Uma questão de contas

Jorge Cordeiro
O facto de Jorge Galamba aparecer como autor de actos ilícitos enquanto gestor de uma empresa pública associada à CP – a Fergráfica – não suscitaria surpresa por aí além. O lastro de actividades danosas, abusos de poder e usos em interesse pessoal a partir de responsáveis pela gestão de empresa públicas têm-se sucedido ao longo dos anos a um ritmo que não seriam, no caso presente, umas quantas viagens mais à volta do mundo ou uns perfumes e roupas de marca compradas em boutiques, merecedoras das linhas que aqui se lhe dedicam. Assim seria, não fosse o autor dos actos detectados pela Inspecção das Finanças membro da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.
E se os que causticados por tantos e tão lamentáveis episódios, em tudo semelhantes aos que agora vieram a público, se não escandalizarão com o argumento de que já viram pior — firmados no facto de, entre despesas sem documentos e documentos sem justificação que puderam ser detectados, se andar pela dezena de milhar de euros — já as explicações do próprio são de fazer corar a mais branca pedra da calçada.
Diz Galamba, reconhecendo «culpas ao nível dos procedimentos administrativos e contabilisticos» (!), que em «consciência» não deve nada à empresa e que estes factos e o de ser titular de uma entidade fiscalizadora de contas de terceiros (no caso de partidos políticos) «não tem uma coisa a ver com a outra». Está tudo dito. E, também, percebidas as razões que explicam a desconfiança doentia, a arbitrariedade e o abuso de poderes que dá provas no exercício das suas novas funções.
Dir-se-ia que, do que agora foi conhecido e acima descrito, não são expectáveis consequências de maior: A montante, as irregularidades detectadas acabarão sanadas, as responsabilidades esquecidas e as consequências, resultantes de um apuramento mais severo de que um comum cidadão se não livraria, evitadas; a juzante, na plenitude das suas funções, de consciência aliviada e seguro de possuir o perfil adequado para a sua missão, Galamba prosseguirá a sua acção minuciosa capaz de descobrir uma suspeitosa contribuição de um ou dois euros não titulada em cheque ou a venda de uma qualquer sandes de courato sem documento de receita recebidas pelo PCP ou qualquer outro partido político. Nem valerá a pena suscitar a questão de se saber se, perante os factos, Galamba fará o que parece óbvio – demitir-se. Primeiro, porque os critérios de credibilidade que o próprio assume para si mesmo parecem condizer com os das funções que exerce. Depois porque a questão de fundo em matéria de policiamento das contas dos partidos políticos não está na credibilidade de alguns membros da Entidade mas sim na Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e dos objectivos para que foi concebida – não, para acompanhar a licitude da vida financeira dos partidos, mas sim para criar obstáculos gratuitos à actividade política do PCP.


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