Mão-cheia de nada

Henrique Custódio
No congresso do PS que a semana passada entronizou José Sócrates como o actual «dono» do partido – na tradição, aliás, do que sempre ocorre e dura em Portugal enquanto um líder partidário for, concomitantemente, o «dono» do Governo e das suas infindáveis prebendas -, o reconduzidíssimo secretário-geral anunciou espalhafatosamente no seu discurso de encerramento que se preparava para «uma actualização progressiva» do salário mínimo nacional nos próximos três anos. Como não resiste aos floreados pirotécnicos em que se tornou especialista, frisou mesmo a intenção com a seguinte pérola: «Fá-lo-emos ainda este mês e esperamos poder contar com o empenhamento de todos os parceiros sociais para um acordo sobre um salário mínimo que dignifique o trabalho, reduza as desigualdades e prestigie o diálogo social».
Em todo este relambório desponta um único facto concreto – o de que, «ainda este mês», o Governo de José Sócrates «tenciona procurar um acordo» sobre o salário mínimo.
De fora fica o essencial, que é substantivamente tudo: quanto se pretende aumentar, que valor mínimo se tenciona atingir, que faseamento no tempo se quer operacionalizar, que percentagens de aumento se decidiu propor.
Assinale-se que José Sócrates já nem quantifica o tamanho da promessa que não vai cumprir, como fez, por exemplo, com os «150 mil novos postos de trabalho» que, como se sabe, estão paulatinamente a transformar-se em «150 mil novos desempregados».
Agora, com esta curiosa promessa de «aumento do salário mínimo» que não tem tamanho, nem medida, nem réstia de substância, José Sócrates já exibe mãos-cheias de coisa nenhuma.
A desfaçatez deste comportamento político de José Sócrates fica irrevogavelmente exposta, quando confrontada com a actuação do seu homólogo espanhol, José Luis Zapatero, na mesma matéria.
Quando subiu ao poder em 2004, Zapatero prometeu elevar o salário mínimo dos 460 euros de então para 600 euros em 2008, o que corresponde a um crescimento de 30% em quatro anos.
Passados dois anos, o balanço é esclarecedor: em 2005 e 2006 o salário mínimo real, em Espanha, cresceu cumulativamente 9% acima da produtividade, prevendo-se que em 2007 a descolagem desse salário mínimo real face à produtividade atingirá os 11%, o que configura uma efectiva concretização da promessa feita por Zapatero de se atingir, em 2008, um salário mínimo de 600 euros.
Em Portugal, no mesmo período – praticamente, todo ele, sob regência da maioria absoluta de José Sócrates – o inventário é igualmente elucidativo: em 2005 e 2006 o ordenado mínimo desvalorizou, em termos reais, 0,8% face à evolução da produtividade, apesar das promessas entretanto feitas tanto para a «criação de novos empregos», como para as «melhorias salariais» com que José Sócrates arrebanhou os votos da sua maioria absoluta.
Se recordarmos que o salário mínimo em Portugal anda actualmente nos 385,9 euros, e mesmo esses reduzidos a 343,5 euros após deduções para a Segurança Social, suspeitamos que esta «dignificação» do salário mínimo agora prometida por José Sócrates irá, na crueza dos factos, apenas transformar esta miséria de ordenado num consolidado «ordenado de miséria».
Deve tudo fazer parte da «grande reforma» para a direita que este «líder de esquerda» está a aplicar ao País.


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