O mito do «monstro»
A Federação da Função Pública pretende analisar o PRACE e a luta dos trabalhadores contra a actual política, que agita o mito do «monstro-Estado» para abrir novas áreas ao monstro dos negócios privados.
O Governo não está a agir de forma séria na chamada reforma do Estado
O encontro nacional dos trabalhadores da Função Pública, sobre a contratação colectiva e a reforma da Administração Pública, reúne amanhã, no ISCTE, em Lisboa, cerca de 500 participantes, entre os quais se encontram especialistas – como Eugénio Rosa, economista, e José Abrantes, professor de Direito –, dirigentes da CGTP-IN (Carvalho da Silva e Amável Alves) e um representante da Confederação Intersindical Galega.
Interrogações
e preocupações
Esta iniciativa da Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública «é a primeira, a este nível, em que vamos analisar a situação e, além disso, vamos também olhar para o nosso trabalho e a nossa organização no futuro», adiantou Ana Avoila, coordenadora da FNSFP, eleita na reunião de anteontem da Direcção Nacional da federação. As preocupações expressam-se em interrogações: «Com que Administração Pública vamos ficar? Que implicações vai ter esta nova onda, a tentar convencer as pessoas de que há trabalhadores a mais?» E, se «nós sabemos que não é assim», estando o Governo «a fazer as coisas de forma séria, poderíamos demonstrar que não há funcionários a mais e onde faltam funcionários». «Mas isto não está a ser feito assim», acusa.
A dirigente admite que «o PRACE não nos surpreendeu», pois «muito do que consta nele já tem origens no Governo de Durão Barroso e estava contemplado no programa de Governo de José Sócrates». Mas, lembra Ana Avoila, «nos sindicatos precisamos estar atentos», particularmente ao período do Verão, porque «há uma comissão, no Governo, que está a estudar os documentos e, segundo é público, prevêem ter, no final de Junho, as leis orgânicas para cada ministério e, a seguir, vão começar a definir os quadros de supranumerários».
Esta possibilidade de definição de um número de trabalhadores excedentários constitui «um dos traços» do PRACE, do relatório que lhe deu origem e da resolução do Conselho de Ministros, que o aprovou. A outra linha estratégica, que perpassa todos esses documentos, «é a chamada externalização, que mais não é do que privatizar». Por trás da propaganda do Governo, Ana Avoila denuncia um duplo objectivo do programa: diminuir os serviços públicos, para entregar essas áreas a privados e, ao mesmo tempo, reduzir o número de funcionários públicos.
«A par das questões laborais, vamos discutir estas alterações da Administração Pública, que são importantes para os funcionários públicos, enquanto tal, e também enquanto cidadãos», diz a coordenadora da FNSFP, acentuando que, «como todos os trabalhadores, estamos preocupados com os graves riscos que correm hoje as funções sociais do Estado, criadas com o 25 de Abril, tanto as essenciais (saúde, Segurança Social, educação), como as outras todas, por arrastamento». É que «as obras públicas, o ambiente, o turismo ou a economia são ministérios e sectores que, pelo caminho que o Governo está a apontar, vão ficar ainda mais entregues aos patrões, transformados em áreas de negócio».
«Vai ser muito importante analisarmos o que, politicamente, o Governo pretende com este tipo de medidas», realça Paulo Trindade, que foi coordenador e se mantém como membro da Direcção Nacional da FNSFP e da Comissão Executiva do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Sul e Açores. Hoje, «com o que passam para a opinião pública, constantemente matraqueado, o Governo e os promotores desta política tentam impor a ideia de que o culpado de todos os males é o “monstro” do Estado e que a solução será reduzir o Estado ao mínimo, acabando com organismos e diminuindo o número de trabalhadores».
Para denunciar os verdadeiros objectivos, Paulo Trindade recorda dois casos. «Quando foi extinto o grupo de trabalho da Hidráulica Agrícola. uma estrutura do Estado, criada depois do 25 de Abril, para apoio à reforma agrária, havia quem argumentasse que era uma mera medida de gestão do Governo, mas essa extinção, como se verificou, foi indissociável do projecto político para acabar com a reforma agrária». Mais tarde, «quando o Estado abandonou competências na área do Fomento da Habitação, isso teve a ver com uma desresponsabilização nesta função social». Agora, «vêm outras áreas, quase todas ambicionadas por poderosos interesses económicos, que pretendem fazer negócios muito lucrativos na saúde, na Segurança Social, no ambiente, na privatização das águas».
Por outro lado, estão anunciadas pelo Governo intenções de redução das carreiras e de efectuar mudanças no vínculo de emprego, no sistema retributivo, na avaliação de desempenho. «Mas Governo tem bloqueado a negociação colectiva, mantendo sem resposta as propostas de acordos ou contratos colectivos que apresentamos para abranger estes milhares de trabalhadores», protesta este dirigente, que acusa o Execuivo de boicotar as negociações com os sindicatos, «tal como os patrões boicotam em muitos sectores e empresas, para manter, se possível, uma total ausência de direitos (carreiras, horário de trabalho, greve)».
Como não se reduz custos
Sendo a redução da despesa do Estado o principal objectivo atribuído ao PRACE, Ana Avoila e Paulo Trindade lembraram que, com o mesmo argumento, têm sido desenvolvidas políticas e práticas que, afinal, acabam por ir no sentido inverso.
Entre outros casos que, certamente, serão referidos no encontro de amanhã, evocaram a substituição dos guardas e auxiliares, que asseguravam o serviço de portaria em ministérios e na generalidade dos edifícios públicos, por trabalhadores de empresas de segurança privadas. Ora a verdade é que, se um funcionário público naquelas funções poderia, no final de carreira, ter hoje um salário de 900 euros, aquilo que o Estado paga a essas empresas é cerca de três vezes mais.
Um volume muito grande de despesa pública vai hoje para assessorias, consultadorias e outros serviços, já «externalizados» pelos sucessivos governos e pelos responsáveis que estes nomeiam para os organismos públicos. Quanto gasta a mais o Estado, por não ter trabalhadores da Administração Pública a realizar, com a mesma ou melhor qualidade, esses trabalhos?
Isto também é PRACE
A alteração estrutural da Administração Pública ganha contornos extremamente preocupantes, mas, ao ouvirem falar no PRACE, as pessoas não ligam o nome aos efeitos imediatos que desse programa decorrem. Nunca aparece associado, por exemplo, ao fecho de maternidades e centros de saúde, de escolas, de apoios à agricultura no interior do País. Ana Avoila e Paulo Trindade admitem que isso levaria a uma associação mais directa entre a luta dos trabalhadores da Administração Pública e a luta das populações. Mas salientam que o encerramento desses serviços é um núcleo essencial do PRACE.
Quando o Governo decide fechar uma maternidade ou um centro de saúde, num determinado concelho, não diz que é para privatizar. Mas surgemlogo interesses privados, que se posicionam para ganharem como sua fonte de negócio o espaço que o Estado abandona.
Interrogações
e preocupações
Esta iniciativa da Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública «é a primeira, a este nível, em que vamos analisar a situação e, além disso, vamos também olhar para o nosso trabalho e a nossa organização no futuro», adiantou Ana Avoila, coordenadora da FNSFP, eleita na reunião de anteontem da Direcção Nacional da federação. As preocupações expressam-se em interrogações: «Com que Administração Pública vamos ficar? Que implicações vai ter esta nova onda, a tentar convencer as pessoas de que há trabalhadores a mais?» E, se «nós sabemos que não é assim», estando o Governo «a fazer as coisas de forma séria, poderíamos demonstrar que não há funcionários a mais e onde faltam funcionários». «Mas isto não está a ser feito assim», acusa.
A dirigente admite que «o PRACE não nos surpreendeu», pois «muito do que consta nele já tem origens no Governo de Durão Barroso e estava contemplado no programa de Governo de José Sócrates». Mas, lembra Ana Avoila, «nos sindicatos precisamos estar atentos», particularmente ao período do Verão, porque «há uma comissão, no Governo, que está a estudar os documentos e, segundo é público, prevêem ter, no final de Junho, as leis orgânicas para cada ministério e, a seguir, vão começar a definir os quadros de supranumerários».
Esta possibilidade de definição de um número de trabalhadores excedentários constitui «um dos traços» do PRACE, do relatório que lhe deu origem e da resolução do Conselho de Ministros, que o aprovou. A outra linha estratégica, que perpassa todos esses documentos, «é a chamada externalização, que mais não é do que privatizar». Por trás da propaganda do Governo, Ana Avoila denuncia um duplo objectivo do programa: diminuir os serviços públicos, para entregar essas áreas a privados e, ao mesmo tempo, reduzir o número de funcionários públicos.
«A par das questões laborais, vamos discutir estas alterações da Administração Pública, que são importantes para os funcionários públicos, enquanto tal, e também enquanto cidadãos», diz a coordenadora da FNSFP, acentuando que, «como todos os trabalhadores, estamos preocupados com os graves riscos que correm hoje as funções sociais do Estado, criadas com o 25 de Abril, tanto as essenciais (saúde, Segurança Social, educação), como as outras todas, por arrastamento». É que «as obras públicas, o ambiente, o turismo ou a economia são ministérios e sectores que, pelo caminho que o Governo está a apontar, vão ficar ainda mais entregues aos patrões, transformados em áreas de negócio».
«Vai ser muito importante analisarmos o que, politicamente, o Governo pretende com este tipo de medidas», realça Paulo Trindade, que foi coordenador e se mantém como membro da Direcção Nacional da FNSFP e da Comissão Executiva do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Sul e Açores. Hoje, «com o que passam para a opinião pública, constantemente matraqueado, o Governo e os promotores desta política tentam impor a ideia de que o culpado de todos os males é o “monstro” do Estado e que a solução será reduzir o Estado ao mínimo, acabando com organismos e diminuindo o número de trabalhadores».
Para denunciar os verdadeiros objectivos, Paulo Trindade recorda dois casos. «Quando foi extinto o grupo de trabalho da Hidráulica Agrícola. uma estrutura do Estado, criada depois do 25 de Abril, para apoio à reforma agrária, havia quem argumentasse que era uma mera medida de gestão do Governo, mas essa extinção, como se verificou, foi indissociável do projecto político para acabar com a reforma agrária». Mais tarde, «quando o Estado abandonou competências na área do Fomento da Habitação, isso teve a ver com uma desresponsabilização nesta função social». Agora, «vêm outras áreas, quase todas ambicionadas por poderosos interesses económicos, que pretendem fazer negócios muito lucrativos na saúde, na Segurança Social, no ambiente, na privatização das águas».
Por outro lado, estão anunciadas pelo Governo intenções de redução das carreiras e de efectuar mudanças no vínculo de emprego, no sistema retributivo, na avaliação de desempenho. «Mas Governo tem bloqueado a negociação colectiva, mantendo sem resposta as propostas de acordos ou contratos colectivos que apresentamos para abranger estes milhares de trabalhadores», protesta este dirigente, que acusa o Execuivo de boicotar as negociações com os sindicatos, «tal como os patrões boicotam em muitos sectores e empresas, para manter, se possível, uma total ausência de direitos (carreiras, horário de trabalho, greve)».
Como não se reduz custos
Sendo a redução da despesa do Estado o principal objectivo atribuído ao PRACE, Ana Avoila e Paulo Trindade lembraram que, com o mesmo argumento, têm sido desenvolvidas políticas e práticas que, afinal, acabam por ir no sentido inverso.
Entre outros casos que, certamente, serão referidos no encontro de amanhã, evocaram a substituição dos guardas e auxiliares, que asseguravam o serviço de portaria em ministérios e na generalidade dos edifícios públicos, por trabalhadores de empresas de segurança privadas. Ora a verdade é que, se um funcionário público naquelas funções poderia, no final de carreira, ter hoje um salário de 900 euros, aquilo que o Estado paga a essas empresas é cerca de três vezes mais.
Um volume muito grande de despesa pública vai hoje para assessorias, consultadorias e outros serviços, já «externalizados» pelos sucessivos governos e pelos responsáveis que estes nomeiam para os organismos públicos. Quanto gasta a mais o Estado, por não ter trabalhadores da Administração Pública a realizar, com a mesma ou melhor qualidade, esses trabalhos?
Isto também é PRACE
A alteração estrutural da Administração Pública ganha contornos extremamente preocupantes, mas, ao ouvirem falar no PRACE, as pessoas não ligam o nome aos efeitos imediatos que desse programa decorrem. Nunca aparece associado, por exemplo, ao fecho de maternidades e centros de saúde, de escolas, de apoios à agricultura no interior do País. Ana Avoila e Paulo Trindade admitem que isso levaria a uma associação mais directa entre a luta dos trabalhadores da Administração Pública e a luta das populações. Mas salientam que o encerramento desses serviços é um núcleo essencial do PRACE.
Quando o Governo decide fechar uma maternidade ou um centro de saúde, num determinado concelho, não diz que é para privatizar. Mas surgemlogo interesses privados, que se posicionam para ganharem como sua fonte de negócio o espaço que o Estado abandona.