Política do medicamento

A saúde cada vez mais cara

«O que o Governo afinal nos traz é a mesma solução de sempre: liberalizar, liberalizar e liberalizar. Transformar até um bem essencial como a saúde num sector em que quem manda, cada vez mais sem qualquer limitação, é o lucro e o mercado».

Portugueses vêem agravados os custos com os medicamentos

Jerónimo de Sousa respondia assim ao anúncio feito momentos antes pelo Primeiro-Ministro de que o Governo decidira liberalizar a propriedade das farmácias, que deixará de ser um exclusivo dos licenciados em farmácia.
A intenção governamental foi dada a conhecer por José Sócrates na sua intervenção de abertura, na Assembleia da República, sexta-feira passada, no debate mensal centrado desta vez na temática das políticas de acesso ao medicamento.
Anunciadas pelo chefe do Executivo foram ainda várias outras medidas como o alargamento dos horários de funcionamento das farmácias e a sua instalação nos hospitais públicos, abertas todos os dias 24 horas.
Autorizada será ainda a criação de 300 novas farmácias, cuja distância mínima entre si passa a ser de 350 metros em vez dos actuais 500, tendo igualmente sido dito que o Governo concretizará a medida para a distribuição de medicamentos unidose.

Agravar os custos

Ao contrário do PSD, onde foi acolhida com aplauso - «o conjunto de medidas que aqui acabou de apresentar parece-nos francamente positivo, especialmente a liberalização das farmácias», afirmou o seu líder, Marques Mendes - , a decisão do Executivo, na bancada do PCP, motivou uma reacção contrária, com Jerónimo de Sousa a considerar a opção pela liberalização como típica de uma «política de direita».
«Inevitavelmente, isto acaba sempre por ficar nas mãos das multinacionais», sustentou o dirigente comunista, que acusou o Governo de ter tornado «a saúde mais cara para o povo» ao diminuir a comparticipação dos medicamentos.
A única medida que a bancada comunista afirmou subscrever é a que respeita às alterações das regras relativas à distribuição das farmácias, pois, como foi dito, é «no interesse das populações».
Quanto ao mais, para Jerónimo de Sousa, as medidas anunciadas vêm na linha de uma política do medicamento que tem agravado os gastos dos portugueses com os medicamentos.
Exemplificando, lembrou que o Executivo nos últimos meses «retirou a majoração de 10% para os medicamentos genéricos», fazendo o mesmo à «comparticipação acrescida de 25% para os reformados com pensões baixas», tendo ainda retirado a «comparticipação a 100% de uma grande parte dos medicamentos do escalão A (os mais essenciais)».
O Secretário-Geral do PCP recordou, por outro lado, que o Governo manteve o «injusto sistema de preços de referência» do seu antecessor, «castigando os utentes no preço quando os médicos não autorizam a utilização do genérico».

Penalizar o povo

«Optou por impor medidas que trazem poupança para o Estado, mas à custa das populações», acusou Jerónimo de Sousa, para quem o Governo, se o quisesse, «tinha alternativas».
«Podia avançar com a prescrição por princípio activo, conforme aliás inscreveu no seu programa. Podia introduzir uma cláusula de salvaguarda no sistema de preço de referência para que sempre que médico proibisse a utilização do genérico, não fosse o utente a pagar a diferença. Podia até aceitar aquela velha proposta do PCP, a que todos os governos se mostram alérgicos, de distribuir gratuitamente nos hospitais, ou vá lá, por um preço mais acessível, aqueles medicamentos que, sendo aí receitados, são mais caros para o Estado e para o utente se forem comprados numa farmácia comercial do que se dispensados no próprio hospital», assinalou Jerónimo de Sousa, convicto de que o Governo não tomou estas medidas porque elas «prejudicam os interesses económicos do sector».

Acordo com a ANF

Bernardino Soares, líder parlamentar comunista, no decurso do debate, solicitou o acesso ao acordo que nesse mesmo dia o Governo viria a assinar com a Associação Nacional de Farmácias (ANF).
Na ausência do texto, que Sócrates desse pelo menos garantias de que dele não consta «a entrega para gestão à ANF da central de compras de medicamentos do Serviço Nacional de Saúde que o Governo tem no seu programa», insistiu o presidente do Grupo comunista.
O primeiro-ministro, para quem a preocupação de Bernardino Soares não tinha «sustentação», prometeu disponibilizar o documento, depois de tecer considerações elogiosas à ANF, «um sector moderno, que não recusa as mudanças, quer progredir, evoluir, melhorar».
Denominado «Compromisso com a Saúde, o acordo com a Associação Nacional de Farmácias foi uma das medidas anunciadas no Parlamento por José Sócrates, havendo quem admita que representou uma cedência do Governo à ANF na concessão das farmácias hospitalares, em troca da liberalização da propriedade.



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