Irão até à guerra?
O Conselho de Segurança da ONU aprovou, quarta-feira da semana passada, um ultimato de 30 dias para que o Irão suspenda o enriquecimento de urânio.
«Entre os cinco membros permanentes do CS o consenso pode não passar das aparências»
O texto final da declaração, aprovado por unanimidade pelos 15 membros do CS das Nações Unidas reunidos em Nova Iorque, insta as autoridades iranianas a tomarem «as medidas requeridas pelo Conselho de Governadores da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA)», as quais, consideraram, «são essenciais para estabelecer a confiança sobre o carácter exclusivamente pacífico do seu programa nuclear».
Mas mesmo no caso da pesquisa e produção nuclear para fins exclusivamente energéticos - como têm afirmado os responsáveis árabes - o CS não deixa grande margem de manobra ao governo de Teerão, uma vez que sublinha no documento a «importância particular de um restabelecimento completo e duradouro da suspensão de toda a actividade ligada ao enriquecimento de urânio, inclusive num quadro da investigação e desenvolvimento».
Ficou ainda decidido que, durante o próximo mês de Abril, cabe a Mohamed el-Baradei, director da AEIA, o papel de elaborar um relatório sobre o ponto da situação, passando a matéria a ser avaliada directamente pelo grupo restrito dos 15.
Em relação ao sucedido no caso do Iraque, a diferença reside no facto do texto agora aprovado não ser uma resolução, mas antes uma declaração conjunta, portanto, sem caracter vinculativo. A nuance revela que, mesmo entre os cinco membros permanentes do CS (China, EUA, Rússia, França e Grã-Bretanha), o consenso pode não passar de aparência, suspeita que ganha força não só pelas cerca de três semanas de intensas negociações envolvendo os embaixadores na ONU até se chegar a uma versão final, como também pela relutância pública de Pequim e Moscovo em engrossaram a voz contra o Irão.
Potências reúnem-se em Berlim
Entretanto, depois de terem “cozinhado” - praticamente sem consultarem os restantes dez membros rotativos com assento no órgão - o documento aprovado no CS das Nações Unidas, os cinco membros permanentes voltaram a encontrar-se, um dia depois, em Berlim.
Na capital alemã, a cimeira contou ainda com a presença do governo anfitrião e do Alto Representante da UE para a Política Externa e de Segurança Comum, Javier Solana, servindo essencialmente para reiterar as ameaças feitas horas antes em Nova Iorque.
Na conferência de imprensa conjunta dos ministros dos Negócios Estrangeiros, o chefe da diplomacia germânica, Frank Steinmeier, destacou a vontade das potências em alcançarem uma «solução pacífica», por via «diplomática», mas nem por isso deixou de afirmar que «o Irão pode escolher entre um isolamento auto-infligido e o regresso à mesa das negociações», pelo que, continuou, «esperamos que o Irão aproveite esta oportunidade».
Pela mesma bitola pronunciaram-se os representantes britânico e norte-americano. Jack Straw chamou mesmo o documento aprovado na ONU de «resolução» e lembrou que se o Irão insistir no prosseguimento do programa de produção de energia nuclear, então o tema volta ao CS.
Pouco interessada em semear divisões na “família” europeia, as quais, no caso da agressão ao Iraque, resultaram na cimeira da guerra, nos Açores, Condoleezza Rice preferiu sublinhar a «unidade da comunidade internacional» neste contexto.
Já para Javier Solana, «o problema do Irão é mais grave ou mais amplo do que o problema nuclear», colocou o acento tónico na alegada instabilidade fomentada por Teerão no Médio Oriente. Tal razão obriga, segundo o responsável da UE, a um «crescendo de intensidade no CS», cenário a partir do qual «nenhuma hipótese será posta de lado», disse ainda referindo-se a mais uma eventual agressão militar.
No final do dia, quase 24 horas depois da aprovação da declaração na ONU e já depois de terem prestado declarações todos os responsáveis convocados para Berlim, pronunciou-se o secretário-geral das Nações Unidas, figura cada vez mais subalternizada na política da paz e da guerra urdida pelas potências capitalistas. Em comunicado aos órgão de informação lido pelo seu porta-voz, Kofi Annan alertou o Irão para os acordos estabelecidos no âmbito do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, para o cumprimento das exigências da AEIA, e saudou a unidade «demonstrada quarta-feira pelos membros do Conselho de Segurança».
Eixo anglo-norte-americano
acertou agulhas
Depois de Berlim, Jack Straw e Condoleezza Rice voltaram a encontrar-se, em Blackburn, ao que tudo indica para acertarem agulhas no que toca ao desenvolvimento de uma estratégia comum sobre a questão iraniana.
Recebidos na cidade do Norte de Inglaterra por protestos contra invasão e ocupação do Iraque, Rice e Straw garantiram que «para já», uma nova campanha militar «está fora da agenda», embora a secretária de Estado norte-americana tenha usado palavras mais musculadas que no dia anterior.
Rice considerou «inconcebível a ideia de permitir o enriquecimento de urânio em território iraniano», matéria que disse ser «espinhosa» e, mais claramente, «de desfecho incerto».
Na ressaca da concertação, o Sunday Telegraph titulou, na sua edição de domingo, que os britânicos já avaliam as consequências de ataques aéreos contra o Irão, estando tal decisão dependente dos interesses da Grã-Bretanha na região.
A notícia foi prontamente desmentida por responsáveis do governo de Tony Blair, mas de acordo com o semanário, que cita fonte ligada ao ministério da Defesa, em Londres ninguém duvida da inevitabilidade de tais acções por parte de Washington, restando saber se isoladamente ou formando outra coligação.
A certeza é tal que a referida fonte adianta que a agressão pode contar exclusivamente com apoio israelita, ficando por apurar quando será empreendida, se «este ano, se para o próximo ano», afirmou.
Tempo para negociar
No complexo xadrez que parece estar por trás do consenso obtido no CS das Nações Unidas, importa não esquecer que foi por intransigência da China e da Rússia que o texto não só não se transformou em resolução, como excluiu à partida a imposição de sanções económicas ao Irão.
Nas várias rondas, Serguei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros russo, pronunciou-se sempre a favor do diálogo, destacou o papel fulcral da AEIA e afirmou a vontade de Moscovo em continuar a «pedir ao Irão que coopere plenamente com a agência», único caminho para que, disse ainda, «o Irão possa fazer um uso pacífico da tecnologia nuclear».
Nas palavras de Moscovo pode ler-se a postura de Pequim. Qin Gang, homólogo chinês, insistiu na «calma e paciência entre as partes envolvidas», conjuntura fundamental para a resolução das diferenças numa «atmosfera sã».
A postura da China encaixa na recente aproximação ao governo de Teerão. O Irão é já o seu terceiro maior fornecedor de petróleo e, desde final de 2004, as duas nações dispõem de um acordo, válido para o próximo quarto de século, que contempla a exportação para a China de qualquer coisa como 250 milhões de toneladas de gás natural.
Blix e Baradei regressam à ribalta
Igualmente partidários da via negocial são o antigo chefe dos inspectores da ONU no Iraque, Hans Blix, e o secretário-geral da AIEA, Mohamed el-Baradei.
Segunda-feira, num seminário em Bergen, na Noruega, Blix afirmou que o cenário do Irão deter uma bomba nuclear não se coloca antes de 2011, mesmo que iniciem desde já o enriquecimento de urânio, razão pela qual devem avançar «medidas positivas».
Baradei também se manifesta favorável a esta linha, até porque, considerou, «não estamos perante uma ameaça iminente».
A possibilidade de europeus e norte-americanos decidirem levar a cabo mais uma guerra ou decretarem sanções económicas contra o Irão, é considerada por ambos os responsáveis como «más ideias» que só servirão para «fomentar o terrorismo».
Iranianos dispostos ao diálogo
Em reacção à declaração aprovada quarta-feira no CS e às ameaças europeias e norte-americanas, os responsáveis e representantes iranianos desdobraram-se em declarações cujo objectivo é desmistificar as alegadas intenções escondidas no programa nuclear do país.
Sem colocar em causa a determinação da nação árabe em prosseguir o programa de enriquecimento de urânio, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Manuchehr Mottaki, deu um passo tido como de boa-fé ao propor que seja constituído um consórcio empresarial, envolvendo diversos países da região, para gerir a produção de energia nuclear, estrutura que poderia ser controlada pelos inspectores da AEIA.
Em Genebra, Mottaki deixou a porta aberta a novas negociações, mas qualificou a pressão internacional de «propaganda injustificada», repetindo, mais uma vez, que «o programa nuclear do Irão é pacífico e nunca se desviou para actividades proibidas».
Quanto à guerra económica fazendo uso da capacidade de abastecimento petrolífero, Mottaki disse que «a energia não vai ser utilizada como alavanca política», isto depois da bolsa de Nova Iorque ter registado uma nova subida do preço do crude para os 67 dólares por barril.
Osso duro de roer
Não obstante as declarações apaziguadoras do governo do Irão, o país não se encontra na mesma situação de debilidade económica e militar do Iraque, razão que faz acreditar que, em caso de investida imperialista, o exército convencional será, no mínimo, um osso duro de roer.
Acresce que, domingo, o ministério da Defesa do Irão anunciou ter testado com êxito o míssil-torpedo mais rápido do mundo, arma considerada intetectável aos radares.
O teste foi feito no âmbito de um exercício militar que durou cinco dias ao largo do Golfo Pérsico. Para o teatro virtual foram mobilizados 17 mil soldados, 1500 vasos de guerra, e um número considerável de meios de defesa e de ataque aéreos.
Mas mesmo no caso da pesquisa e produção nuclear para fins exclusivamente energéticos - como têm afirmado os responsáveis árabes - o CS não deixa grande margem de manobra ao governo de Teerão, uma vez que sublinha no documento a «importância particular de um restabelecimento completo e duradouro da suspensão de toda a actividade ligada ao enriquecimento de urânio, inclusive num quadro da investigação e desenvolvimento».
Ficou ainda decidido que, durante o próximo mês de Abril, cabe a Mohamed el-Baradei, director da AEIA, o papel de elaborar um relatório sobre o ponto da situação, passando a matéria a ser avaliada directamente pelo grupo restrito dos 15.
Em relação ao sucedido no caso do Iraque, a diferença reside no facto do texto agora aprovado não ser uma resolução, mas antes uma declaração conjunta, portanto, sem caracter vinculativo. A nuance revela que, mesmo entre os cinco membros permanentes do CS (China, EUA, Rússia, França e Grã-Bretanha), o consenso pode não passar de aparência, suspeita que ganha força não só pelas cerca de três semanas de intensas negociações envolvendo os embaixadores na ONU até se chegar a uma versão final, como também pela relutância pública de Pequim e Moscovo em engrossaram a voz contra o Irão.
Potências reúnem-se em Berlim
Entretanto, depois de terem “cozinhado” - praticamente sem consultarem os restantes dez membros rotativos com assento no órgão - o documento aprovado no CS das Nações Unidas, os cinco membros permanentes voltaram a encontrar-se, um dia depois, em Berlim.
Na capital alemã, a cimeira contou ainda com a presença do governo anfitrião e do Alto Representante da UE para a Política Externa e de Segurança Comum, Javier Solana, servindo essencialmente para reiterar as ameaças feitas horas antes em Nova Iorque.
Na conferência de imprensa conjunta dos ministros dos Negócios Estrangeiros, o chefe da diplomacia germânica, Frank Steinmeier, destacou a vontade das potências em alcançarem uma «solução pacífica», por via «diplomática», mas nem por isso deixou de afirmar que «o Irão pode escolher entre um isolamento auto-infligido e o regresso à mesa das negociações», pelo que, continuou, «esperamos que o Irão aproveite esta oportunidade».
Pela mesma bitola pronunciaram-se os representantes britânico e norte-americano. Jack Straw chamou mesmo o documento aprovado na ONU de «resolução» e lembrou que se o Irão insistir no prosseguimento do programa de produção de energia nuclear, então o tema volta ao CS.
Pouco interessada em semear divisões na “família” europeia, as quais, no caso da agressão ao Iraque, resultaram na cimeira da guerra, nos Açores, Condoleezza Rice preferiu sublinhar a «unidade da comunidade internacional» neste contexto.
Já para Javier Solana, «o problema do Irão é mais grave ou mais amplo do que o problema nuclear», colocou o acento tónico na alegada instabilidade fomentada por Teerão no Médio Oriente. Tal razão obriga, segundo o responsável da UE, a um «crescendo de intensidade no CS», cenário a partir do qual «nenhuma hipótese será posta de lado», disse ainda referindo-se a mais uma eventual agressão militar.
No final do dia, quase 24 horas depois da aprovação da declaração na ONU e já depois de terem prestado declarações todos os responsáveis convocados para Berlim, pronunciou-se o secretário-geral das Nações Unidas, figura cada vez mais subalternizada na política da paz e da guerra urdida pelas potências capitalistas. Em comunicado aos órgão de informação lido pelo seu porta-voz, Kofi Annan alertou o Irão para os acordos estabelecidos no âmbito do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, para o cumprimento das exigências da AEIA, e saudou a unidade «demonstrada quarta-feira pelos membros do Conselho de Segurança».
Eixo anglo-norte-americano
acertou agulhas
Depois de Berlim, Jack Straw e Condoleezza Rice voltaram a encontrar-se, em Blackburn, ao que tudo indica para acertarem agulhas no que toca ao desenvolvimento de uma estratégia comum sobre a questão iraniana.
Recebidos na cidade do Norte de Inglaterra por protestos contra invasão e ocupação do Iraque, Rice e Straw garantiram que «para já», uma nova campanha militar «está fora da agenda», embora a secretária de Estado norte-americana tenha usado palavras mais musculadas que no dia anterior.
Rice considerou «inconcebível a ideia de permitir o enriquecimento de urânio em território iraniano», matéria que disse ser «espinhosa» e, mais claramente, «de desfecho incerto».
Na ressaca da concertação, o Sunday Telegraph titulou, na sua edição de domingo, que os britânicos já avaliam as consequências de ataques aéreos contra o Irão, estando tal decisão dependente dos interesses da Grã-Bretanha na região.
A notícia foi prontamente desmentida por responsáveis do governo de Tony Blair, mas de acordo com o semanário, que cita fonte ligada ao ministério da Defesa, em Londres ninguém duvida da inevitabilidade de tais acções por parte de Washington, restando saber se isoladamente ou formando outra coligação.
A certeza é tal que a referida fonte adianta que a agressão pode contar exclusivamente com apoio israelita, ficando por apurar quando será empreendida, se «este ano, se para o próximo ano», afirmou.
Tempo para negociar
No complexo xadrez que parece estar por trás do consenso obtido no CS das Nações Unidas, importa não esquecer que foi por intransigência da China e da Rússia que o texto não só não se transformou em resolução, como excluiu à partida a imposição de sanções económicas ao Irão.
Nas várias rondas, Serguei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros russo, pronunciou-se sempre a favor do diálogo, destacou o papel fulcral da AEIA e afirmou a vontade de Moscovo em continuar a «pedir ao Irão que coopere plenamente com a agência», único caminho para que, disse ainda, «o Irão possa fazer um uso pacífico da tecnologia nuclear».
Nas palavras de Moscovo pode ler-se a postura de Pequim. Qin Gang, homólogo chinês, insistiu na «calma e paciência entre as partes envolvidas», conjuntura fundamental para a resolução das diferenças numa «atmosfera sã».
A postura da China encaixa na recente aproximação ao governo de Teerão. O Irão é já o seu terceiro maior fornecedor de petróleo e, desde final de 2004, as duas nações dispõem de um acordo, válido para o próximo quarto de século, que contempla a exportação para a China de qualquer coisa como 250 milhões de toneladas de gás natural.
Blix e Baradei regressam à ribalta
Igualmente partidários da via negocial são o antigo chefe dos inspectores da ONU no Iraque, Hans Blix, e o secretário-geral da AIEA, Mohamed el-Baradei.
Segunda-feira, num seminário em Bergen, na Noruega, Blix afirmou que o cenário do Irão deter uma bomba nuclear não se coloca antes de 2011, mesmo que iniciem desde já o enriquecimento de urânio, razão pela qual devem avançar «medidas positivas».
Baradei também se manifesta favorável a esta linha, até porque, considerou, «não estamos perante uma ameaça iminente».
A possibilidade de europeus e norte-americanos decidirem levar a cabo mais uma guerra ou decretarem sanções económicas contra o Irão, é considerada por ambos os responsáveis como «más ideias» que só servirão para «fomentar o terrorismo».
Iranianos dispostos ao diálogo
Em reacção à declaração aprovada quarta-feira no CS e às ameaças europeias e norte-americanas, os responsáveis e representantes iranianos desdobraram-se em declarações cujo objectivo é desmistificar as alegadas intenções escondidas no programa nuclear do país.
Sem colocar em causa a determinação da nação árabe em prosseguir o programa de enriquecimento de urânio, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Manuchehr Mottaki, deu um passo tido como de boa-fé ao propor que seja constituído um consórcio empresarial, envolvendo diversos países da região, para gerir a produção de energia nuclear, estrutura que poderia ser controlada pelos inspectores da AEIA.
Em Genebra, Mottaki deixou a porta aberta a novas negociações, mas qualificou a pressão internacional de «propaganda injustificada», repetindo, mais uma vez, que «o programa nuclear do Irão é pacífico e nunca se desviou para actividades proibidas».
Quanto à guerra económica fazendo uso da capacidade de abastecimento petrolífero, Mottaki disse que «a energia não vai ser utilizada como alavanca política», isto depois da bolsa de Nova Iorque ter registado uma nova subida do preço do crude para os 67 dólares por barril.
Osso duro de roer
Não obstante as declarações apaziguadoras do governo do Irão, o país não se encontra na mesma situação de debilidade económica e militar do Iraque, razão que faz acreditar que, em caso de investida imperialista, o exército convencional será, no mínimo, um osso duro de roer.
Acresce que, domingo, o ministério da Defesa do Irão anunciou ter testado com êxito o míssil-torpedo mais rápido do mundo, arma considerada intetectável aos radares.
O teste foi feito no âmbito de um exercício militar que durou cinco dias ao largo do Golfo Pérsico. Para o teatro virtual foram mobilizados 17 mil soldados, 1500 vasos de guerra, e um número considerável de meios de defesa e de ataque aéreos.