Comentário

Algumas interrogações

Ilda Figueiredo
Nesta recta final de 2006, em que se agudiza a luta de classes em Portugal, como o demonstrou bem a manifestação de cerca de 100 mil pessoas nas ruas de Lisboa, no passado dia 12 de Outubro, mas que também se faz sentir em diversos países da União Europeia, crescem as interrogações sobre a evolução social e política, a curto e médio prazo.
É que, indiferentes aos problemas económicos e sociais que estão a provocar com estas políticas de neoliberalismo desenfreado, utilizando o Pacto de Estabilidade e os seus estúpidos critérios de convergência nominal, o aumento das taxas de juro pelo Banco Central Europeu (BCE), a estratégia de Lisboa e as directivas de liberalização/privatização de serviços públicos, os líderes da União Europeia não param e insistem em aprofundar a ofensiva. Talvez pensem que mais vale acelerar a corrida para ver se escapam às diversas lutas que se multiplicam, mas que levam algum tempo a mobilizar e a convergir.
Por isso, aí estão a tentar concluir a criação do mercado interno, que querem alargar aos serviços, incluindo à generalidade dos serviços públicos, até ao final do ano, a «flexisegurança» e a tentativa de alterar a directiva sobre o tempo de trabalho, para, conjuntamente com prováveis alterações à directiva sobre destacamento de trabalhadores, completarem o quadro que a famigerada directiva Bolkestein pretendia na sua versão original.
Mas se esta é a agenda mínima para o capital europeu, a dita constituição europeia continua a ser um objectivo central, apesar da derrota que sofreram na França e na Holanda. A chanceler alemã, Angela Merkel, acaba de o tornar claro ao referir que quer um Tratado novo antes das próximas eleições para o Parlamento Europeu, em Junho de 2009. Para isso, propõe-se elaborar um roteiro durante a Presidência alemã, que se inicia em 1 de Janeiro de 2007, exactamente no mesmo momento em que a União Europeia passa a 27 estados-membros, com a adesão da Bulgária e da Roménia.
Entretanto, no segundo semestre do próximo ano, é a vez de Portugal presidir aos destinos da União Europeia. Será que vamos ter pela frente uma ameaça idêntica à da estratégia de Lisboa? Ou, ainda mais grave, o retorno da dita constituição europeia, depois de alguma mudança de pormenor, para que tudo continue na mesma, como afirmava Leopardo de Lampedusa?
É certo que 2007 é também ano de eleições presidenciais em França. Sabe-se que Nicolas Sarkozy, o ministro do interior francês, e apontado como o favorito da direita à candidatura presidencial, defendeu, recentemente, um novo mini-tratado. Ele sabe que não pode defender a dita constituição europeia. Aliás, depois da vitória do não, o projecto do tratado constitucional, tal como existe, não poder ser aprovado nem entrar em vigor.
Mas a insistência vai continuar, porque na sua génese está a estratégia imperial, também diversas vezes defendida no nosso país pela elite do poder, de construir um império europeu capaz de fazer frente ao império dos EUA. Só que nem aí há grande coerência. Veja-se a subordinação completa à NATO, que, por sua vez, é controlada pelos EUA. Veja-se o contínuo seguidismo pelos líderes da União Europeia das posições imperiais norte-americanas, desde o Afeganistão até ao Iraque, passando pelo Médio Oriente, igualmente bem visíveis no escândalo dos voos da CIA e na cedência dos dados pessoais dos passageiros em viagens aéreas para os EUA.
Por isso, as interrogações avolumam-se. Temos pela frente um tempo difícil. Em Portugal, para travar esta ofensiva desenfreada contra as funções sociais do Estado e os direitos dos trabalhadores e das populações, direitos esses consagrados na Constituição da República Portuguesa. A nível da União Europeia e, portanto, também de Portugal, dado que somos um Estado-Membro, a luta contra as propostas de directivas neoliberais, as políticas macro-económicas e o aumento constante das taxas de juro do BCE, que convergem na destruição das micro e pequenas empresas, no agravamento do endividamento das famílias, na intensificação das desigualdades sociais, facilitando o caminho à concentração e centralização capitalistas.
Como tudo isto gera, naturalmente, conflitos sociais, os estados-maiores do capitalismo comunitário precisam de uma maior concentração do poder e criação de fortes mecanismos repressivos que lhes permitam impor, se necessário pela força, os objectivos centrais desta globalização capitalista. Daí a insistência na dita constituição europeia. Será que vão conseguir? Faremos tudo para que isso não aconteça. A luta é o único caminho.


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