviano, perto de Veneza, o prisioneiro foi transferido para a base aérea de Ramstein, na Alemanha, seguindo mais tarde para o Egipto, onde foi sujeito a torturas e ficou detido durante quatro anos.
Libertado no dia 11 pelas autoridades egípcias, Abou Omar manifestou de imediato a intenção de apresentar queixa contra o anterior primeiro-ministro italiano, Sílvio Berlusconi, exigindo-lhe uma indemnização de 10 milhões de euros por ter autorizado o sequestro enquanto chefe do governo de Itália.
«Obrigavam-me a andar de pés amarrados, caía e eles riam-se. Depois sofri descargas eléctricas, agrediram-me com murros e pontapés. Mostraram-me fotos de tunisinos, marroquinos, egípcios e argelinos que viviam em Itália. O interrogatório durou seis meses, até 14 de Setembro de 2003», declarou Abou Omar.
Governo de Prodi dificulta processo
Os factos relatados pela vítima encontraram eco na decisão dos magistrados italianos que marcaram para o próximo dia 8 de Junho a primeira sessão de um julgamento sem precedentes na história dos países europeus.
Na lista dos 35 arguidos, para além dos 26 cidadãos norte-americanos identificados como agentes da CIA, designadamente os antigos chefes da central de espionagem em Roma e Milão, Jeff Castelli e Robert Lady, estão igualmente o general Nicolo Pollari, ex-responsável pelos serviços de informações militares italianos (SISMI) e Marco Mancini, antigo dirigente máximo dos serviços de contra-espionagem do país, ambos demitidos dos respectivos cargos em Novembro de 2006, na sequência da revelação do escândalo.
Contudo, o julgamento dos agentes norte-americanos deverá ter de ser feito à revelia, uma vez que, apesar de existir um mandado de captura europeu e um pedido de extradição dos arguidos, o governo italiano recusa-se a dar-lhe seguimento, a pretexto da salvaguarda das relações com os Estados Unidos.
De resto, seguindo a linha política da anterior coligação de direita liderada por Sílvio Berlusconi, a equipa de Romano Prodi mostra-se incomodada com o trabalho dos magistrados, tudo fazendo para dificultar o processo e impedir que os agentes do SISMI sejam presentes a tribunal.
Com esse objectivo, o executivo de centro-esquerda apresentou um recurso no tribunal constitucional contra a procuradoria de Milão, alegando que a investigação judicial violou o segredo de Estado ao recorrer a escutas telefónicas. A eventual admissão do recurso pelo TC implicará, pelo menos, o adiamento do início do julgamento. No caso de a decisão final ser favorável ao governo, serão anuladas as principais provas em que se fundamenta a acusação.
PE condena governos europeus
Negligência e cumplicidade
O Parlamento Europeu aprovou, no dia 14, por larga maioria, o relatório que demonstra a utilização do território de vários países europeus, designadamente de Portugal, para voos ilegais da CIA.
No documento, aprovado com 382 votos a favor, 256 contra e 74 abstenções, os eurodeputados criticam os Estados-membros por terem «negligenciado o controlo que devem exercer no seu espaço aéreo e nos seus aeroportos, fechando os olhos aos voos operados pela CIA» para o transporte ilegal de suspeitos de terrorismo.
O Parlamento salienta em especial o facto de, «em várias ocasiões, os serviços secretos e as autoridades governamentais de alguns países europeus» terem «aceitado e dissimulado» as transferências secretas de prisioneiros e consideram «inverosímil» o desconhecimento que alguns governos invocam quando confrontados com provas irrefutáveis.
Apesar de ter sido adocicado por 270 alterações aprovadas em plenário, o texto final afirma que, entre Setembro de 2001 e finais de 2005, aeroportos e o espaço aéreo europeus foram utilizados, pelo menos, para 1245 voos da CIA.
Sem o objectivo de ser exaustivo, o relatório do socialista italiano, Cláudio Fava, revela que só na Alemanha foram efectuadas 336 escalas, 170 no Reino Unido, 147 na Irlanda, 91 em Portugal, 69 em Espanha, 64 na Grécia, 57 no Chipre e 46 em Itália.
No debate em plenário, Cláudio Fava sublinhou que o texto em causa não resulta de «opiniões, mas sim de factos provados e graves», considerando que os 21 casos de «entregas extraordinárias» (detenções e encarceramentos sem julgamento) de suspeitos de terrorismo, referidos no relatório, «são apenas a ponta do iceberg».
«Pessoas inocentes estiveram em Guantánamo mais de cinco anos simplesmente porque nenhum governo se interessou pela sua situação». «Não podemos olhar para o lado, como fizerem os governos europeus», declarou Fava, que qualificou como uma «falácia» o argumento de que as práticas dos norte-americanos se justificam face à necessidade de prevenir atentados terroristas.