Atentado arquitectónico em Alhandra

Pela reabilitação do Teatro Salvador Marques

Contrariando a intenção da Câmara de Vila Franca de Xira, os alhandrenses não querem a demolição do Teatro Salvador Marques. Tem sido inúmeras, mas inúteis, os apelos a favor da reabilitação daquele espaço. Entretanto, segunda-feira, 10 de Abril, quando o teatro faz o seu 101.º aniversário, a Comissão para a Reabilitação do Teatro Salvador Marques vai organizar um recital, na Corpifa, para sensibilizar a população contra este atentado arquitectónico.

Um dos mais antigos teatros do País

Embora encerrado desde 1984, o Teatro Salvador Marque (TSM), para além de ser um objecto cultural raro, é um elemento patrimonial particularmente relevante para a identidade comunitária de Alhandra e dos alhandrenses, um elo de ligação ao passado, uma referência insubstituível na sua memória artística, cultural, social e afectiva.
A destruição do TSM – que está incluído, há muito, no «Inventário do Património Arquitectónico», da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais – não seria, contudo, uma perda irreparável apenas para o património cultural da vila e da região em que ela se insere. Também a memória e o espólio teatrais do País ficariam mais pobres.
Muita gente ignora que, para além das memórias que lhe estão associadas, o TSM alberga nada mais do que uma sala de teatro à italiana, uma réplica do famoso Teatro Apolo, de Lisboa (à muito desaparecido). Esta circunstância faz dele um dos escassos vinte teatros históricos de raiz italiana que escaparam, em Portugal, à fúria destruidora das últimas décadas. Tal deveria bastar – não fora o que parece ser, no mínimo, uma funda insensibilidade em relação às questões do património cultural – para ser tratado com respeito pelos poderes públicos.
Herdeiro do antigo Teatro Tália Alhandrense, o TSM é um dos mais antigos teatros do País. Começou a ser construído em 1886, graças a uma subscrição pública e à iniciativa de homens como Salvador Marques, figura notável de escritor, jornalista e empresário teatral, não só da sociedade local, mas também dos meios jornalísticos e teatrais da Lisboa da época.

Orgulho dos alhandrenses

No seu período áureo, de que alguns ainda guardam memória vida, o TSM foi orgulho dos alhandrenses e fez as delícias de todos os que o frequentaram. A elegância e sumptuosidade do salão (foyer) são recordados por muitos e atestada por abundante registo fotográfico.
Desde a sua inauguração, em 1905, até ao início dos anos 50, por lá passaram, para além de muitos e bons amadores, todas as grandes companhias da cena teatral nacional (companhia do Ginásio, Sousa Bastos, Rey Colaço/Robles Monteiro, Rentini, Alves da Cunha) e a maioria das suas figuras mais notáveis.
Mesmo depois de adaptado a sala de projecção, e até à crise das salas de cinema, nos anos 70, o TSM – que chegou a apresentar estreias nacionais – teve uma actividade intensa, de que usufruíram, e muito gratamente recordam, inúmeros alhandrenses de hoje.
Recentemente, outros municípios (Estremoz, Silves, Viana do Castelo, Bombarral, Faro, Évora, Ponte de Lima) reconheceram a importância e o valor dos seus teatros de raiz italiana. Há muito tempo, cidades como Faro (Teatro Lethes) conseguiram realizar louváveis intervenções de reabilitação.
Na América Latina, e em todas as partes em que a herança cultural colonial europeia deixou teatros de raiz italiana, comunidades a braços com enormes carências de meios financeiros fazem os impossíveis por recuperar e manter estes admiráveis objectos culturais.
Com a sua volumetria equilibrada e a fachada de inspiração neoclássica, o edifício, mesmo não tendo a arquitectura notável de alguns dos seus congéneres, integra-se, de forma perfeita, no tecido e paisagem urbanos, numa relação muito feliz com a praça do coreto ajardinada que ajuda a formar e com a largueza da abertura ao Rio Tejo e à lezíria.

Demolição
Visão assombrosa

Importa salientar que a sua prevista substituição por um edifício que chega a atingir sete pisos de altura, não é só um atentado contra o património cultural, mas também um enorme erro urbanístico.
Será bom relembrar os tempos em que a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira (CMVFX), já então dirigida pela actual presidente (PS), Maria da Luz Rosinha, procurou obter financiamento do Plano Operacional de Cultura (POC), para, ao mesmo tempo, reabilitar o TSM e instalar o Museu do Neo-realismo.
No início de 2000, na documentação oficial enviada, então, ao Instituto Português do Património Cultural (IPPAR), com a qual pretendia justificar a pretensão de obter a atribuição de um valor legal de âmbito nacional ao TSM, como monumento ou como imóvel de interesse público, é a própria CMVFX que declara: «A sua recuperação representa actualmente a única possibilidade de assegurar a preservação de um espaço de tamanha importância, não só junto da população de Vila Franca de Xira, como edifício histórico-patrimonial de inegável valor, mas seguramente a um nível nacional, pelo testemunho que dá no panorama teatral português ao longo do século XX.»

Projecto de reparação

Em resposta, o IPPAR, embora disponível para a abertura de um processo com vista a uma classificação de âmbito nacional, a única que lhe competiria conceder, dado as competências entretanto atribuídas às autarquias locais pela Lei n.º 159/99, reconhece que «o móbil da sua recuperação, nos tempos em que nos foi apresentado, nos parece uma atitude de indiscutível mérito. Na verdade, proceder à reabilitação global do edifício, com o intuito de o devolver no seu ambiente original, e permitir a sua plana fruição como sala de actividades culturais – nomeadamente espectáculos de teatro -, é algo que nos apraz registar».
O IPPAR destaca, ainda, «o facto do projecto de recuperação se poder constituir numa mais valia urbana – muito para além da recuperação do imóvel em si -, pelo facto da sua localização se revestir de carácter excepcional – no topo do jardim público, em local sobranceiro ao Rio Tejo -, reassumindo um forte simbolismo como edifício público e como elemento catalizador numa dinâmica que se pretende imprimir ao núcleo urbano original de Alhandra.».
Mais à frente, em consequência, o IPPAR sugere à CMVFX que «seja ponderada para o imóvel a classificação de interesse público, iniciativa a promover pelo município, ao abrigo da Lei n.º 159/99»
Entranhamente, e apesar desta claríssima e inequívoca sugestão do IPPAR, a verdade é que a CMVFX, uma vez verificada a impossibilidade de obter financiamento do POC, não só se desinteressou completamente da classificação do imóvel, como parece ter-se desinteressado da sua conservação.

Especulação imobiliária em Alhandra

Em declarações ao Avante!, a Comissão para a Reabilitação do Teatro Salvador Marques, composta maioritariamente por jovens, dispostos a lutar até às últimas instâncias por aquilo que acreditam, denunciou ainda que por detrás da demolição do teatro da sua terra e de a construção de um novo espaço cultural estão, acima de tudo, interesses imobiliários e autárquicos.
«O Teatro Salvador Marques faz parte do tecido urbano do núcleo antigo da vila estando bem integrado na paisagem urbana. Hoje, os edifícios estão todos nivelados. Com a nova construção (futuro espaço cultural Salvador Marques) vão-se abrir precedentes», disse Rui Perdigão, denunciando que existe uma espécie de acordo verbal entre a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira e um construtor local.
«Como não acreditamos no espírito altruísta do construtor, como não é da terra, não tem nenhuma relação com a nossa vila, não acreditamos que alguém dê 500 mil contos para construir o novo espaço cultural. Este negócio é, por isso, uma espécie de financiamento à Câmara para apresentar a obra do seu mandato, que, por sua vez, irá fechar os olhos em futuras construções», continuou.
Rui Perdigão disse ainda que com este projecto a autarquia PS será a primeira a violar o Plano de Pormenor existente. «Vão destruir o valor simbólico e a importância desta praça (Praça Soeiro Gomes) e transformá-la em sabe se lá o quê, talvez uma praça habitacional que desvaloriza a sua qualidade»,
afirmou.

Pressões externas

Por seu lado, Mário Cantiga deu conta de outras «negociatas» existente. «Existe uma grande zona de barracões, aqui perto, que é do Montepio e que já tem aprovado, segundo parece, a construção de um conjunto de casas para habitação. O banco está, entretanto, a pressionar a autarquia para que a secção de vela, que é uma modalidade do Alhandra Sporting Clube, e que enfrenta graves problemas económicos, e que ali está à mais de 50 anos, para sair dali, para se iniciarem as construções», destacou.
«Também sabemos que a Câmara está a construir um caminho pedonal entre Alhandra e Vila Franca de Xira em que já está projectado uma série de moradias. Ou seja, primeiro dão condições desportivas e depois arrancam as habitações, havendo por isso uma grande especulação imobiliária», acusou Mário Cantiga.
Por último, Casimiro Gonçalves, outro dos elementos da comissão, apelou aos alhandrenses que compareçam, segunda-feira, dia 10 de Abril, nas instalações da Corpifa, para assim manifestarem o seu descontentamento, junto da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, face à anunciada demolição do Teatro Salvador Marques.
«Pedimos que a população de Alhandra não fique indiferente e compareça em massa na Corpifa para nos dar o seu apoio, principalmente aquelas pessoas que viveram o teatro, e que hoje não se podem deslocar, ou não têm o hábito, para assistirem aos vários espectáculos em cartaz», concluiu Casimiro Gonçalves.


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