Comentário

Impasse na OMC?

Pedro Carvalho
«Estou convicto de que o único caminho que posso recomendar é suspender as negociações da Ronda (...) para permitir uma reflexão séria por parte dos participantes!». Foi com esta palavras que Pascal Lamy, director-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), na tarde do dia 24 de Julho, suspendia as negociações da Ronda de Doha, o que veio a ser confirmado pela Assembleia-Geral da OMC de 27 e 28 de Julho. O impasse nas negociações de liberalização dos produtos agrícolas e dos produtos industriais (NAMA) manteve-se, apesar das manobras negociais de Pascal Lamy de juntar um apelidado G6 (EUA, UE, Japão, Austrália, Brasil e Índia), com vista a desbloquear um acordo para os restantes 143 países participantes, excluídos da mesa negocial.
Neste contexto, o conselho de Lamy não podia ser outro: temos de parar, para que os constrangimentos de política interna das grandes potências possam ser superados (nomeadamente as eleições nos EUA a 7 de Novembro), para que a Ronda possa avançar. A dramatização da «suspensão», com a tónica no colapso das regras do comércio multilateral e da própria OMC, seria uma forte pressão para que os países menos avançados e em vias de desenvolvimento aceitassem um mau acordo. Por isso, grande parte dos actores principais expressaram de imediato o seu desapontamento e reforçaram o compromisso para a conclusão da Ronda. A melhor expressão disso foi a declaração conjunta das confederações patronais de todo o G6, a 26 de Julho, mostrando que o capital está unido em torno de objectivos comuns.
O Parlamento Europeu, em alinhamento com as declarações do Comissário Mandelson e da UNICE (Confederação Patronal Europeia), aprovou no dia 7 de Setembro, uma resolução onde também se dramatiza a suspensão das negociações e se tenta vender a ideia que os países mais prejudicados serão os menos desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento.
Mais uma vez tentou-se branquear o conteúdo da denominada Agenda de Doha para o Desenvolvimento (ADD) – que mais não é que a defesa dos interesses do centro capitalista na abertura do mercado da periferia aos seus produtos (agrícolas e industriais) e serviços –, insistindo-se na ideia de que é pelo comércio livre de qualquer obstáculo (para as grandes empresas multinacionais do G7), que se faz o desenvolvimento. Por outro lado, a resolução identifica a existência de uma alegada contradição entre os acordos comerciais multilaterais e bilaterais. Ora, nada disto podia estar mais longe da verdade.
A OMC é o principal defensor dos interesses das grandes multinacionais do centro capitalista, garantindo a expansão dos mercados, potenciando os lucros e o acesso a matérias-primas e eliminando os obstáculos a uma maior exploração da periferia capitalista. O estabelecimento da OMC em 1995 não só veio dar um novo cariz institucional aos acordos GATT, como também criou a capacidade jurisdicional de impor o teor dos acordos assinados pelos países participantes.
Já a ronda do Uruguai, que levou nove anos a concluir (1986-1994), também ela decidida entre os grandes através do acordo de Blair House entre os EUA e a UE (1992), ficou marcada por longos impasses que pareciam insanáveis, nomeadamente entre 1990 e 1993.
A grande questão é que, após o impasse entre os EUA e a UE que levou ao fracasso do lançamento da ronda negocial de Seattle em 1999, o centro capitalista «amarrou» os países em vias de desenvolvimento e menos desenvolvidos à Ronda de Doha, ou seja, à sua agenda. A Declaração Ministerial de 14 de Novembro de 2001, aprovada por todas as partes, insiste no processo de liberalização comercial, na abertura de mercados e corte de taxas, reafirma a defesa dos objectivos da OMC e a rejeição do proteccionismo, inclui os serviços e os chamados temas de Singapura (nomeadamente o investimento e a concorrência).
É verdade que os países da periferia resistiram na Quinta Conferência Ministerial da OMC, em Cancún (Setembro de 2003), conseguindo retirar do calendário negocial os temas de Singapura. Mas também é verdade que, na Sexta Conferência, em Hong-Kong (Dezembro de 2005), aceitaram um amplo acordo no domínio dos serviços (GATS), o qual não é posto em causa pela presente suspensão, aliás, como nada do que foi antes negociado.
Claro que entre Doha e o Uruguai existem diferenças. A contestação antiglobalização subiu de tom desde 1999, assim como a resistência dos povos contra o domínio das grandes empresas multinacionais. Ocorreram mudanças políticas significativas na América Latina. Existem limitações à expansão dos mercados e ao grau de exploração da periferia, o que aumenta as rivalidades no centro e torna mais difícil a aceitação cega da periferia. Mas hoje a possibilidade de acordos bilaterais de índole regional, com aprofundamento do processo de «regionalização» ao nível mundial, não só não são contraditórios com os acordos multilaterais, como são essenciais para garantir a dinâmica de liberalização e ajudar a superação das crises.
O sistema precisa desta ronda, a «suspensão» é uma tábua de salvação. Mas também é uma oportunidade de luta contra uma pedra basilar do sistema, que importa aproveitar.


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