Deus os fez Deus os juntou

José Casanova
Aqui há tempos, a Europa foi abalada pela notícia de que os EUA torturavam os milhares de cidadãos de dezenas de países que mantinham como prisioneiros em cadeias espalhadas por todo o mundo (Europa incluída). Os líderes europeus escandalizaram-se: como é possível que o país berço dos direitos humanos, mãe da democracia, pátria da liberdade, cometa tamanho atropelo democrático? E, ofendidos nos seus brios democráticos, exigiram explicações. Que vieram rápidas: de avião: a inimitável Condollezza Rice voou até à Europa e, num ápice, com o pragmatismo que a caracteriza, pôs tudo em pratos limpos. A prova provada de que os EUA não praticam torturas, disse a senhora, está escrita e pode ser lida por qualquer pessoa: a constituição dos EUA não permite a prática de torturas. Tomem lá que é para aprenderem!
Os aparentemente desassossegados líderes europeus sossegaram, respiraram fundo, trocaram sorrisos e foram-se deitar com as consciências tranquilas.
Agora, as coisas já não são bem assim: a Câmara de Representantes e o Senado dos EUA aprovaram a prática da tortura. E fizeram-no sem violar a constituição do seu país. Como? É simples: decretaram que a tortura não é tortura se for praticada pelos EUA. Ou seja, práticas como a tortura do «sono», a tortura da «estátua» e outras semelhantes, algumas conduzindo mesmo à morte do interrogado, passam a ser democraticíssimas formas de «combate ao terrorismo». Mais: esta decisão tem carácter retroactivo, pelo que, os torturados de Guantanamo, Abu Gharib, etc, etc, não foram torturados...
Tudo isto quer dizer que, a partir de hoje, qualquer cidadão que, em qualquer país do mundo, for considerado, pelos EUA, suspeito de terrorismo, ficará sujeito não à tortura, mas à tortura democrática, legal, em liberdade.
Bush, o bando de democratas que o rodeia e os não menos democratas líderes mundiais que, rastejando a seus pés, os louvam e incensam, vão mais longe, em 2006, do que os ditadores fascistas portugueses o foram noutros tempos. Salazar e Caetano consideravam mesmo tortura o que era tortura. Só que - tão cristianíssimos como democraticíssimos são os seus colegas dos EUA de hoje - negavam praticá-la e espalhavam por todo o mundo que se tratava de «campanhas dos comunistas», os quais, dizia Caetano, «chamam torturas a interrogatórios de três ou quatro horas.»
Salazar & Caetano, Bush & Rice: Deus os fez Deus os juntou.



Mais artigos de: Opinião

Central do rapto e da tortura

Em Novembro de 2005, Dieter Wiefelspütz, responsável do Partido Social-Democrata Alemão pela política de Segurança, formulava a posição do SPD face à utilização ilegal do território e do espaço aéreo alemães pela CIA nos seguintes termos: «Não temos nada a ver com o que os americanos fazem com as suas bases», isto é, a...

Algumas reflexões <br>sobre o combate à pobreza

Enfrentar a pobreza impõe não só um diagnóstico da realidade mas avaliar as suas causas e sobre elas actuar. Impõe uma mudança de fundo nas orientações políticas e ideológicas que têm vindo a ser seguidas.

Os descartados

Não há nada mais deplorável dos que os ex da política, retirados em saídas de leão para disfarçar as andanças de sendeiro, e sempre à coca de qualquer oportunidade, pífia que seja, para aquecer vaidades à luz efémera da ribalta.O caso é particularmente confrangedor no que toca aos ditos renovadores, vulgo ex-comunistas,...

Solidários, sempre!

Dez meses depois, o governo da República Checa - RCH, confirmou aquilo que já havia anunciado no início do ano e informou a KSM – Juventude Comunista da República Checa – da sua ilegalização. O «democrático» governo deste país, que é membro da não menos «democrática» União Europeia e da NATO, invocou na sua decisão, o...