Saúde pelas ruas da amargura
Em matéria de saúde, as coisas vão de mal a pior. As más notícias sucedem-se. O anúncio de qualquer nova medida é recebido com cepticismo e receio. Dado por certo é já que não há decisão que não se destine a agravar as condições de acesso aos cuidados de saúde. O Governo, que se diz de esquerda, mas que faz o que a direita aplaude, por este caminho – e não falta muito -, não se livra de ficar conhecido como o que mais fez para ser o coveiro do sistema que garante o direito constitucional à saúde dos portugueses.
SAÚDE: Interpelação do PCP ao Governo - 1
Se o conseguirá ou não, esse é um capítulo que está por escrever. O PCP, pela sua parte, não tem dúvidas quanto à necessidade de derrotar esta política, como acredita que esse objectivo, por ser inteiramente justo, é possível de alcançar.
Na passada semana, no Parlamento, em interpelação do PCP ao Governo sobre a política de saúde, foi essa ideia central que acabou por ressaltar e marcar todo o debate. À destruição do Serviço Nacional de Saúde a que conduz esta política, toda ela orientada para satisfazer a voracidade dos interesses económicos, contrapõe a bancada comunista uma outra política centrada na defesa e valorização do SNS, instrumento fundamental sem o qual, como diz a Constituição, não é possível garantir aos portugueses o direito à saúde.
Piores serviços
Foram estas concepções distintas, separadas por uma linha que tem na nossa lei Fundamental a sua fronteira, que estiveram em confronto ao longo de um debate que se prolongou por mais de três horas e do qual resultou uma conclusão indesmentível: os portugueses têm hoje piores e mais caros serviços de saúde.
Dito de outro modo, o direito à saúde consagrado constitucionalmente está cada vez mais afastado da generalidade da população.
Essa é a consequência, inevitável, de uma política que tem como traço fundamental o seu «compromisso ideológico com a privatização dos serviços de saúde».
«Com a política deste Governo a saúde é cada vez menos um direito de muitos e cada vez mais um negócio de alguns», sublinhou o deputado comunista António Filipe, na intervenção de encerramento, acusando o Governo de ter como objectivo «destruir o SNS para que os grupos económicos privados o possam substituir em seu proveito e com grande prejuízo para a grande maioria da população».
Para esta questão decisiva já no início da interpelação o líder parlamentar comunista, Bernardino Soares, chamara a atenção, pondo em evidência os dois eixos estratégicos que, em sua opinião, conformam a política de saúde. Um, observou, assenta na redução da despesa, através de restrições orçamentais e da transferência progressiva dos custos da saúde para os utentes; o outro, passa por favorecer e beneficiar os investimentos privados na saúde, à medida da própria degradação da capacidade e qualidade de resposta do SNS.
Falta de argumentos
Foi esta realidade nua e crua que os deputados do PCP trouxeram para o centro do debate, de forma responsável e séria, perante uma bancada socialista que mostrou estar mais apostada em atacar quem crítica o Governo do que propriamente em defender a bondade das suas políticas.
Daí que, perante as acusações concretas formuladas pela bancada comunista – as dificuldades de acesso das populações aos cuidados de saúde, o aumento dos gastos, a degradação da resposta do SNS, a precarização do profissionais do sector, entre tantas outras – à falta de argumentos, a bancada do PS tenha acabado por resvalar para a chicana política e os achaques.
Num tom destemperado, sem nada trazer ao debate, ouviram-se verdadeiras pérolas como a de que «O PCP está na lógica de destruir o sistema», segundo Ricardo Gonçalves, enquanto para o seu companheiro de bancada, Manuel Pizarro, o Grupo comunista é um caso de «atavismo e demagogia», entregue ao «coro da desgraça».
Foram estes mesmos deputados do PS, aliás, quando confrontados com a denúncia da bancada comunista sobre situações dramáticas originadas pela redução de serviços e insuficiência de meios (como o do transporte de um cidadão que levou sete horas de Odemira até Lisboa, onde acabou por falecer), que chegaram inclusivamente ao ponto de considerar tais casos como meramente «casuísticos», sem relevância nem do ponto de vista estatístico nem para suportar um debate político.
As prioridades do ministro
Mas em matéria de dislates, diga-se em abono da verdade, ninguém na bancada socialista esteve à altura de superar o Ministro da Saúde. Acossado pelas críticas, não viu na interpelação outra coisa que não «roupa velha», considerando-a mesmo um «falhanço», porquanto, imagine-se, dela estiveram ausentes temas - esses sim relevantes, considerou- como o «dilema das novas doenças» ou a «gripe das aves».
O País ficou assim a saber quais as prioridades do Ministro da Saúde, Correia de Campos, que na sua intervenção final cometeu a proeza de não dizer uma palavra sobre política de saúde, limitando-se numa oratória mediocremente teatralizada a atacar as oposições.
O desplante chegou ao ponto de afirmar que «fechar as urgências nos SAP é oferecer melhores condições» aos utentes. E, como «sinais positivos», em favor da sua governação, invocou o incremento de «mais genéricos» e a «redução da despesa» (mas não disse que à custa da compressão dos direitos dos trabalhadores e do agravamento dos custos para os utentes, como acusou Bernardino Soares).
O titular da pasta da Saúde optou, contudo, por prudentes evasivas ou mesmo pelo silêncio quando foi interpelado a pronunciar-se sobre outras questões como sejam a implementação das Unidades de Saúde Familiares, as dificuldades crescentes no acesso aos cuidados de saúde, o financiamento do sistema ou o crescente processo de privatização em curso na saúde.
Desafio ao PS
Do ministro, como da bancada que apoia o Governo, saltou ainda o argumento gasto de que por trás das críticas do PCP está o que chamou de «imobilismo» de quem quer que tudo fique na mesma.
António Filipe, mostrando não ser essa uma carapuça para o PCP, acabou por fintar Correia de Campos e, em jeito de desafio, instou-o a «não deixar tudo na mesma e a mudar muita coisa que deve ser mudada».
«Acabe com as taxas moderadoras, alargue o mercado dos medicamentos genéricos, alargue a lista de medicamentos para doenças crónicas e degenarativas comparticipados a 100 %, aprove uma lei de gestão de serviços de saúde em que os gestores sejam seleccionados por concurso público e não por compadrio», propôs o deputado do PCP, antes de concluir, dirigindo-se aos membros do Governo: «Não deixem tudo na mesma, mas façam o que não fizeram até agora. Façam alguma coisa em defesa do SNS; façam alguma coisa em benefício do direito à saúde dos portugueses; façam alguma coisa que possam dizer sem corar que é de esquerda».
Na passada semana, no Parlamento, em interpelação do PCP ao Governo sobre a política de saúde, foi essa ideia central que acabou por ressaltar e marcar todo o debate. À destruição do Serviço Nacional de Saúde a que conduz esta política, toda ela orientada para satisfazer a voracidade dos interesses económicos, contrapõe a bancada comunista uma outra política centrada na defesa e valorização do SNS, instrumento fundamental sem o qual, como diz a Constituição, não é possível garantir aos portugueses o direito à saúde.
Piores serviços
Foram estas concepções distintas, separadas por uma linha que tem na nossa lei Fundamental a sua fronteira, que estiveram em confronto ao longo de um debate que se prolongou por mais de três horas e do qual resultou uma conclusão indesmentível: os portugueses têm hoje piores e mais caros serviços de saúde.
Dito de outro modo, o direito à saúde consagrado constitucionalmente está cada vez mais afastado da generalidade da população.
Essa é a consequência, inevitável, de uma política que tem como traço fundamental o seu «compromisso ideológico com a privatização dos serviços de saúde».
«Com a política deste Governo a saúde é cada vez menos um direito de muitos e cada vez mais um negócio de alguns», sublinhou o deputado comunista António Filipe, na intervenção de encerramento, acusando o Governo de ter como objectivo «destruir o SNS para que os grupos económicos privados o possam substituir em seu proveito e com grande prejuízo para a grande maioria da população».
Para esta questão decisiva já no início da interpelação o líder parlamentar comunista, Bernardino Soares, chamara a atenção, pondo em evidência os dois eixos estratégicos que, em sua opinião, conformam a política de saúde. Um, observou, assenta na redução da despesa, através de restrições orçamentais e da transferência progressiva dos custos da saúde para os utentes; o outro, passa por favorecer e beneficiar os investimentos privados na saúde, à medida da própria degradação da capacidade e qualidade de resposta do SNS.
Falta de argumentos
Foi esta realidade nua e crua que os deputados do PCP trouxeram para o centro do debate, de forma responsável e séria, perante uma bancada socialista que mostrou estar mais apostada em atacar quem crítica o Governo do que propriamente em defender a bondade das suas políticas.
Daí que, perante as acusações concretas formuladas pela bancada comunista – as dificuldades de acesso das populações aos cuidados de saúde, o aumento dos gastos, a degradação da resposta do SNS, a precarização do profissionais do sector, entre tantas outras – à falta de argumentos, a bancada do PS tenha acabado por resvalar para a chicana política e os achaques.
Num tom destemperado, sem nada trazer ao debate, ouviram-se verdadeiras pérolas como a de que «O PCP está na lógica de destruir o sistema», segundo Ricardo Gonçalves, enquanto para o seu companheiro de bancada, Manuel Pizarro, o Grupo comunista é um caso de «atavismo e demagogia», entregue ao «coro da desgraça».
Foram estes mesmos deputados do PS, aliás, quando confrontados com a denúncia da bancada comunista sobre situações dramáticas originadas pela redução de serviços e insuficiência de meios (como o do transporte de um cidadão que levou sete horas de Odemira até Lisboa, onde acabou por falecer), que chegaram inclusivamente ao ponto de considerar tais casos como meramente «casuísticos», sem relevância nem do ponto de vista estatístico nem para suportar um debate político.
As prioridades do ministro
Mas em matéria de dislates, diga-se em abono da verdade, ninguém na bancada socialista esteve à altura de superar o Ministro da Saúde. Acossado pelas críticas, não viu na interpelação outra coisa que não «roupa velha», considerando-a mesmo um «falhanço», porquanto, imagine-se, dela estiveram ausentes temas - esses sim relevantes, considerou- como o «dilema das novas doenças» ou a «gripe das aves».
O País ficou assim a saber quais as prioridades do Ministro da Saúde, Correia de Campos, que na sua intervenção final cometeu a proeza de não dizer uma palavra sobre política de saúde, limitando-se numa oratória mediocremente teatralizada a atacar as oposições.
O desplante chegou ao ponto de afirmar que «fechar as urgências nos SAP é oferecer melhores condições» aos utentes. E, como «sinais positivos», em favor da sua governação, invocou o incremento de «mais genéricos» e a «redução da despesa» (mas não disse que à custa da compressão dos direitos dos trabalhadores e do agravamento dos custos para os utentes, como acusou Bernardino Soares).
O titular da pasta da Saúde optou, contudo, por prudentes evasivas ou mesmo pelo silêncio quando foi interpelado a pronunciar-se sobre outras questões como sejam a implementação das Unidades de Saúde Familiares, as dificuldades crescentes no acesso aos cuidados de saúde, o financiamento do sistema ou o crescente processo de privatização em curso na saúde.
Desafio ao PS
Do ministro, como da bancada que apoia o Governo, saltou ainda o argumento gasto de que por trás das críticas do PCP está o que chamou de «imobilismo» de quem quer que tudo fique na mesma.
António Filipe, mostrando não ser essa uma carapuça para o PCP, acabou por fintar Correia de Campos e, em jeito de desafio, instou-o a «não deixar tudo na mesma e a mudar muita coisa que deve ser mudada».
«Acabe com as taxas moderadoras, alargue o mercado dos medicamentos genéricos, alargue a lista de medicamentos para doenças crónicas e degenarativas comparticipados a 100 %, aprove uma lei de gestão de serviços de saúde em que os gestores sejam seleccionados por concurso público e não por compadrio», propôs o deputado do PCP, antes de concluir, dirigindo-se aos membros do Governo: «Não deixem tudo na mesma, mas façam o que não fizeram até agora. Façam alguma coisa em defesa do SNS; façam alguma coisa em benefício do direito à saúde dos portugueses; façam alguma coisa que possam dizer sem corar que é de esquerda».