Comentário

Com nome e com rosto

Pedro Guerreiro
O PCP integrou uma delegação do Grupo parlamentar Esquerda Unitária Europeia / Esquerda Verde Nórdica do Parlamento Europeu, que se deslocou recentemente às Ilhas Canárias. A decisão de enviar uma delegação do Grupo a Las Palmas e a Santa Cruz de Tenerife foi tomada na sequência do drama de milhares de imigrantes que, partindo da costa africana, procuram chegar às Ilhas em barcos inadequados para navegar o Oceano Atlântico.
A delegação encontrou-se com sindicalistas, organizações não-governamentais e autoridades governamentais, e visitou os centros onde se encontram os homens, mulheres e crianças que, despojados de tudo, arriscaram a sua vida pelo direito a viver.
Das costas da Mauritânia, chegando de muitos países de África, aventuram-se no mar. Muitas centenas, não se sabe ao certo quantas, não chegaram sequer a alcançar as praias ou as falésias das Canárias, pois as suas frágeis embarcações naufragariam em pleno Atlântico, afogando-se todos os que nelas iam.
Os que conseguem chegar, com problemas musculares depois de muitos dias de imobilidade em embarcações mais que superlotadas, feridos, desidratados, esfomeados e doentes, foram, depois de socorridos, isolados nos denominados «centros de internamento», que não são mais que centros de detenção para alguém cujo o único delito foi lutar pelo direito inalienável a uma vida digna, por um trabalho.
São homens na sua esmagadora maioria, muito, muito jovens, também algumas mulheres, todos detidos cerca de, pelo menos, quarenta dias, não falando castelhano, sem informação sobre o seu futuro próximo e sem conhecimento dos seus direitos. O centro de detenção é uma prisão. Altos muros, altas cercas, nada se vê para o exterior, do exterior nada se vê do interior. Apenas aguardam, possivelmente o repatriamento.

A face do capitalismo

Esta situação ao largo da Mauritânia ganhou outras proporções desde que a União Europeia decidiu cinicamente começar a pagar a outros a execução de aspectos da sua política de «controlo de fronteiras», nomeadamente após as decisões do Conselho Europeu de Sevilha, em 2002. Ou seja, desde que tomou a decisão de financiar a construção de muros e cercas (por exemplo, em torno de Ceuta e Melilla, territórios sob administração espanhola na costa do Norte de África) e financiar o apetrechamento das forças de segurança de Marrocos, com o propósito de usar este país como zona tampão. Em consequência, as zonas de «saída» e de «entrada» deslocaram-se mais para Sul, para as costas da Mauritânia e para as Ilhas Canárias.
A UE procura sistematicamente incluir nos seus acordos bilaterais com determinados países terceiros, em troca de contrapartidas, cláusulas de repatriamento, quando não mesmo o financiamento da construção e instalação dos tais ditos «centros» nesses países, para onde imigrantes ou requerentes de asilo, a quem foi rejeitado o respectivo pedido, são «depositados».
A mesmíssima UE cujas grandes potências e seus grandes grupos económico-financeiros exploram os imensos recursos naturais existentes em África, assim como a dívida externa - já mais que paga - de muitos dos seus países, à custa da miséria dos seus povos. UE cujas grandes potências, não escondendo as suas ambições colonialistas, ampliam e instalam novas bases militares neste grande continente. A hipócrita UE que aumenta o orçamento para a sua militarização e reduz o financiamento da ajuda ao desenvolvimento.
Milhões de homens, mulheres e crianças lutam pela sobrevivência, contra a fome, a doença e a guerra que se vive em muitos países africanos, fruto de séculos de colonialismo e anos e anos de ingerência. Realidade que por si só denúncia o carácter voraz, explorador e agressivo do capitalismo e do imperialismo.
Desde há muito que denunciamos que com os recursos e a capacidade produtiva, os conhecimentos científicos e os avanços tecnológicos que a humanidade alcançou, muitos dos principais problemas com que nos confrontamos poderiam já ter sido praticamente solucionados.
Para isso seria necessário realizar uma efectiva política de ajuda ao desenvolvimento que respeitasse e promovesse o direito soberano dos povos a explorar e a utilizar os recursos naturais dos seus países em prol da melhoria das suas condições de vida. Para isso seria necessário uma política de efectiva cooperação, mutuamente vantajosa, que desenvolvesse a agricultura, garantisse o acesso à água, os serviços de saúde, a habitação e a educação para todos. Uma política que teria que assegurar o controlo público dos recursos naturais e dos sectores estratégicos da economia, para promover o emprego e a distribuição da riqueza, e assim acabar com a emigração como instrumento de exploração de mão-de-obra, de exploração do homem pelo homem.


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