«Sereníssima República»?
Não há dúvida que a figura do Presidente da República, as suas abertas presidências e até o seu sorriso com um recate de não exibicionismo, são factor de simpatia e até de afectividade. Mas o seu discurso de 10 de Junho trouxe-me à ideia a «Sereníssima República» da Veneza do Século XV, com os golpes, traições, suspeitas, corrupção e manobras que por debaixo da «serenidade» se abrigavam.
É compreensível que o Presidente queira instilar confiança ao povo português. E, naturalmente, gostaria de ver nele não só o companheiro de um passado também lutado por nós, mas o garante de um futuro que não renegaria essa luta. Mas não é fácil desvendar garantias nas interpretações que podem ser dadas a esse discurso. Como seguir, por exemplo, a exigência de «não deixar que a descrença nos cerque»? De que lado vem o perigo do «populismo fácil»? Como entender, quando se fala de «impulso reformista», em que sentido se orienta essa reforma, a pretexto da modernização do país?
O que se vê é que estamos a sofrer golpes sucessivos nas instituições, essas sim, verdadeiramente modernas, correspondentes às exigências actuais do desenvolvimento da sociedade, criadas com a nossa revolução democrática de Abril. Porque é claramente retrogradante o sentido de «reformas» como a do pacote laboral e da segurança social, das leis da família, dos partidos e do financiamento dos partidos, que o actual governo pretende impor ao país, aproveitando uma maioria absoluta parlamentar de direita e extrema-direita. E é ainda mais difícil entender o sentido das recomendações presidenciais quando o 1.º Ministro manifesta jubilosamente o seu agrado, classificando-as de «... um recado para o país, de modernização, de exigência e de reformismo para todos nós».
O país precisa duma análise política actual, tendo em conta uma previsão de futuro. Mas apeteceria perguntar, como o poderia fazer o escritor inglês Sommerset Maugham, que a si próprio se classificava «um cínico»: «Presidente, um cêntimo pelos seus pensamentos: é capaz de nos dizer com clareza o que quis dizer?» Ou então perguntar pensativamente, à Charles Dickens: «Tempos difíceis? Mas quem os anda a forjar»? Há porém um outro interpelante, de seu nome colectivo Zé Povinho, que sem grandes preocupações literárias quer ver esclarecidas as suas dúvidas: Fazer das fraquezas força? - ou das tripas coração? Não deixar que a descrença nos cerque? - mas em quem devemos acreditar? No Durão que gostou muito do discurso e do «recado que ele deu para o país»?
«O povo é sereno» - dizia em 1975 o 1.º Ministro Pinheiro de Azevedo. Sereno será; mas não é tolo. Serenidade - quando levanta fervura o descontentamento e revolta contra uma política de injustiça social e agravamento das condições económicas?
É compreensível que o Presidente queira instilar confiança ao povo português. E, naturalmente, gostaria de ver nele não só o companheiro de um passado também lutado por nós, mas o garante de um futuro que não renegaria essa luta. Mas não é fácil desvendar garantias nas interpretações que podem ser dadas a esse discurso. Como seguir, por exemplo, a exigência de «não deixar que a descrença nos cerque»? De que lado vem o perigo do «populismo fácil»? Como entender, quando se fala de «impulso reformista», em que sentido se orienta essa reforma, a pretexto da modernização do país?
O que se vê é que estamos a sofrer golpes sucessivos nas instituições, essas sim, verdadeiramente modernas, correspondentes às exigências actuais do desenvolvimento da sociedade, criadas com a nossa revolução democrática de Abril. Porque é claramente retrogradante o sentido de «reformas» como a do pacote laboral e da segurança social, das leis da família, dos partidos e do financiamento dos partidos, que o actual governo pretende impor ao país, aproveitando uma maioria absoluta parlamentar de direita e extrema-direita. E é ainda mais difícil entender o sentido das recomendações presidenciais quando o 1.º Ministro manifesta jubilosamente o seu agrado, classificando-as de «... um recado para o país, de modernização, de exigência e de reformismo para todos nós».
O país precisa duma análise política actual, tendo em conta uma previsão de futuro. Mas apeteceria perguntar, como o poderia fazer o escritor inglês Sommerset Maugham, que a si próprio se classificava «um cínico»: «Presidente, um cêntimo pelos seus pensamentos: é capaz de nos dizer com clareza o que quis dizer?» Ou então perguntar pensativamente, à Charles Dickens: «Tempos difíceis? Mas quem os anda a forjar»? Há porém um outro interpelante, de seu nome colectivo Zé Povinho, que sem grandes preocupações literárias quer ver esclarecidas as suas dúvidas: Fazer das fraquezas força? - ou das tripas coração? Não deixar que a descrença nos cerque? - mas em quem devemos acreditar? No Durão que gostou muito do discurso e do «recado que ele deu para o país»?
«O povo é sereno» - dizia em 1975 o 1.º Ministro Pinheiro de Azevedo. Sereno será; mas não é tolo. Serenidade - quando levanta fervura o descontentamento e revolta contra uma política de injustiça social e agravamento das condições económicas?