Comentário

Os senhores da guerra

Pedro Guerreiro
Na semana passada, corria eu de uma comissão parlamentar para outra quando me deparo com um cartaz com uma fotografia onde um pequeno tractor, com três agricultores encavalitados, se afasta para a berma de uma estrada rural para deixar passar um carro de combate, com a seguinte legenda: «A UE e o uso da força: Critérios de intervenção, audição pública da Subcomissão da segurança e da Defesa do Parlamento Europeu».
No dia seguinte, os serviços do PE divulgam uma nota para a comunicação social onde tomamos conhecimento que os debates realizados na audição foram «principalmente» sobre a «possibilidade da UE intervir sem a autorização do Conselho de Segurança da ONU», sobre a «oportunidade dos ataques preventivos» e sobre o papel do PE na «legitimação das operações militares».
Na curta nota à imprensa ficamos ainda a saber que o representante da presidência austríaca, que dirige actualmente o Conselho da UE, considera que se «a Carta das Nações Unidas deve constituir a base de toda a decisão relativa a uma intervenção militar (...), ela não poderia antecipar as grandes modificações nas relações internacionais depois do fim da segunda guerra mundial», acrescentando que, na sua opinião, em termos jurídicos, a política estrangeira de segurança comum da UE (PESC) «não requer nenhum mandato explicito das Nações Unidas» para realizar uma operação militar.

As ambições alemãs

As graves declarações do representante da presidência austríaca (recorde-se que a Áustria é um país com estatuto neutro) são o eco das declarações proferidas por Angela Merkel, que dirige o governo de coligação entre a direita e a social-democracia alemãs.
Intervindo na Conferência de Munique sobre segurança internacional, no início de Fevereiro, a responsável do governo alemão traçou as linhas centrais da política externa deste país. Não sendo possível enumerar todos os aspectos aí enunciados, destaca-se a ambição de uma relação mais reequilibrada com os EUA, utilizando a NATO como fórum para apontar prioridades, dividir tarefas, áreas de influência e «proveitos»; a continuação da militarização da UE, servindo os propósitos das grandes potências europeias concertadas entre si; ou ainda o reforço da participação do exército alemão em forças de agressão e ocupação (Ásia central, Balcãs, África,...), que Merkel quer estender «a quase todo o mundo».
A responsável do governo alemão considera que a parceria entre a UE e a NATO se está a reforçar e que a Estratégia Europeia de Segurança, o Conceito Estratégico da NATO e a Estratégia Nacional de Segurança dos Estados Unidos formam a base para uma agenda que quer comum. Merkel afirma que não quer «filosofar» sobre as diferenças entre as palavras «preemptivo» e «preventivo», pois o que é para si «fascinante é constatar que as coisas estão a mover-se na mesma direcção».
Merkel defende que os «instrumentos» de «prevenção de conflitos» e de «gestão de crises» devem ser mais eficazes, o que exige, na sua opinião, «uma base legal internacional», de preferência no quadro das Nações Unidas, por forma a «legitimar» o que considera serem «as respostas aos novos desafios do Século XXI».

Pela paz!

Por detrás de toda esta linguagem codificada o que se pretende é torpedear a Carta das Nações Unidas e instrumentalizar a ONU, procurando que esta passe a «legalizar» o ilegal e a «legitimar» o inaceitável, ou seja, a agressão e a ocupação militar imperialista.
É necessário continuar a denunciar os reais propósitos que se escondem por detrás deste arrazoado de conceitos. O que está em causa é a guerra, é a agressão e a ocupação militar, o desrespeito do direito internacional, a militarização das relações internacionais, a corrida aos armamentos, o ataque à soberania dos povos e dos estados.
A recente agudização da situação internacional, nomeadamente quanto ao programa nuclear do Irão, deverá ser compreendida neste quadro mais geral.
É preocupante constatar a aproximação das grandes potências da UE às posições dos EUA relativamente a esta região. Foram a Alemanha, a França e o Reino Unido que tomaram a iniciativa de tentar bloquear uma solução negocial relativa ao Irão no quadro da Agência Internacional de Energia Atómica. Este era um objectivo há muito pretendido pelos EUA para isolar internacionalmente o Irão e pseudo-legitimar novas ingerências e perigosas aventuras militares.
No momento em que se assinalam três anos sobre a agressão e ocupação militar do Iraque pelos EUA e seus aliados, o mundo está confrontado com novas ameaças à paz. Exijamos o fim da ocupação do Iraque e rejeitemos novas agressões militares.


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