O servicinho

Henrique Custódio
O Governo de José Sócrates decretou esta semana em Diário da Re­pú­blica o au­mento de 23% das taxas moderadoras nas urgências hospitalares, declarando – como o fez na rádio Vasco Franco, deputado do PS – que tal medida visava «cum­prir o im­pe­ra­tivo cons­ti­tu­ci­onal de uma as­sis­tência mé­dica ten­den­ci­al­mente gra­tuita, como todos de­se­jamos».
Disse isto sem se rir, provavelmente na suposição de que, fora dos luminosos salões do poder, a estupidez faz moeda corrente pelo País.
Mas não foi apenas o perspicaz Vasco Franco que desenvolveu a extraordinária tese de que há aumentos de preços que fazem descer as despesas: o próprio ministério da Saúde garantiu o mesmo através das suas mais autorizadas vozes, as do ministro Correia de Campos e do seu secretário de Estado Francisco Ramos, ambos garantindo que tal aumento iria libertar os serviços de «falsas urgências».
Em relação às «falsas urgências», só mesmo a rir para não chorar: toda a gente sabe – e o ministério em primeiro lugar – que as urgências hospitalares têm vindo a entupir-se crescentemente na proporção exacta da diminuição dos médicos de família e do atendimento a montante, agravado por décadas de desinvestimento na formação de clínicos gerais, nos Centros de Saúde e nos Serviços de Atendimento Permanente (SAP’s), que ainda por cima o actual Governo tem vindo a encerrar.
A população, encurralada na falta gritante e crescente de asssistência e atendimento nas suas zonas de residência, recorre obviamente aos serviços de urgência centrais, dado que não tem qualquer outra alternativa.
São estas multidões de desespero crescente que o Governo de José Sócrates rotula de «falsas urgências», procurando dispersá-las com bastonadas de 23% sobre as taxas moderadoras a que chama de «actualização pelo índice de inflação».
Simultaneamente, e com premeditada frieza, prepara o terreno para esvaziar o Serviço Nacional de Saúde constitucionalmente garantido como universal e tendencialmente gratuito, dando passos concretos e tremendos nesse sentido a pretexto de «racionalizar custos», nomeadamente com o encerramento de Urgências/SAP’s dos Centros de Saúde, de Hospitais e de Maternidades sem criar previamente quaisquer alternativas, além de estabelecer acordos inadmissíveis com a APIFARMA privilegiando os intereresses da indústria farmacêutica e desprezando os direitos dos cidadãos.
Em «alternativa» vai procurando instalar o comércio da Saúde, dando também aqui implacáveis passos, quer entregando ao sector privado (empresas, IPSS’s, Misericórdias, etc.) a gestão de Unidades de Saúde Familiares, tal como hospitais públicos direccionados para Cuidados Continuados, ao mesmo tempo que lhes vai também passando a exploração, por 30 anos (para já...) dos novos hospitais ditos de «parceira público-privada», onde, no essencial, os investimentos são públicos e a gestão privada, a par de uma miríade de serviços, exames, análises, operações etc. «requisitados» continuamente a empresas privadas por rios de dinheiro que, entretanto, não é canalizado para o investimento público na área da Saúde onde, em economia de escala, tudo sairia muito mais barato e, sobretudo, mais eficaz e competente.
Como é sabido, as múltiplas actividades relacionadas com a Saúde têm clientela sempre assegurada. Os capitalistas sabem-no bem, por isso há décadas que a querem transformar em negócio privado.
Pelos vistos, já têm um Governo ajeitado ao servicinho.


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