Revolução & petróleo

Pedro Campos
Decorreu recentemente em Caracas a 141.ª Cimeira da Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP), evento que a oposição antibolivariana, alinhada e a soldo de Washington, aproveitou para acusar a administração de Hugo Chávez de dilapidar o orçamento público com gastos inúteis. A OPEP é, sem dúvida alguma, um dos organismos internacionais mais satanizados pelos Estados Unidos e pelo conjunto de países mais desenvolvidos do mundo capitalista, onde a palavra de ordem é proceder ao saque das matérias-primas dos países em desenvolvimento e vender-lhes caros os produtos elaborados, mormente se são produzidos com essas mesmas riquezas.
Porquê tanto ódio contra a OPEP? Talvez porque, como diz o presidente venezuelano, a OPEP se transformou na «vanguarda do terceiro mundo» e porque se foi a Venezuela quem teve um papel determinante na sua criação é ela agora – depois de alguns anos de enfraquecimento deliberado da organização – quem retoma a sua defesa.
Antes do nascimento da OPEP eram as Sete Irmãs – Esso (Exxon), Mobil, Gulf, Texaco, Chevron, BP e Shell – as que decidiam como, quando e quanto explorar.
Impunham igualmente a como vender o barril de petróleo e quanto deviam receber em direitos os países proprietários do ouro negro. Se o petróleo ainda é um grande negócio para elas, é fácil de imaginar como seria então! Por esses anos, Rómulo Betancourt, um dos presidentes mais reaccionários e anticomunistas da Venezuela, descreveu assim a situação: «Ao falar das transnacionais, que têm extraído do nosso país milhões de barris de petróleo, e milhares de milhões de dólares e de libras esterlinas de superlucros, não usarei uma linguagem irada nem tão pouco uma linguagem complacente. E isto porque acredito que se essas companhias têm podido realizar uma espoliação no nosso país é porque têm encontrado a cumplicidade de governantes sem inteireza ou venais, que não
souberam ou não quiseram defender os interesses da Venezuela».
Por volta de 1959 a Exxon, em resposta aos seus interesses e aos de Washington, decretou, desde um qualquer arranha-céus de Nova Iorque, uma nova redução do preço do barril de petróleo, no qual foi seguida pelas suas Irmãs.
Esta parece ter sido a gota que entornou o copo e no ano seguinte, em Bagdade, surge a OPEP, da qual são fundadores Arábia Saudita, Iraque, Kuwait, Irão e Venezuela, motor fundamental da iniciativa. Mais tarde, aderem Argélia, Emiratos Árabes, Qatar, Indonésia, Líbia, Nigéria, Gabão e Equador. Hoje os membros são onze – os dois últimos países saíram da organização – mas somam uma população de mais de 500 milhões de habitantes… que possuem a maior parte das reservas petrolíferas do mundo! Contudo, os seus povos nunca têm participado dessa riqueza, que, em 1960, era vendida a US$ 1,80/barril. Recordemos o que escreveu por esses anos Pérez Alfonso[1] : Entre 1917 e 1935, «… as transnacionais extraíram das jazidas venezuelanas 1148 milhões de barris de petróleo e 153 milhões de equivalente em gás. Não obstante, o baixíssimo preço declarado, essa riqueza atingia 1199 milhões de dólares.» Durante esse mesmo
período, «apesar dos oito anos em que foi o primeiro exportador mundial», a Venezuela recebeu «unicamente 90 milhões de dólares[2]

O mundo mudou e com ele os preços do petróleo…

Como é óbvio, o imperialismo estava feliz com esta situação, não via razões para que mudasse e sabotou, sempre que possível, as decisões da OPEP desde o momento do seu nascimento. Entre a primeira e a segunda cimeira de chefes de Estado de países produtores passaram quase 25 anos… e segunda foi a de 1999, já com Hugo Chávez como presidente da Venezuela! Nestes anos, o preço do barril de petróleo, depois de ter subido até aos US$ 30/barril – década dos 70 – tinha caído escandalosamente e oscilava entre os 4 e os 7 dólares por barril. E como se isto fosse pouco, os economic hitmen (sicários económicos) tinham conseguido endividar os países produtores a níveis tais que estes estavam absolutamente dependentes do poder imperialista. Com os preços de rastos, os países da OPEP até eram (quase) «simpáticos», mesmo que alguns deles tivessem nacionalizado a sua indústria petrolífera, como é o caso da Venezuela que, em
1975, abandonou a fórmula do 50/50[3] , uma prática iniciada em Caracas em 1948 e que rapidamente se estendeu aos restantes membros da organização. Por certo, pouco depois um golpe de estado derrubava o governo de então…
Com a chegada de Hugo Chávez ao poder nasce um novo conjunto de políticas de fortalecimento da OPEP e o preço do petróleo ganha altura para se colocar quase de imediato nos US$ 10/barril. Posteriormente, na segunda cimeira de chefes de Estado é acordada nova faixa de preços: entre US$ 18 e US$ 28/barril. E agora esta cimeira de Caracas fixou o preço mínimo em US$ 50/barril[4].
Com uma nova abordagem da política de defesa dos recursos não renováveis do país, a administração bolivariana iniciou o processo de pôr a indústria petrolífera ao serviço das grandes maiorias venezuelanas e não da mesma elite de sempre, e conseguiu ganhar uma margem de manobra progressista fora do alcance de outros países em situação de pobreza igual ou parecida.
É isso que Washington não perdoa!

_____________

[1] Juan Pablo Pérez Alfonso, ex-ministro venezuelano e um dos fundadores da OPEP, in «Hundiéndonos en el excremento del diablo».
[2] Idem.
[3] Prática segundo a qual os benefícios iam metade para o Estado e metade para as empresas estrangeiras.
[4] Que os preços andem pelos US$ 70/barris (e mais) deve-se, em grande parte, às invasões perpetradas pelo imperialismo contra o Afeganistão, e muito especialmente contra o Iraque, às ameaças contra o Irão e à procura de economias em franco crescimento (v.g. Índia e China).



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