Pela despenalização!
Já passou pelas páginas do nosso Avante! (e justamente) basta informação e opinião sobre a recente sentença que condenou três jovens mulheres do distrito de Aveiro a seis meses de prisão, com pena suspensa por dois anos. Parecem-me oportunos ainda dois apontamentos.
Despenalizar o aborto até às 12 semanas a pedido da mulher
A primeira questão prende-se com estas três mulheres. Jovens, tinham 18, 19 e 21 anos, na altura em que decidiram não poder levar até ao fim a sua gravidez. Não sabendo quem são, elas representam tantas e tantas outras que, por razões que só cada uma poderá avaliar, pesar ou até conhecer, ficam, de um momento para o outro, expostas a esta tripla ofensa.
Em primeiro lugar são obrigadas – porque o Estado não cumpre cabalmente a sua responsabilidade de garantir os cuidados de saúde, incluindo da saúde reprodutiva – a procurar soluções clandestinas, em condições que podem pôr em risco a sua própria vida. Soluções que, no caso presente, custavam entre 55 e 90 contos em 1997, mas que são bem mais em conta que as clínicas finas de Espanha ou de Londres.
Em segundo lugar porque podem, em qualquer altura, ver as suas vidas e a sua intimidade devassadas por polícias que, no cumprimento de uma lei iníqua, as sujeitam a perseguições, interrogatórios, exames médicos. Poderá alguém imaginar a humilhação e a revolta de uma jovem que, tendo acabado de fazer um aborto, é conduzida por agentes da polícia a exames que o comprovem?
São por fim ofendidas porque, novamente em cumprimento da lei injusta, um tribunal, depois de lhes fazer novos interrogatórios, as condena a penas de prisão, embora mitigada pela figura da pena suspensa.
Ficam assim marcadas socialmente para toda a sua vida.
A segunda questão decorre das reacções que na altura se ouviram. Importa então anotar dois traços.
Um dos que sempre disseram que a lei era acertada porque não havia mulheres condenadas. Quando questionados sobre se queriam ver mulheres na prisão por causa do aborto, diziam que a questão não se punha, fugiam a responder. Lembro-me até de um membro da Igreja Católica que me dizia, num debate em que participei, que odiava o pecado mas amava o pecador e portanto ele não queria julgar. Agora ouvi-os a assobiar para o lado. Estarão satisfeitos?
O segundo, a propósito das posições do PS e do BE. É extraordinária a facilidade com que procuram sacudir a água dos seus capotes. Uns prometendo um referendo lá mais para o ano que vem, outros pondo-se em bicos de pés para exigir o fim da criminalização das mulheres.
Embora com objectivos e por razões diferentes, ambos têm, como foi referenciado na Nota da Comissão Política do Partido, responsabilidades por desde há dezasseis meses haver uma maioria na Assembleia da República capaz de aprovar uma lei de despenalização da IVG, e sermos ainda agora confrontados com tal sentença.
Sem a lei, prosseguem os julgamentos
Até aqui são factos. Quais serão então as razões desta situação?
O PS, por seu lado, gere (seja com acordos feitos à pressa entre Guterres e Marcelo, já depois de haver uma lei aprovada na AR, seja com sucessivos adiamentos) a incapacidade da sua direcção de assumir na prática a defesa de uma posição clara e consequente sobre a matéria. É o preço a pagar por compromissos pré e/ou pós eleitorais, a troco de um punhado de votos.
Já quanto ao BE, a vida mostra que o que os move não é o objectivo final deste processo, mas sim o cavalgar, poder estar sempre visível, tirar dividendos dele. Longe vão os tempos em que afirmavam pelas ruas que a solução estava na sua petição em defesa de um novo referendo, como que se as assinaturas fossem sinónimo de referendo e se o referendo fosse sinónimo de lei da AR.
Quando o PCP alertou para os perigos dessa estratégia (até porque não há razões políticas ou jurídicas que obriguem a novo referendo), acusaram-nos de termos medo do referendo.
A petição foi apresentada e do referendo nem sinal.
Enquanto vão dizendo que não querem fazer disto uma guerra inter-partidária, atiram-nos agora com o argumento de que não está garantida a maioria na Assembleia da República, para aprovar a lei.
Como é que o BE o pode afirmar? Havendo 116 deputados do PS, 12 do PCP, 2 dos Verdes e ainda os do BE, mesmo que alguns do PS falhassem a esta votação, dificilmente seria rejeitada.
Mas sobra ainda a arrogância de quem afirmando que a tal maioria não existe no Parlamento, conta com ela de mão beijada, no conjunto do eleitorado português, e logo em Janeiro, com a campanha do referendo a passar pelas festas natalícias e pelas missas do galo.
O PCP está, sem nenhuma satisfação, mas coerentemente, na sua posição de sempre. Na defesa da aprovação de uma lei na Assembleia da República que despenalize a interrupção voluntária da Gravidez, até às doze semanas, a pedido da mulher, em estabelecimento de saúde público ou reconhecido. Sem nenhuma satisfação porque enquanto a lei não entrar em vigor haverá mais e mais mulheres a ser ultrajadas.
Em primeiro lugar são obrigadas – porque o Estado não cumpre cabalmente a sua responsabilidade de garantir os cuidados de saúde, incluindo da saúde reprodutiva – a procurar soluções clandestinas, em condições que podem pôr em risco a sua própria vida. Soluções que, no caso presente, custavam entre 55 e 90 contos em 1997, mas que são bem mais em conta que as clínicas finas de Espanha ou de Londres.
Em segundo lugar porque podem, em qualquer altura, ver as suas vidas e a sua intimidade devassadas por polícias que, no cumprimento de uma lei iníqua, as sujeitam a perseguições, interrogatórios, exames médicos. Poderá alguém imaginar a humilhação e a revolta de uma jovem que, tendo acabado de fazer um aborto, é conduzida por agentes da polícia a exames que o comprovem?
São por fim ofendidas porque, novamente em cumprimento da lei injusta, um tribunal, depois de lhes fazer novos interrogatórios, as condena a penas de prisão, embora mitigada pela figura da pena suspensa.
Ficam assim marcadas socialmente para toda a sua vida.
A segunda questão decorre das reacções que na altura se ouviram. Importa então anotar dois traços.
Um dos que sempre disseram que a lei era acertada porque não havia mulheres condenadas. Quando questionados sobre se queriam ver mulheres na prisão por causa do aborto, diziam que a questão não se punha, fugiam a responder. Lembro-me até de um membro da Igreja Católica que me dizia, num debate em que participei, que odiava o pecado mas amava o pecador e portanto ele não queria julgar. Agora ouvi-os a assobiar para o lado. Estarão satisfeitos?
O segundo, a propósito das posições do PS e do BE. É extraordinária a facilidade com que procuram sacudir a água dos seus capotes. Uns prometendo um referendo lá mais para o ano que vem, outros pondo-se em bicos de pés para exigir o fim da criminalização das mulheres.
Embora com objectivos e por razões diferentes, ambos têm, como foi referenciado na Nota da Comissão Política do Partido, responsabilidades por desde há dezasseis meses haver uma maioria na Assembleia da República capaz de aprovar uma lei de despenalização da IVG, e sermos ainda agora confrontados com tal sentença.
Sem a lei, prosseguem os julgamentos
Até aqui são factos. Quais serão então as razões desta situação?
O PS, por seu lado, gere (seja com acordos feitos à pressa entre Guterres e Marcelo, já depois de haver uma lei aprovada na AR, seja com sucessivos adiamentos) a incapacidade da sua direcção de assumir na prática a defesa de uma posição clara e consequente sobre a matéria. É o preço a pagar por compromissos pré e/ou pós eleitorais, a troco de um punhado de votos.
Já quanto ao BE, a vida mostra que o que os move não é o objectivo final deste processo, mas sim o cavalgar, poder estar sempre visível, tirar dividendos dele. Longe vão os tempos em que afirmavam pelas ruas que a solução estava na sua petição em defesa de um novo referendo, como que se as assinaturas fossem sinónimo de referendo e se o referendo fosse sinónimo de lei da AR.
Quando o PCP alertou para os perigos dessa estratégia (até porque não há razões políticas ou jurídicas que obriguem a novo referendo), acusaram-nos de termos medo do referendo.
A petição foi apresentada e do referendo nem sinal.
Enquanto vão dizendo que não querem fazer disto uma guerra inter-partidária, atiram-nos agora com o argumento de que não está garantida a maioria na Assembleia da República, para aprovar a lei.
Como é que o BE o pode afirmar? Havendo 116 deputados do PS, 12 do PCP, 2 dos Verdes e ainda os do BE, mesmo que alguns do PS falhassem a esta votação, dificilmente seria rejeitada.
Mas sobra ainda a arrogância de quem afirmando que a tal maioria não existe no Parlamento, conta com ela de mão beijada, no conjunto do eleitorado português, e logo em Janeiro, com a campanha do referendo a passar pelas festas natalícias e pelas missas do galo.
O PCP está, sem nenhuma satisfação, mas coerentemente, na sua posição de sempre. Na defesa da aprovação de uma lei na Assembleia da República que despenalize a interrupção voluntária da Gravidez, até às doze semanas, a pedido da mulher, em estabelecimento de saúde público ou reconhecido. Sem nenhuma satisfação porque enquanto a lei não entrar em vigor haverá mais e mais mulheres a ser ultrajadas.